HERÓIS,
ANTI-HERÓIS E QUIMERAS - IX
(Conclusão
dos posts anteriores. Manteve-se quase
sempre a grafia dos documentos originais.)
O
INCONTORNÁVEL AGOSTINHO DE MACEDO
Nota 31: Por entre a crítica e o sarcasmo de José
Agostinho de Macedo, um incansável polígrafo, encontram-se muitas opiniões mas
também muitos factos que ele envolve muitas vezes num novelo difícil de
desenredar. Nem vou eu agora desenredá-lo. Ficam aqui apenas alguns pequenos
excertos que são um retrato do seu tempo e do acentuado conflito de ideias que
percorreu quase todo o séc. XIX. Os fragmentos foram extraídos d’A Besta Esfolada (periódico miguelista
de que a Biblioteca Nacional de Lisboa só tem dois números e a Biblioteca da
Universidade de Toronto tem dezenas!!! Nos alfarrabistas de Lisboa ainda se
encontra… por 90 euros e na Amazon por 16 a 40 dólares).
«V. m. diz na sua 23 que se derão varadas
nos homens, palmatoadas nas mulheres, e que os Cimiterios das Províncias continhão
em si muitos dos Cadáveres destas victimas. V. m. não pode negar isto, pois o
deixou em letra redonda: ásperamente o reprehendo, por este falso testemunho, e
por esta injúria feita á Nação… teimão sempre com a Naçaõ, e como elles saõ a
Naçaõ, nunca lhe esquece a Nação. Eu tambem digo agora á Naçaõ, que no momento
destas arguições, se eu não fosse tão desgraçadamente enfermo, era aquelle o
momento, de eu fugir para sempre do seio de tal Nação. Eu fiquei tão azoimado,
que vendo-me já no lumiar da porta, não sabia se aquillo era a rua, se era a
enxovia do Limoeiro, localidade arejada por baixo do Gabinete do Carrasco!!
Assim se fallava, quando ainda retumbavão
pelos ouvidos sensiveis os lastimosos ecos dos dolorosos gemidos das dezanove victimas, cujo sangue derramado, e
pedaços de carne palpitantes ainda estavão frescos até nas horrorisadas pedras
da Praça d'Alcantara, e a cujo abominando espectáculo tinhão concorrido em
galhofa, e em triunfo de Cannibáes, em seges, a cavallo, a pé, por terra, e em
barcos pelo mar, os mais filantrópicos Republicanos de lodos os illustrados
arruamentos, deixando as Tabernas sem vinho, e as Bodegas sem iscas, que não davaõ
trégoas ás frigideiras com os taçalhos de fígado dando vivas ao Carrasco,
Inspector de Dragonas de cachos, que tanta perícia mostrou na táctica daquellas
evoluções, só com a palavra — Rijo —
Nunca estremeceo tanto a Natureza; nunca se ultrajou mais a humanidade, nunca o
Sol, que devera fugir da vista destes,
vio em Portugal huma scena de maior horror, representada sem remorsos por hum bando
de Caraibas, que nem aseus mesmos prisioneiros, feitos cm guerra, farião outro
tanto. Ali ficárão agonizantes aquellas innocentes victimas, que a barbaridade
depois arrastrou a huma prizão sem cuidar em seu soccorro, nem em seu alimento,
acto tanto mais criminoso, quanto mais honrado era o crime, porque os punião.
Nao deviaô só ir viver fora de Portugal, mas fora de toda a communicaçaõ da
especie humana o monstro, que tal mandou executar, e o maior monstro ainda, que
o fez executar, e presidio á execução. Isto vimos nós aqui com os nossos mesmos
olhos, e deixar correr delles lagrimas visíveis seria para taes antropófagos,
que se não saciavão de carne humana, hum delicto igualmente punível, assim como
na presença daquelle Ministro foi hum delicio have-lo annunciado.
Não cessavam, nem se interrompião as
noticias, e as cartas vindas das Províncias, que contínhão patheticas relações
de iguaes deshumanidades; moços, veneráveis anciãos, respeitáveis Sacerdotes,
innocentes meninos, frágeis mulheres, huma
vez que de sua boca sahisse, mandado pelo affecto do coração, o nome do nosso
Adorado, e Idolatrado Monarca, atados a arvores, manietados nas Praças, e até
tirados das enxovias das mesmas prizões, sem mais processo, sem mais
formalidade, que o arbítrio, e ferocidade destes Árabes Bedoinos, debaixo do
Império, a que chamavão da Lei, e á sombra da Magna Carta foram condemnados a estas horríveis flagellaçôes ,
entre os apupos dos amigos do Rei e da Carta Divinal. Existem nas Províncias do
Norte mulheres, a quem cortarão braços, a que hia subindo a gangrena das mãos
despedaçadas, e ulceradas;
e
quantos nomes existirão nos Livros dos Óbitos das Freguezias destas desgraçadas
victimas, e martyres illustres, e memorandos da Realeza! Eu irei juntando
documentos desta inaudita civícia no longo decurso desta universal esfolação da
Grão-Besta , para que a Justiça humana se apresse a descarregar seus golpes, e
suspenda assim os raios da Justiça Divina.» (págs. 5-6)
José Agostinho de Macedo, Lisboa, entre 1831 e 1850 por Joaquim Pedro de Aragão
- PURL 5645-1 - e-248-v_0001_1_p24-C-R0072 (BNP).
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O CÃO
MALHADIÇO
He
o Porto, por dezasete vezes se tem amotinado, e revolucionado, e por mais que
tenha sido malhado, nunca se vio emendado: e se agora de todo não derrabão este
Caõ, ainda que o malhem tornará a morder.
Tenho explicado com clareza, e até com
rigor mathematico, quem seja a Besta, quem seja o Cão, que tanto tem dado, que
fallar, e tanto que esperar, mas o
reinado da Besta, de que se falia no Apocalypse, teve menor duração, do que o
da Besta péssima, que nos devorou; eu não podia escrever os seus Annaes com
ella viva, acabou o Reinado, começa a Historia, eu lhe tirarei a pelle, que a
isso se chama esfolação, e teremos a Besta esfolada.» (p. 7)
TRIBUTO
Nota 32: Placa comemorativa dos “Mártires da
Pátria”, inaugurada em Março de 1994 no Jardim do Campo de Santana / Campo
Mártires da Pátria: «Em 18 de Outubro de 1817 foram supliciados neste campo por
defenderem a liberdade e a integridade da Pátria os heróicos companheiros do
General Gomes Freire de Andrade cujos nomes se recordam a posteridade José
Joaquim Pinto da Silva; José Campelo de Miranda; José Ribeiro Pinto; Manoel
Monteiro de carvalho; Henrique José Garcia de Moraes; José Francisco das Neves;
António Cabral Calheiros Furtado e Lemos; Pedro Ricardo Figueiró; Manoel de
Jesus Monteiro; Manuel Inácio de Figueiredo; Maximiano Dias Ribeiro; honra a
sua memória. Esta lápide significa a homenagem da C.M.L. na Comemoração do
Centenário da morte dos gloriosos extinctos. 18 de Outubro de 1917». - http://www.lisboapatrimoniocultural.pt/artepublica/placasevocativas/pecas/Paginas/Martires-da-Patria.aspx
Fructos da revolução - Napoleão intruso em 1796, Lisboa, 1871 por Joaquim Pedro de Aragão - PURL 5047-1 - e-599-v_0001_1_p24-C-R0072 (BNP).
ICONOGRAFIA
Nota 33: Sobre as gravuras de Francisco de Goya y
Lucientes, Los Desastres de la Guerra, veja-se, por exemplo:
-
Goya grabador, Aureliano de Beruete y Moret, 1876-1922, Madrid, 1918 - https://archive.org/details/AV194
- Los
Desastres de la guerra : colección de ochenta láminas inventadas y grabadas al
agua fuerte, Madrid, 1863 - https://archive.org/details/AL097
*
Vejam-se também as gravuras de Cirilo Volkmar Machado (1748-1823), Série
Invasões Francesas, digitalizada pela BNL - http://purl.pt/13956/3/
The Colossus by Francisco de Goya y Lucientes, 1808.
Y no hai remedio, Francisco Goya, série de gravuras Los Desastres de la Guerra.
Los Desastres de la Guerra, Don Francisco Goya, Madrid, 1863.
IMAGENS:
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