HERÓIS,
ANTI-HERÓIS E QUIMERAS - IV
NOTAS
COMPLEMENTARES & BIBLIOGRAFIA
Ao
longo da escrita dos três artigos anteriores fui tomando muitas notas que
esclarecem melhor os factos mencionados. Colocar o conteúdo destas notas no
interior daqueles textos poderia causar uma maior dificuldade na leitura em vez
de elucidar e complementar, que é o que todas as notas pretendem fazer. Colocá-las
em rodapé poderia também ter um certo efeito de dispersão. Assim, decidi reunir
algumas das mais relevantes em posts
à parte. Algumas destas notas resumem-se quase exclusivamente à transcrição de
fragmentos de livros e outras publicações; outras contêm comentários e pistas
para novas linhas de investigação ainda pouco exploradas. No final, apresento
também um extensa bibliografia, uma grande parte com links para as obras digitalizadas. Tanto quanto possível, tentei
agrupar as notas por temas e subtemas. Na maioria dos casos, mantive a grafia
original das obras citadas.
MAÇONARIA
Nota 1: Gomes Freire homenageado como membro da
Maçonaria
«O
Grande Oriente Lusitano (GOL), que teve o supliciado general como seu
grão-mestre, evoca hoje, em cerimónia a realizar no quartel da NATO, em Oeiras,
a sua memória, passados 185 anos sobre o seu infeliz desaparecimento.» Cf. Jornal Público, “GOL evoca Gomes Freire de Andrade em Oeiras», edição de 19 de
Outubro de 2002 -
Nota 2: Em 2003, a loja maçónica Grande Oriente
Lusitano ofereceu à Câmara Municipal de Lisboa um busto em bronze de Gomes
Freire, que foi colocado sobre um monumento de pedra na rua com o mesmo nome,
tendo sido oficialmente inaugurado em 18 de Outubro de 2003.
Nota 3: «Tem o seu nome uma Ordem Honorífica da
Maçonaria Regular Portuguesa, a Ordem General Gomes Freire de Andrade,
destinada a honrar os que prestam relevantes serviços à Maçonaria Regular.» É
considerado pelos maçons um “patriota e mártir”.
Passage in the mountains near Ladeira, Beira. - London, T. Cadell & W. Davies Strand, 1813. Foram também estas montanhas, estes caminhos íngremes e as gentes que lá moravam que ajudaram a travar a 3.ª invasão francesa.
CONSPIRAÇÕES,
COLABORACIONISMO, MASSACRE DOS INSURGENTES EM ESPANHA, LEGIÃO PORTUGUESA AO
SERVIÇO DE NAPOLEÃO
Nota 4: Seria interessante abordar ainda as
múltiplas intrigas e conspirações em que Gomes Freire de Andrade esteve
envolvido. A conspiração de 1817 foi apenas a última, mas é mais que provável
que todas as outras tenham pesado na sua condenação: conspirou contra os chefes
militares ingleses e contra as cúpulas políticas portuguesas; contra o partido
realista para colocar no poder o partido aristocrático, do qual conseguiu
afastar o Marquês de Alorna em 1801 para depois se unir ao mesmo em 1808 para
formar e dirigir a Legião Portuguesa ao serviço dos Franceses; para evitar a
reforma do exército segundo o plano dos militares ingleses em que ele não teria
um lugar proeminente (veja-se como provocou e dirigiu os tumultos de Campo de
Ourique, em 1803). Mas a mais curiosa e surpreendente conspiração (1805) foi
aquela pela qual pretendeu entregar o trono a Carlota Joaquina (princesa de
Bourbon casada com o príncipe português D. João VI)!!!
Nota 5: Seria também interessante ir a Saragoça,
Valladolid, Madrid… e vasculhar os arquivos, se é que não foram já
“devidamente” limpos. Os massacres aí ocorridos foram de uma barbárie inaudita
(revejam-se os quadros e gravuras de Goya – Los
Desastres de la Guerra). Sobre os massacres de Saragoça, existem algumas
obras na BNL. Esses massacres de civis foram levados a cabo pelas forças
conjuntas de França e legiões estrangeiras (portuguesa, espanhola, polaca,
egípcia ─ os mamelucos, mercenários egípcios ao serviço de Napoleão ─ entre
outras). Logo em 1808, terão sido forçados a incorporar a Legião Portuguesa
cerca de 6 000 homens, comandados por Gomes Freire e pelo marquês de Alorna, D.
Pedro de Almeida.
O próprio Gomes Freire queixa-se em duas
cartas dirigidas ao seu primo D. Miguel, dos ataques dos “insurgentes”, em
vários locais de Espanha, e da raiva que eles tinham aos colaboracionistas,
contando um episódio, ocorrido em Valhadolid, em que se salvou por um triz de
ser linchado pela população, tendo sido protegido por um general espanhol (o
general D. Gregorio de la Cuesta, capitão-geral de Castela e Leão) que o
escondeu na sua própria casa. O general Cuesta começou por tentar travar a
rebelião popular ameaçando-os com severos castigos e ordenando que aguardassem
pacientemente o “rei” que Napoleão nomeasse para os governar, tal como fez em
seguida, nomeando o seu irmão, José Bonaparte uma espécie de rei-governador de
Madrid. Cuesta moveu-se também de modo evasivo e conveniente, entre o seu
próprio povo e os invasores, mas escapou à sorte de outros que foram
considerados traidores pelos insurgentes e executados nas ruas pelos populares.
Um deles foi o general Miguel Cevallos que foi barbaramente assassinado pelo
povo, num episódio algo semelhante ao que sucedeu com Bernardim Freire de
Andrade. O barão de Eben terá tentado proteger Bernardim prendendo-o; o general
Cuesta terá tentado proteger Cevallos prendendo-o também; ambos acabaram
assassinados, mas não Eben nem Cuesta… (cf. History of
the Peninsular War by Robert Southey, 1774-1843, Vol. I,
London, 1828, págs. 453-455). De facto, também os “insurgentes” cometeram actos
bárbaros… na sua própria terra, contra o invasor sanguinário. E também é um
facto que uma grande parte dos colaboracionistas eram intelectuais,
aristocratas e estrangeirados… que não conviviam com o povo que supostamente
queriam libertar dos déspotas. Presumo que alguns dos iluminados estudiosos que
escreveram sobre a conspiração de 1817 lhe chamem “a revolta dos esclarecidos”
por ser de facto uma revolta dos privilegiados e poderosos, mas não a favor do
povo inculto mas de si mesmos. O povo inculto foi chacinado, tanto em Portugal
como em Espanha, e lá continuou na escuridão olhando “os vultos furtivos que
sempre o tramaram por trás da luz” (paráfrase livre da letra de Carlos Tê, A
Gente Não Lê, com música de Rui Veloso).
Nota 6: Duas das legiões portuguesas fizeram
parte do exército invasor francês durante a 2.ª invasão, incorporando a 4.ª
divisão, comandada pelo general Hendelet (cf. Guerra peninsular - notas, espisodios e extractos curiosos,
Francisco Augusto Martins de Carvalho, Coimbra, 1910, p. 8). -
Nota 7: Para além da primeira legião portuguesa
ao serviço de Napoleão, recrutada por Gomes Freire e pelo marquês de Alorna,
houve outras, quase todas recrutadas à força pelos próprios generais franceses,
entre eles Soult, durante a 2.º invasão (1809). A Legião do Douro não teve a
oportunidade de chegar a lutar contra o seu próprio povo ao lado dos franceses
porque entretanto os exércitos conjuntos britânico-portugueses tomaram a cidade
do Porto: «Legião do Douro. 1809. O marechal Soult, duque de Dalmácia, publicou
no Porto um decreto com data de 17 de Abril de 1809, (…), mandando organizar immediatamente
uma Legião de tropas de linha portugueza, composta de infantaria, cavallaria,
artilharia e sapadores ou porta-machados, debaixo da denominação de Legião do
Douro n.º 1 ou Primeira Legião do Douro, devendo organizar-se seguidamente a
Legião do Douro n.º 2.» (Cf. Guerra
peninsular - notas, espisodios e extractos curiosos, Francisco Augusto
Martins de Carvalho, Coimbra, 1910, p. 11).
The Defence of Saragossa by Sir David Wilkie, 1785-1841, 1828.
OUTRAS
LEGIÕES
Nota 8: Houve também legiões portuguesas,
paralelas ao exército regular, que combateram os invasores franceses. A mais
conhecida foi a Leal Legião Lusitana (1808 a 1811). É curioso notar que esta
legião, inicialmente formada em Londres, foi reorganizada quando se encontrava
já em território nacional (Porto) por intervenção do Principal Sousa e o barão
de Eben, entre outros. O Principal Sousa fez parte da segunda e da terceira
Regência (1809 e 1810 a 1817) e o barão de Eben foi um dos condenados no
processo de 1817 contra os conspiradores e colaboracionistas, tendo sido
expulso nesse mesmo ano: «(…) Chegados ao Porto, foi completado, em Setembro de
1808, o effectivo dos dois primeiros batalhões, por influencia do Principal
Sousa, José Maria de Moura e Carlos Frederico Lecor. O commandante do 1.°
batalhão, foi dado ao coronel Roberto Wilson, e o 2.° ao barão d'Eben. O 3.°
batalhão nunca se chegou a organizar.» Cf. Guerra
peninsular - notas, espisodios e extractos curiosos, Francisco Augusto
Martins de Carvalho, Coimbra, 1910, p. 10.
Nota 9: Houve também legiões estrangeiras que
combateram em Portugal ao lado dos exércitos portugueses e ingleses, por
exemplo a Legião Alemã: «Legião Allemã.
1809.- Esta Legião fazia parte do exercito inglez commandado por lord
Wellington. A brigada Langwerth que pertencia a referida Legião Allemã, sob o
commando do major general Murray, tomou parte no combate de Grijó em 11 de Maio
de 1809.» Cf. Idem, ibidem, p. 11.
OUTRAS
FORMAS DE COLABORACIONISMO E APOLOGIA
Nota 10: De forma mais evidente do que Gomes
Freire e em território nacional houve outros colaboracionistas e apologistas do
invasor francês e até da transferência de Portugal para a soberania francesa.
Um dos mais famosos foi o 2.º conde da Ega que defendeu que Junot deveria ser
nomeado rei de Portugal, ideia que o próprio Junot acalentava, tal como muitos
outros republicanos revolucionários que ansiavam por títulos nobiliárquicos e
terras para reinar (cf. El-Rei Junot,
Raúl Brandão).
O 2.º conde da Ega era Aires José Maria de
Saldanha Albuquerque Coutinho Matos e Noronha (1755-1827). Usufruiu de
múltiplos cargos, comendas e benesses e casou duas vezes, sempre com senhoras
bem privilegiadas. A segunda mulher foi «D.
Juliana Maria Luísa Carolina Sofia de Oyenhausen e Almeida, condessa de
Oyenhausen Gravemburgo, na Áustria, 3.ª filha do conde do mesmo título, Carlos
Augusto, e de sua mulher, D. Leonor de Almeida Portugal, marquesa de Alorna».
Consta que a beleza da condessa da Ega atraiu fortemente o general Junot e que
o sentimento era recíproco, tendo-se tornado tão ostensiva e pública a relação
amorosa que acabou por ser designada pelo epíteto de amante “do primeiro ajudante de Napoleão”. Mesmo
assim, o conde da Ega defendeu veementemente que Junot deveria ser nomeado rei
de Portugal!!! Incapazes de escaparem à acusação de colaboracionistas e
traidores, o conde da Ega e toda a sua família saíram de Portugal para França
logo que os invasores franceses foram derrotados. Já em França, o conde da Ega
passou a receber de Napoleão uma pensão anual de 60 000 francos, benefício de
que gozou até à queda definitiva do ditador.
Acusado de traição e colaboracionismo, o
conde da Ega foi condenado à morte “por barrote” em 1811. No entanto, esta
sentença nunca foi executada e em 1823 acabou por ser absolvido e regressou a
Portugal tendo-se afastado da vida política. Logo que o conde da Ega faleceu, a
condessa «passou a segundas núpcias com o conde de Strognoff, da Rússia,
Gregório Alexandre Ironwisch, e faleceu em S. Petersburgo em 14 de Novembro de
1864». Cf. http://www.arqnet.pt/dicionario/ega2c.html
Sobre as múltiplas liaisons, quer de Laure Junot
(1784-1838) quer de Jean Andoche Junot (1771-1813), que, antes de serem duques
de Abrantes e pretensos monarcas de Portugal, tinham já residido em Portugal
quando Napoleão nomeou o seu general embaixador em Lisboa, há muita informação
quer nas Memórias autorizadas quer nas secretas de Madame Junot. Nessas
Memórias surgem também muitas considerações curiosas sobre Portugal e Espanha e
os seus povos. De regresso a França, continuará a referir-se a algumas figuras
portuguesas com um certo desdém, ridicularizando detalhes insignificantes como
a estatura ou a cabeleira à moda inglesa, opção que do seu ponto de vista
demonstrava bem a subserviência de Portugal a Inglaterra, até na moda. Estava
completamente enganada, porque durante séculos a cultura, a literatura e a arte
portuguesas foram sobretudo seguidistas em relação aos modelos franceses.
Jean Andoche Junot acabou derrotado, enlouqueceu
(alguns crêem que em consequência da humilhação que o seu temperamento
arrogante e irascível não conseguiu suportar e também devido a dois ferimentos
que terá sofrido na cabeça) e acaba por suicidar-se. Após a morte de Junot,
Laure continua as suas múltiplas liaisons,
esbanjando o que tinha e não tinha. Um dos seus últimos ricos amantes
recusou-se a continuar a ligação aceitando no entanto continuar a pagar as suas
extravagâncias. Ele acabou falido e
ela pobre.
Cf. Mémoires de la générale Junot,
duchesse d'Abrantes : souvenirs intimes sur l'enfance, la jeunesse, la vie
privée de Napoléon Bonaparte, 1769-1801, Paris, 1910 - https://archive.org/details/mmoiresdelag00abra
Cf. Memoirs of Madame Junot (Duchesse
D'Abrantès), Vol. 1, Paris, 1895 - https://archive.org/details/memoirsofmadamej01abra
Cf. La Générale Junot, duchesse
d'Abrantès, 1784-1838 : d'Après ses lettres, ses papiers et son "Journal
intime" inédits, Paris, 1900 - https://archive.org/details/lagnralejuno00turq
Cf. The
Governor's Wife - Madame Junot by Mathilda Malling, New York, 1904 - https://archive.org/details/governorswifemad01mall
Cf. The Secret Memoirs Of The Duchesse D’Abrantes by Robert Chantemesse, London, n.d. - https://archive.org/details/in.ernet.dli.2015.527704
Cf. The home and court life of the Emperor Napoleon and his family: with
pictures of the most distinguished persons of the time, by Laure Junot,
Duchess of Abrantes, New York, 1894 –
Portuguezes.... - Porto, 1809.
Aviso de hum religioso portuense a seus concidadaõs. - Porto, 1809,
Porto, Typ. de António Alvarez Ribeiro.
Os inquisidores apostolicos contra a heretica pravidade... fazemos saber... venhão denunciar, e manifestar ante nós o que souberem dos casos abaixo declarados, Coimbra, 1818.
IMAGENS:
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