terça-feira, 7 de maio de 2019

NAS ENTRELINHAS DA HISTÓRIA II


HERÓIS, ANTI-HERÓIS E QUIMERAS - IV

NOTAS COMPLEMENTARES & BIBLIOGRAFIA

     Ao longo da escrita dos três artigos anteriores fui tomando muitas notas que esclarecem melhor os factos mencionados. Colocar o conteúdo destas notas no interior daqueles textos poderia causar uma maior dificuldade na leitura em vez de elucidar e complementar, que é o que todas as notas pretendem fazer. Colocá-las em rodapé poderia também ter um certo efeito de dispersão. Assim, decidi reunir algumas das mais relevantes em posts à parte. Algumas destas notas resumem-se quase exclusivamente à transcrição de fragmentos de livros e outras publicações; outras contêm comentários e pistas para novas linhas de investigação ainda pouco exploradas. No final, apresento também um extensa bibliografia, uma grande parte com links para as obras digitalizadas. Tanto quanto possível, tentei agrupar as notas por temas e subtemas. Na maioria dos casos, mantive a grafia original das obras citadas.  

MAÇONARIA

Nota 1: Gomes Freire homenageado como membro da Maçonaria

«O Grande Oriente Lusitano (GOL), que teve o supliciado general como seu grão-mestre, evoca hoje, em cerimónia a realizar no quartel da NATO, em Oeiras, a sua memória, passados 185 anos sobre o seu infeliz desaparecimento.» Cf. Jornal Público, “GOL evoca Gomes Freire de Andrade em Oeiras», edição de 19 de Outubro de 2002 -

Nota 2: Em 2003, a loja maçónica Grande Oriente Lusitano ofereceu à Câmara Municipal de Lisboa um busto em bronze de Gomes Freire, que foi colocado sobre um monumento de pedra na rua com o mesmo nome, tendo sido oficialmente inaugurado em 18 de Outubro de 2003.

Nota 3: «Tem o seu nome uma Ordem Honorífica da Maçonaria Regular Portuguesa, a Ordem General Gomes Freire de Andrade, destinada a honrar os que prestam relevantes serviços à Maçonaria Regular.» É considerado pelos maçons um “patriota e mártir”.

Passage in the mountains near Ladeira, Beira. - London, T. Cadell & W. Davies Strand, 1813. Foram também estas montanhas, estes caminhos íngremes e as gentes que lá moravam que ajudaram a travar a 3.ª invasão francesa.


CONSPIRAÇÕES, COLABORACIONISMO, MASSACRE DOS INSURGENTES EM ESPANHA, LEGIÃO PORTUGUESA AO SERVIÇO DE NAPOLEÃO

Nota 4: Seria interessante abordar ainda as múltiplas intrigas e conspirações em que Gomes Freire de Andrade esteve envolvido. A conspiração de 1817 foi apenas a última, mas é mais que provável que todas as outras tenham pesado na sua condenação: conspirou contra os chefes militares ingleses e contra as cúpulas políticas portuguesas; contra o partido realista para colocar no poder o partido aristocrático, do qual conseguiu afastar o Marquês de Alorna em 1801 para depois se unir ao mesmo em 1808 para formar e dirigir a Legião Portuguesa ao serviço dos Franceses; para evitar a reforma do exército segundo o plano dos militares ingleses em que ele não teria um lugar proeminente (veja-se como provocou e dirigiu os tumultos de Campo de Ourique, em 1803). Mas a mais curiosa e surpreendente conspiração (1805) foi aquela pela qual pretendeu entregar o trono a Carlota Joaquina (princesa de Bourbon casada com o príncipe português D. João VI)!!!

Nota 5: Seria também interessante ir a Saragoça, Valladolid, Madrid… e vasculhar os arquivos, se é que não foram já “devidamente” limpos. Os massacres aí ocorridos foram de uma barbárie inaudita (revejam-se os quadros e gravuras de Goya – Los Desastres de la Guerra). Sobre os massacres de Saragoça, existem algumas obras na BNL. Esses massacres de civis foram levados a cabo pelas forças conjuntas de França e legiões estrangeiras (portuguesa, espanhola, polaca, egípcia ─ os mamelucos, mercenários egípcios ao serviço de Napoleão ─ entre outras). Logo em 1808, terão sido forçados a incorporar a Legião Portuguesa cerca de 6 000 homens, comandados por Gomes Freire e pelo marquês de Alorna, D. Pedro de Almeida.
     O próprio Gomes Freire queixa-se em duas cartas dirigidas ao seu primo D. Miguel, dos ataques dos “insurgentes”, em vários locais de Espanha, e da raiva que eles tinham aos colaboracionistas, contando um episódio, ocorrido em Valhadolid, em que se salvou por um triz de ser linchado pela população, tendo sido protegido por um general espanhol (o general D. Gregorio de la Cuesta, capitão-geral de Castela e Leão) que o escondeu na sua própria casa. O general Cuesta começou por tentar travar a rebelião popular ameaçando-os com severos castigos e ordenando que aguardassem pacientemente o “rei” que Napoleão nomeasse para os governar, tal como fez em seguida, nomeando o seu irmão, José Bonaparte uma espécie de rei-governador de Madrid. Cuesta moveu-se também de modo evasivo e conveniente, entre o seu próprio povo e os invasores, mas escapou à sorte de outros que foram considerados traidores pelos insurgentes e executados nas ruas pelos populares. Um deles foi o general Miguel Cevallos que foi barbaramente assassinado pelo povo, num episódio algo semelhante ao que sucedeu com Bernardim Freire de Andrade. O barão de Eben terá tentado proteger Bernardim prendendo-o; o general Cuesta terá tentado proteger Cevallos prendendo-o também; ambos acabaram assassinados, mas não Eben nem Cuesta… (cf. History of the Peninsular War by Robert Southey, 1774-1843, Vol. I, London, 1828, págs. 453-455). De facto, também os “insurgentes” cometeram actos bárbaros… na sua própria terra, contra o invasor sanguinário. E também é um facto que uma grande parte dos colaboracionistas eram intelectuais, aristocratas e estrangeirados… que não conviviam com o povo que supostamente queriam libertar dos déspotas. Presumo que alguns dos iluminados estudiosos que escreveram sobre a conspiração de 1817 lhe chamem “a revolta dos esclarecidos” por ser de facto uma revolta dos privilegiados e poderosos, mas não a favor do povo inculto mas de si mesmos. O povo inculto foi chacinado, tanto em Portugal como em Espanha, e lá continuou na escuridão olhando “os vultos furtivos que sempre o tramaram por trás da luz” (paráfrase livre da letra de Carlos Tê, A Gente Não Lê, com música de Rui Veloso).

Nota 6: Duas das legiões portuguesas fizeram parte do exército invasor francês durante a 2.ª invasão, incorporando a 4.ª divisão, comandada pelo general Hendelet (cf. Guerra peninsular - notas, espisodios e extractos curiosos, Francisco Augusto Martins de Carvalho, Coimbra, 1910, p. 8). -

Nota 7: Para além da primeira legião portuguesa ao serviço de Napoleão, recrutada por Gomes Freire e pelo marquês de Alorna, houve outras, quase todas recrutadas à força pelos próprios generais franceses, entre eles Soult, durante a 2.º invasão (1809). A Legião do Douro não teve a oportunidade de chegar a lutar contra o seu próprio povo ao lado dos franceses porque entretanto os exércitos conjuntos britânico-portugueses tomaram a cidade do Porto: «Legião do Douro. 1809. O marechal Soult, duque de Dalmácia, publicou no Porto um decreto com data de 17 de Abril de 1809, (…), mandando organizar immediatamente uma Legião de tropas de linha portugueza, composta de infantaria, cavallaria, artilharia e sapadores ou porta-machados, debaixo da denominação de Legião do Douro n.º 1 ou Primeira Legião do Douro, devendo organizar-se seguidamente a Legião do Douro n.º 2.» (Cf. Guerra peninsular - notas, espisodios e extractos curiosos, Francisco Augusto Martins de Carvalho, Coimbra, 1910, p. 11).

The Defence of Saragossa by Sir David Wilkie, 1785-1841, 1828.

OUTRAS LEGIÕES

Nota 8: Houve também legiões portuguesas, paralelas ao exército regular, que combateram os invasores franceses. A mais conhecida foi a Leal Legião Lusitana (1808 a 1811). É curioso notar que esta legião, inicialmente formada em Londres, foi reorganizada quando se encontrava já em território nacional (Porto) por intervenção do Principal Sousa e o barão de Eben, entre outros. O Principal Sousa fez parte da segunda e da terceira Regência (1809 e 1810 a 1817) e o barão de Eben foi um dos condenados no processo de 1817 contra os conspiradores e colaboracionistas, tendo sido expulso nesse mesmo ano: «(…) Chegados ao Porto, foi completado, em Setembro de 1808, o effectivo dos dois primeiros batalhões, por influencia do Principal Sousa, José Maria de Moura e Carlos Frederico Lecor. O commandante do 1.° batalhão, foi dado ao coronel Roberto Wilson, e o 2.° ao barão d'Eben. O 3.° batalhão nunca se chegou a organizar.» Cf. Guerra peninsular - notas, espisodios e extractos curiosos, Francisco Augusto Martins de Carvalho, Coimbra, 1910, p. 10. 

Nota 9: Houve também legiões estrangeiras que combateram em Portugal ao lado dos exércitos portugueses e ingleses, por exemplo a Legião Alemã: «Legião Allemã. 1809.- Esta Legião fazia parte do exercito inglez commandado por lord Wellington. A brigada Langwerth que pertencia a referida Legião Allemã, sob o commando do major general Murray, tomou parte no combate de Grijó em 11 de Maio de 1809.» Cf. Idem, ibidem, p. 11.

OUTRAS FORMAS DE COLABORACIONISMO E APOLOGIA

Nota 10: De forma mais evidente do que Gomes Freire e em território nacional houve outros colaboracionistas e apologistas do invasor francês e até da transferência de Portugal para a soberania francesa. Um dos mais famosos foi o 2.º conde da Ega que defendeu que Junot deveria ser nomeado rei de Portugal, ideia que o próprio Junot acalentava, tal como muitos outros republicanos revolucionários que ansiavam por títulos nobiliárquicos e terras para reinar (cf. El-Rei Junot, Raúl Brandão).
     O 2.º conde da Ega era Aires José Maria de Saldanha Albuquerque Coutinho Matos e Noronha (1755-1827). Usufruiu de múltiplos cargos, comendas e benesses e casou duas vezes, sempre com senhoras bem privilegiadas. A segunda mulher foi «D. Juliana Maria Luísa Carolina Sofia de Oyenhausen e Almeida, condessa de Oyenhausen Gravemburgo, na Áustria, 3.ª filha do conde do mesmo título, Carlos Augusto, e de sua mulher, D. Leonor de Almeida Portugal, marquesa de Alorna». Consta que a beleza da condessa da Ega atraiu fortemente o general Junot e que o sentimento era recíproco, tendo-se tornado tão ostensiva e pública a relação amorosa que acabou por ser designada pelo epíteto de amante “do primeiro ajudante de Napoleão”. Mesmo assim, o conde da Ega defendeu veementemente que Junot deveria ser nomeado rei de Portugal!!! Incapazes de escaparem à acusação de colaboracionistas e traidores, o conde da Ega e toda a sua família saíram de Portugal para França logo que os invasores franceses foram derrotados. Já em França, o conde da Ega passou a receber de Napoleão uma pensão anual de 60 000 francos, benefício de que gozou até à queda definitiva do ditador.
     Acusado de traição e colaboracionismo, o conde da Ega foi condenado à morte “por barrote” em 1811. No entanto, esta sentença nunca foi executada e em 1823 acabou por ser absolvido e regressou a Portugal tendo-se afastado da vida política. Logo que o conde da Ega faleceu, a condessa «passou a segundas núpcias com o conde de Strognoff, da Rússia, Gregório Alexandre Ironwisch, e faleceu em S. Petersburgo em 14 de Novembro de 1864». Cf. http://www.arqnet.pt/dicionario/ega2c.html
     Sobre as múltiplas liaisons, quer de Laure Junot (1784-1838) quer de Jean Andoche Junot (1771-1813), que, antes de serem duques de Abrantes e pretensos monarcas de Portugal, tinham já residido em Portugal quando Napoleão nomeou o seu general embaixador em Lisboa, há muita informação quer nas Memórias autorizadas quer nas secretas de Madame Junot. Nessas Memórias surgem também muitas considerações curiosas sobre Portugal e Espanha e os seus povos. De regresso a França, continuará a referir-se a algumas figuras portuguesas com um certo desdém, ridicularizando detalhes insignificantes como a estatura ou a cabeleira à moda inglesa, opção que do seu ponto de vista demonstrava bem a subserviência de Portugal a Inglaterra, até na moda. Estava completamente enganada, porque durante séculos a cultura, a literatura e a arte portuguesas foram sobretudo seguidistas em relação aos modelos franceses.
     Jean Andoche Junot acabou derrotado, enlouqueceu (alguns crêem que em consequência da humilhação que o seu temperamento arrogante e irascível não conseguiu suportar e também devido a dois ferimentos que terá sofrido na cabeça) e acaba por suicidar-se. Após a morte de Junot, Laure continua as suas múltiplas liaisons, esbanjando o que tinha e não tinha. Um dos seus últimos ricos amantes recusou-se a continuar a ligação aceitando no entanto continuar a pagar as suas extravagâncias. Ele acabou falido e ela pobre. 
Cf. Mémoires de la générale Junot, duchesse d'Abrantes : souvenirs intimes sur l'enfance, la jeunesse, la vie privée de Napoléon Bonaparte, 1769-1801, Paris, 1910 - https://archive.org/details/mmoiresdelag00abra
Cf. Memoirs of Madame Junot (Duchesse D'Abrantès), Vol. 1, Paris, 1895 - https://archive.org/details/memoirsofmadamej01abra
Cf. La Générale Junot, duchesse d'Abrantès, 1784-1838 : d'Après ses lettres, ses papiers et son "Journal intime" inédits, Paris, 1900 - https://archive.org/details/lagnralejuno00turq
Cf. The Governor's Wife - Madame Junot by Mathilda Malling, New York, 1904 - https://archive.org/details/governorswifemad01mall
Cf. The Secret Memoirs Of The Duchesse D’Abrantes by Robert Chantemesse, London, n.d. -  https://archive.org/details/in.ernet.dli.2015.527704
Cf. The home and court life of the Emperor Napoleon and his family: with pictures of the most distinguished persons of the time, by Laure Junot, Duchess of Abrantes, New York, 1894 –

Portuguezes.... - Porto, 1809.


Aviso de hum religioso portuense a seus concidadaõs. - Porto, 1809, 
Porto, Typ. de António Alvarez Ribeiro.


Os inquisidores apostolicos contra a heretica pravidade... fazemos saber... venhão denunciar, e manifestar ante nós o que souberem dos casos abaixo declarados, Coimbra, 1818.

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