terça-feira, 7 de maio de 2019

NAS ENTRELINHAS DA HISTÓRIA VII


HERÓIS, ANTI-HERÓIS E QUIMERAS - IX
(Conclusão dos posts anteriores. Manteve-se quase sempre a grafia dos documentos originais.)


O INCONTORNÁVEL AGOSTINHO DE MACEDO

Nota 31: Por entre a crítica e o sarcasmo de José Agostinho de Macedo, um incansável polígrafo, encontram-se muitas opiniões mas também muitos factos que ele envolve muitas vezes num novelo difícil de desenredar. Nem vou eu agora desenredá-lo. Ficam aqui apenas alguns pequenos excertos que são um retrato do seu tempo e do acentuado conflito de ideias que percorreu quase todo o séc. XIX. Os fragmentos foram extraídos d’A Besta Esfolada (periódico miguelista de que a Biblioteca Nacional de Lisboa só tem dois números e a Biblioteca da Universidade de Toronto tem dezenas!!! Nos alfarrabistas de Lisboa ainda se encontra… por 90 euros e na Amazon por 16 a 40 dólares).

    «V. m. diz na sua 23 que se derão varadas nos homens, palmatoadas nas mulheres, e que os Cimiterios das Províncias continhão em si muitos dos Cadáveres destas victimas. V. m. não pode negar isto, pois o deixou em letra redonda: ásperamente o reprehendo, por este falso testemunho, e por esta injúria feita á Nação… teimão sempre com a Naçaõ, e como elles saõ a Naçaõ, nunca lhe esquece a Nação. Eu tambem digo agora á Naçaõ, que no momento destas arguições, se eu não fosse tão desgraçadamente enfermo, era aquelle o momento, de eu fugir para sempre do seio de tal Nação. Eu fiquei tão azoimado, que vendo-me já no lumiar da porta, não sabia se aquillo era a rua, se era a enxovia do Limoeiro, localidade arejada por baixo do Gabinete do Carrasco!!
     Assim se fallava, quando ainda retumbavão pelos ouvidos sensiveis os lastimosos ecos dos dolorosos gemidos das dezanove victimas, cujo sangue derramado, e pedaços de carne palpitantes ainda estavão frescos até nas horrorisadas pedras da Praça d'Alcantara, e a cujo abominando espectáculo tinhão concorrido em galhofa, e em triunfo de Cannibáes, em seges, a cavallo, a pé, por terra, e em barcos pelo mar, os mais filantrópicos Republicanos de lodos os illustrados arruamentos, deixando as Tabernas sem vinho, e as Bodegas sem iscas, que não davaõ trégoas ás frigideiras com os taçalhos de fígado dando vivas ao Carrasco, Inspector de Dragonas de cachos, que tanta perícia mostrou na táctica daquellas evoluções, só com a palavra — Rijo — Nunca estremeceo tanto a Natureza; nunca se ultrajou mais a humanidade, nunca o Sol, que devera fugir da vista destes, vio em Portugal huma scena de maior horror, representada sem remorsos por hum bando de Caraibas, que nem aseus mesmos prisioneiros, feitos cm guerra, farião outro tanto. Ali ficárão agonizantes aquellas innocentes victimas, que a barbaridade depois arrastrou a huma prizão sem cuidar em seu soccorro, nem em seu alimento, acto tanto mais criminoso, quanto mais honrado era o crime, porque os punião. Nao deviaô só ir viver fora de Portugal, mas fora de toda a communicaçaõ da especie humana o monstro, que tal mandou executar, e o maior monstro ainda, que o fez executar, e presidio á execução. Isto vimos nós aqui com os nossos mesmos olhos, e deixar correr delles lagrimas visíveis seria para taes antropófagos, que se não saciavão de carne humana, hum delicto igualmente punível, assim como na presença daquelle Ministro foi hum delicio have-lo annunciado.
     Não cessavam, nem se interrompião as noticias, e as cartas vindas das Províncias, que contínhão patheticas relações de iguaes deshumanidades; moços, veneráveis anciãos, respeitáveis Sacerdotes, innocentes meninos, frágeis mulheres, huma  vez que de sua boca sahisse, mandado pelo affecto do coração, o nome do nosso Adorado, e Idolatrado Monarca, atados a arvores, manietados nas Praças, e até tirados das enxovias das mesmas prizões, sem mais processo, sem mais formalidade, que o arbítrio, e ferocidade destes Árabes Bedoinos, debaixo do Império, a que chamavão da Lei, e á sombra da Magna Carta foram condemnados a estas horríveis flagellaçôes , entre os apupos dos amigos do Rei e da Carta Divinal. Existem nas Províncias do Norte mulheres, a quem cortarão braços, a que hia subindo a gangrena das mãos despedaçadas, e ulceradas;
e quantos nomes existirão nos Livros dos Óbitos das Freguezias destas desgraçadas victimas, e martyres illustres, e memorandos da Realeza! Eu irei juntando documentos desta inaudita civícia no longo decurso desta universal esfolação da Grão-Besta , para que a Justiça humana se apresse a descarregar seus golpes, e suspenda assim os raios da Justiça Divina.» (págs. 5-6)

José Agostinho de Macedo, Lisboa, entre 1831 e 1850 por Joaquim Pedro de Aragão
- PURL 5645-1 - e-248-v_0001_1_p24-C-R0072 (BNP).


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O CÃO MALHADIÇO
He o Porto, por dezasete vezes se tem amotinado, e revolucionado, e por mais que tenha sido malhado, nunca se vio emendado: e se agora de todo não derrabão este Caõ, ainda que o malhem tornará a morder.
     Tenho explicado com clareza, e até com rigor mathematico, quem seja a Besta, quem seja o Cão, que tanto tem dado, que fallar, e tanto que esperar,  mas o reinado da Besta, de que se falia no Apocalypse, teve menor duração, do que o da Besta péssima, que nos devorou; eu não podia escrever os seus Annaes com ella viva, acabou o Reinado, começa a Historia, eu lhe tirarei a pelle, que a isso se chama esfolação, e teremos a Besta esfolada.» (p. 7)

TRIBUTO

Nota 32: Placa comemorativa dos “Mártires da Pátria”, inaugurada em Março de 1994 no Jardim do Campo de Santana / Campo Mártires da Pátria: «Em 18 de Outubro de 1817 foram supliciados neste campo por defenderem a liberdade e a integridade da Pátria os heróicos companheiros do General Gomes Freire de Andrade cujos nomes se recordam a posteridade José Joaquim Pinto da Silva; José Campelo de Miranda; José Ribeiro Pinto; Manoel Monteiro de carvalho; Henrique José Garcia de Moraes; José Francisco das Neves; António Cabral Calheiros Furtado e Lemos; Pedro Ricardo Figueiró; Manoel de Jesus Monteiro; Manuel Inácio de Figueiredo; Maximiano Dias Ribeiro; honra a sua memória. Esta lápide significa a homenagem da C.M.L. na Comemoração do Centenário da morte dos gloriosos extinctos. 18 de Outubro de 1917». - http://www.lisboapatrimoniocultural.pt/artepublica/placasevocativas/pecas/Paginas/Martires-da-Patria.aspx


Fructos da revolução - Napoleão intruso em 1796, Lisboa, 1871 por Joaquim Pedro de Aragão - PURL 5047-1 - e-599-v_0001_1_p24-C-R0072 (BNP).


ICONOGRAFIA

Nota 33: Sobre as gravuras de Francisco de Goya y Lucientes, Los Desastres de la Guerra, veja-se, por exemplo:
- Goya grabador, Aureliano de Beruete y Moret, 1876-1922, Madrid, 1918 -  https://archive.org/details/AV194
- Los Desastres de la guerra : colección de ochenta láminas inventadas y grabadas al agua fuerte, Madrid, 1863 - https://archive.org/details/AL097

* Vejam-se também as gravuras de Cirilo Volkmar Machado (1748-1823), Série Invasões Francesas, digitalizada pela BNL - http://purl.pt/13956/3/

The Colossus by Francisco de Goya y Lucientes, 1808.

Y no hai remedio, Francisco Goya, série de gravuras Los Desastres de la Guerra.

Los Desastres de la Guerra, Don Francisco Goya, Madrid, 1863.


IMAGENS:

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