quinta-feira, 30 de julho de 2015

TEATRO NA ESCOLA XI

O JARDIM DAS CEREJEIRAS

Tragicomédia de Anton Tchekhov, interpretada pelos alunos do Curso Profissional de Artes do Espectáculo – Interpretação, da Escola Secundária D. Pedro V, turma 11.º 13. 
Encenação de Victor Sezinando.
Teatro da Comuna, Lisboa, 9/5/2015

     A última peça (1904) escrita por Tchekhov (1860-1904), representada pouco antes da sua morte, é também uma espécie de retrato de uma época em vias de extinção, a Rússia rural, czarista e aristocrata, asfixiada pela servidão e incapacidade de transformação e adaptação social e política. 
     Por aquelas páginas desfilam os que serão derrotados, apesar de todo o seu poder e riqueza, e os que emergem penosamente para uma nova vida. É o espelho de um mundo em transformação, o prenúncio de uma nova ordem social e política. Poucos anos depois, terá início a revolução bolchevique (1917) e os Romanov (últimos da linhagem czarista) serão executados (1918). O fim trágico de uma era que Tchekhov pressentiu e a cujos primeiros desmoronamentos assistiu.
     O próprio Tchekhov era oriundo de uma família humilde que conheceu a miséria e a servidão. Ele foi um dos poucos que verdadeiramente conseguiu a emancipação social e cultural. Após a abolição da servidão em 1861, mais de vinte e três milhões de pessoas (camponeses e servos domésticos da aristocracia) adquirem o estatuto formal de cidadãos livres, mas na prática continuaram a viver na miséria. Quem mais se ressentiu com este édito foram os grandes proprietários de terras que deixaram de ter um bem essencial para prosperar, a mão-de-obra barata ou não remunerada. Essa foi a principal causa da queda da aristocracia latifundiária russa. As terras podiam continuar nas suas mãos mas tornaram-se estéreis ou apenas fonte de despesas sem retorno. Por isso, a aristocracia se endivida junto dos bancos, dos agiotas e do próprio Estado, vendo-se obrigada a hipotecar terras que estavam nas mãos das famílias há muitas gerações ou a vendê-las ao desbarato. É o início da transição do feudalismo para o capitalismo, numa época muito mais tardia do que no resto da Europa, e a ascensão gradual de duas novas classes que continuarão a digladiar-se, o proletariado (operariado fabril) e a burguesia. 
     É este o enquadramento político, económico e social que se apresenta como pano de fundo n’ O Jardim das Cerejeiras (ou O Cerejal, ou ainda O Ginjal, por serem as ginjas as “cerejas” amargas dos climas frios), uma peça que se situa algures entre a comédia e a tragédia. O que une e funde estas duas dimensões dramatúrgicas é precisamente o facto de os protagonistas de ambas serem os mesmos. Todos são forçados a mudar, a adaptar-se, a envergar novas máscaras, por mais incoerentes que sejam com a sua verdadeira natureza ou a verdade dos factos. Canta-se, dança-se, joga-se, ilude-se enquanto se chora e desespera… para depois continuar tudo aparentemente na mesma, mas na verdade muito diferente. Entre perdedores e ganhadores existe apenas um modus vivendi muito provisório e precário.
     O cerejal não é apenas um bem material, representa o elo ancestral com a terra de uma classe que sempre fora proprietária; e que sempre olhou a terra como sua e não como um bem comum que pouco vale sem a força dos braços dos camponeses. O laço afectivo confunde-se com o bem material e social. Perante a perda inevitável do cerejal, a proprietária aristocrata chora todas as três perdas (o bem material, o estatuto social que a sua posse lhe conferia, e pelo valor afectivo que um bem de família veicula). Mas prossegue, depois, altiva, mantendo a pose aristocrática, como se nada tivesse de facto perdido ou mudado. A máscara da dissimulação serve-lhe na perfeição mas não convence. A burguesia acaba por derrotar a aristocracia (Ermolai Alekséitch Lopákhin, o burguês, apodera-se do cerejal) mas a aristocracia jamais se dá por derrotada. A jovem intérprete merece uma generosa vénia pela forma exemplar como interpretou este papel, assim como todos os outros.
     Foi notável a maturidade dos jovens actores na assunção de papéis marcados pela estética e pelo estilo de uma época já extinta. Apesar de sermos obrigados a olhar para a maior parte daqueles seres como “personagens tipo” (tipos sociais), cada um conferiu ao “eu” que lhe tocou características humanas únicas. A forma como a comédia e a tragédia se entrelaçam não resulta apenas das circunstâncias e mudanças que se observam; resulta também da forma como foi feita a encenação e cada actor se apropriou do seu papel. 
     Charlotta Ivánovna é, no original, uma espécie de governanta, mas aqui transformou-se numa artista excêntrica e optimista que sabe quão importante é o papel da ilusão e cobre tudo com um “manto diáfano de fantasia”. Ela dança, faz truques de ilusionismo e parece passar incólume por todas as adversidades. Para ela, a vida é sempre uma festa… ou uma farsa, dependendo do ponto de vista. Iacha e Duniacha são servos que ambicionam a ascensão social e caem também na rede das ilusões, supondo que a “queda” dos patrões lhes trará liberdade e riqueza, vã suposição; a única riqueza que lhes poderá tocar é o amor e os pequenos prazeres da vida. Iacha “festeja” a perda do cerejal e a partida dos patrões com inúmeras taças de champanhe, antecipando uma vida desafogada que nunca poderá ter; Duniacha anseia unir-se a um Iacha livre e próspero, ser esposa e proprietária. Ermolai Alekséitch Lopákhin (o burguês que se torna o novo proprietário do cerejal) festeja duplamente, pela posse do cerejal e pela queda daqueles que são para ele um maior obstáculo do que servos ansiosos de liberdade e direitos, a aristocracia rural. Afinal, também ele fora servidor, dependente e pobre outrora. Mas ele é um animal social por excelência, contrariou as suas origens sociais, singrou, adaptou-se, tornou-se temporariamente o mais forte. O contexto da Revolução Russa contrariou o “darwinismo social” europeu e capitalista. A par da realeza imperial e da aristocracia, os bolcheviques fizeram destes novos burgueses o seu alvo… Que diriam os bolcheviques da Rússia actual… das novas “aristocracias” e “burguesias”, do novo capitalismo por detrás das máscaras do novo regime? 
     Para o encenador, Victor Sezinando, e para todos os jovens intérpretes fica um enorme aplauso e admiração pelo excelente trabalho. Mais uma noite para não esquecer. O meu pequeno contributo para a preservar na memória fica abaixo, na selecção de fotografias apresentadas e no álbum partilhado publicamente. 

Interpretação:

Liubov Andréevna – Ana Marques
Ánia – Daniela Oliveira
Vária – Cláudia Mendonça
Leonid Andréevtich Gáev – Rafael Neto
Ermolai Alekséitch Lopákhin – Miguel Galamba
Trofimov – Gonçalo Marques
Charlotta Ivánovna – Tânia Martins
Duniacha – Verónica Barros
Iacha – Denilson Andrade
Epikodov – Bruno Páscoa

Encenação: Victor Sezinando
Luz e som: Victor Sezinando
Catacterização e figurinos: a imaginação de todos


The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

 The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.

The Garden of Cherries - Tchekhov, photography by São Ludovino.