HERÓIS,
ANTI-HERÓIS E QUIMERAS - VI
(Continuação
do post anterior. Manteve-se quase sempre a grafia dos documentos originais.)
MESMO NA GUERRA… CATÓLICOS E PROTESTANTES SEPARADOS
Nota 19: Por
todo o país morreram e foram sepultados militares ingleses. Em honra de alguns
foram erguidas lápides que os lembram. Embora combatendo lado a lado contra um
inimigo comum, separaram-se na morte… não sendo sepultados nos cemitérios.
«Em 1811, logo cm seguida á passagem do
exercito francez por Gouveia, foi o collegio dos jesuitas estabelecido n'aquella
villa, transformado em hospital de sangue.
N'esse hospital falleceu mais tarde um
official inglez, que por ser protestante foi sepultado na cerca, sendo-lhe erguido
n'esse local, pelos seus camaradas, um singelo monumento á sua memoria, que
ainda hoje alli se conserva, estando porém já pouco legível a respectiva
inscripção, devido á acção da neve e do gelo, que na estação invernosa são
triviaes n'aquella villa.»
Alguns eram sim sepultados nas fortalezas
militares, como aconteceu com John Beresford, parente de William Carr
Beresford, que morreu e foi sepultado em Almeida, no baluarte de Sante Bárbara.
Talvez esta honra se tivesse devido unicamente à intercedência de W. C.
Beresford, marquês de Campo Maior:
«No anno de 1812, durante a guerra
peninsular, foi gravemente ferido por effeito de uma mina que explodiu na brecha
de Ciudad Rodrigo, em Hespanha, um parente do general Beresford, que foi
transportado para o hospital de sangue da praça de Almeida, onde falleceu,
sendo sepultado no baluarte de Santa Barbara, no local onde se encontra uma
lapide de lm,50 de altura e 0m,38 de largura, tendo gravada a seguinte
inscripção em inglez e portuguez:
John Beresford, lieutenant in the 88th Reg.° received a mortal Wound by
the explosion of a mine in the breach of Ciudad Rodrigo, the 19th January 1812.
O tenente João Beresford
do Regim.to B.co n.° 88, pelo effeito d'uma mina que voou
na brecha de Ciudad Rodrigo e que elle, entre os primeiros, montou, e na noite
de 19 de Janeiro de 1812, morreu na edade de 21 annos.
S. Ex.a o sr. marquez de Campo
Maior, d’este modo mandou conmemorar a morte d'um parente estimado.»
Vide
Guerra peninsular - notas, espisodios e
extractos curiosos, Francisco Augusto Martins de Carvalho, Coimbra, 1910,
págs. 64-65.
Battle of Fuentes de Oñoro 3rd to 5th May 1811 in the Peninsular War.
UM PEQUENO
ROL
Nota 20: Assim à distância, são divertidas aquelas
proclamações de Junot em que apregoa que nem um cêntimo seria tirado aos
Portugueses e se algum dos seus soldados (não menciona sequer os oficiais)
roubasse o que quer que fosse seria severamente castigado ou até executado.
Pois bem, do mais modesto soldado ao mais eminente general, foram quase todos
os que destruíram e saquearam. Loison, o Maneta, numa das suas retiradas
apressadas, deixou para trás uma pequena amostra do seu saque pessoal:
«Loison chegou a Lamego na tarde do dia 21
do referido mez de Junho de 1808, aquartellando-se com o seu estado maior no
Paço Episcopal. Foi porém forçado a marchar para Vizeu logo na manhã do dia
immediato, e com tal precipitação o fez que deixou no quarto onde dormia dois pesados
caixões todos chapeados de ferro.
Depois da Convenção de Cintra e da
expulsão dos francezes, foram abertos os referidos caixões, por ordem dos governadores
do reino, em Fevereiro de 1809, encontrando-se as seguintes peças de prata,
segundo constava do inventario que então se lavrou, e que ainda ha poucos annos
conservava no seu precioso muzeu, o fallecido cónego da Sé de Lamego, rev.do
Teixeira Fafe, muito illustrado amador de antiguidades.
«13 castiçaes,— 2 serpentinas grandes,—2
escrivaninhas, — 3 bacias de mãos e 2 jarros,— 6 dúzias de garfos, facas e
colheres,— 4 clarins,—2 grandes cruzes procissionaes,— 1 imagem de Christo,— 1
rica banqueta de altar com 51 peças, — 6 grandes salvas, —7 púcaros e 13
bacias, sendo 6 de cadeira grandes, e 7 de cabeceira mais pequenas, tudo de
prata com o peso 1 total de 462 marcos e 6 onças,—além de uma caixa forrada de marroquim,
contendo um bello apparelho de chá com 13 peças de louça da índia.»
O próprio Junot não ficou atrás de Loison
e outros:
«Junot, também commetteu grandes roubos no
nosso paiz. Na igreja de Miragaia da cidade do Porto, roubou diversas alfaias,
pelo que no respectivo inventario da prata roubada, existente no archivo do
governo civil do Porto, se encontra a seguinte curiosa nota: ─ Roubada pelo Chino?!
Como é sabido, o povo designava o general
Junot pelos nomes de Jinó ou Chino, como se vê das seguintes trovas populares:
O
Jinó foi ao inferno
Buscar
duas testemunhas:
Achou
as portas fechadas,
Poz-se
a esgravatar co'as unhas.
O
Jinó mail-o Maneta
Diz
que Portugal que é seu;
E'
um demo para elles,
E
mais para quem lh'o deu.
Vide
Guerra peninsular - notas, espisodios e
extractos curiosos, Francisco Augusto Martins de Carvalho, Coimbra, 1910,
págs. 72-73.
ANTT - desenhos feitos pelo capitão Manuel Isidro da Paz, 1812.
AS ESTRATÉGIAS NÃO MILITARES QUE AJUDARAM BERESFORD A GANHAR
Nota 21: Em 1811, durante a 3.ª invasão, comandada
por Massena.
Perto
de Manteigas, nas faldas da Serra da Estrela:
«Quando os habitantes da villa souberam
que os francezes se aproximavam para a saquear, resolveram defendel-a a todo o
transe.
Como valentes Erminios de sangue puro e
homens resolutos, armaram-se o melhor que' poderam com todas as espingardas que
existiam na villa, machados e alavancas de ferro, e foram esperar os francezes
a 3 kilometros de Manteigas, no sitio denominado Figueira Brava, ponto bem
escolhido, por ser muito defensável.
E' um morro dos maiores, mais Íngremes e
mais alcantilados da grande serra, passando a custo no sopé d'elle a estrada, e
seguindo-se a juzante o rio Zêzere com margens abruptas. Para melhor estorvarem
a passagem dos francezes, pozeram na estrada uma grande turbina d'um pisão
próximo, juntaram-lhe grandes troncos d'arvore, e com alavancas deslocaram do
grande morro penedos enormes com que entulharam a estrada, completando assim a barricada.
Subiram depois todos para o grande morro
sobranceiro á estrada, dispostos a defender a barricada, para o que foram
escavando por meio de alavancas, e pondo a geito grande numero de penedos, para
os despenharem sobre a estrada, logo que se aproximassem os francezes.
Chegados estes e vendo a forte barricada,
o morro sobranceiro cheio de gente armada, clamando gritando e fazendo fogo, e
os enormes penedos rolando sobre a estrada, desanimaram por não poderem
contornar o morro, nem terem outro caminho para Manteigas, além do que seguiam.
Tiveram portanto de bater em retirada, e
nem chegaram a ver Manteigas, por estar a villa á distancia de 3 kilometros, occulta
pelo grande morro, e escondida n'uma cova, junto do Zêzere.»
Em
Coimbra:
«Em
Coimbra achava-se o general inglez Trant, com uma divisão de perto de 6:000
homens, a maior parte de milícias, e em conformidade das instrucções que havia
recebido do marechal Wellington, á aproximação dos francezes, retira-se de
Coimbra sobre o Vouga em a noite de 12 para 13.
Em Coimbra não fica senão uma pequena
força de 50 a 60 milicianos do regimento d'esta cidade; e achava-se cortado o
segundo arco da ponte, da lado da cidade, e ahi assestada n'uma trincheira uma
peça de artilharia. O rio ia então caudaloso, e era invadiavel.
No dia 13 vem um parlamentado á ponte, e
exige a passagem franca ao exercito francez.
Apresenta-se a responder-lhe o aspirante
de artilharia 4, José Augusto Correia Leal, (que mais tarde foi deputado em
varias legislaturas). Recebe o officio que lhe passa o parlamentario atravez da
cortadura da ponte; e entretanto para enganar os inimigos e fazer-lhes
acreditar que em Coimbra estava grande força militar, ordenou aos poucos milicianos
que aqui haviam ficado, que passassem constantemente pelo Cães e Couraça de
Lisboa; e mandou collocar, espetadas em estacas, em sitio onde podessem ser
vistas pelos francezes, grande numero de barretinas, trazidas do hospital.
Decorridas duas horas, volta o
parlamentario francez pela resposta do officio; e outra vez lhe vae fallar o
aspirante Correia Leal, dizendo-lhe que o officio havia sido mandado ao
governador, que se achava fora de Coimbra; e ao mesmo tempo lhe diz que esta
cidade está preparada para uma rigorosa defeza.
Estas
difficuldades na passagem por Coimbra, quando o exercito anglo-luso vinha
atacando a retaguarda dos inimigos, decerto foram pelo general Montebrun
participadas a Massena; deixou por isso o exercito francez de vir a Coimbra, e
tendo no mesmo dia 13 chegado a Condeixa, seguiu em a noite immediata a marcha
indo ficar no Casal Novo.
As tropas que tinham vindo a Santa Clara e
ao Rocio, desenganadas da impossibilidade de entrarem em Coimbra, retiraram
também na tarde do mesmo dia 13, seguindo do Rocio pela estrada da Copeira, em
direcção a Miranda do Corvo.»
Vide
Guerra peninsular - notas, espisodios e
extractos curiosos, Francisco Augusto Martins de Carvalho, Coimbra, 1910,
págs. 78-80.
ANTT - desenhos feitos pelo capitão Manuel Isidro da Paz, 1812.
DISCURSOS ENSAIADOS E FALSEADOS AO GOSTO DE NAPOLEÃO
Nota 22: Um
oficial francês que devia levar correspondência para Napoleão foi preso na
Bobadela. Consigo levava muitas missivas e documentos interessantes. Segue-se
uma carta de Massena e a reprodução das perguntas e respostas entre este
oficial e Napoleão, que ele deveria decorar para o caso de “perder” a
correspondência mas conseguir chegar à presença do Imperador.
Carta de Massena referindo-se ao tal mensageiro:
«Carta de Massena ao governador de
Salamanca, apprehendida ao official preso em Bobadella, encarregado de levar
correspondência official e particular a Paris.
Coimbra, 4 de Outubro de 1810. — Senhor
governador. — O official que vos ha de entregar a presente, é por mim enviado a sua magestade imperial, levando um officio importante.
Tereis a bondade de fornecer-lhe o dinheiro necessário para a sua jornada e
para vestir-se. A sua missão é da maior importância, o que vos impõe o dever de
fornecer-lhe tudo o que elle possa precisar para preenchel-a.
O marechal príncipe de Essling,
commandante em chefe do exercito de Portugal. — Massena.
Ao senhor general Royer, governador de
Salamanca.»
Perguntas e respostas que o mensageiro deveria decorar:
«Serie de perguntas e respostas para serem
decoradas pelo oficial que foi preso em Bobadella, afim de serem exactamente
repetidas ao imperador, no caso de, por qualquer motivo, se ver obrigado a
inutilizar a correspondência official.
l.ª Pergunta.— Onde deixastes o exercito?
Resposta.
─ Marchando para Lisboa. A vanguarda estava na Redinha. O general em chefe
partiu no mesmo dia que eu.
2.ª
Pergunta. — Onde se deixaram os feridos e os doentes?
Resposta.
— Em Coimbra com uma guarda de policia e com os viveres necessários, tendo
feito aos poucos moradores que alli se achavam e aos que tornaram a entrar,
responsáveis da sorte dos francezes que alli se deixavam.
3.ª
Pergunta. — Qual é o espirito do exercito?
Resposta.—
Bom, sobretudo depois da manobra do general em chefe, que rodeou a posição do
inimigo.
4.ª
Pergunta. — Qual é o espirito dos portuguezes?
Resposta.
— Cheio de fanatismo; os principaes são todos inglezes; o povo meudo está
aterrado pelo inimigo.
5.ª
Pergunta. — Credes que se chegará a Lisboa?
Resposta.—
Tudo o faz esperar, estando os inglezes em plena retirada e os francezes cheios
de confiança no general em chefe.
6.ª
Pergunta. ─ Acham-se recursos no paiz?
Resposta.
─ Nenhuns a não ser os legumes que ainda estão nos campos. Os soldados não têm
padecido até ao presente.
7.ª
Pergunta. ─ Os commandantes dos corpos estão de accordo com o general em chefe?
Resposta.
— Não sei, mas o caracter do general em chefe impõe respeito aos commandantes
dos corpos do exercito.
8.ª
Pergunta. — O exercito tem muitas munições?
Resposta.—
Sei que tem dois milhões de cartuchos nas suas reservas, sem contar os que têm
nas patronas.
9.ª
Pergunta.— Tivestes muitos feridos na batalha do Bussaco?
Resposta.
— Ouço dizer que tinha havido de 2:500 a 3:000; mas que por sua própria
confissão perderam os inglezes 4:000. O exercito teria precisão de reforço para
manter-se em Lisboa, e não tem um real em caixa.
10.ª
Pergunta. — A quanto julgaes que montam os exércitos inglez e portuguez?
Resposta.
— De 60 a 70 mil homens, 25 a 30 mil dos quaes são inglezes, sem contar
milícias e ordenanças.
ll.ª
Pergunta. — Quaes são os projectos dos inglezes?
Resposta.
─ Defender Lisboa e suas visinhanças, e ahi fazer ir pelos ares os edifícios
públicos. Os inglezes inspiram grande terror no paiz, forçando todos os
habitantes a abandonar as suas casas e a queimar, sob pena de morte todos os
seus recursos. Portugal está um deserto.
12.ª
e ultima pergunta.— Temos muitos doentes no exercito?
Resposta.
— Não muitos. Os soldados passam muito bem, e não desejam vivamente senão
arrostar-se com os inglezes.»
Vide Guerra peninsular - notas, espisodios e
extractos curiosos, Francisco Augusto Martins de Carvalho, Coimbra, 1910,
págs. 94-96.
Grand kitchen of Europe - british cookery or 'Out of the frying into the fire' - London, N. Jones, 1811.
IMAGENS:
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