terça-feira, 30 de junho de 2015

TEATRO NA ESCOLA X

ANTÓNIO E CLEÓPATRA

Pensar, Depois Morrer: adaptação da tragédia de Shakespeare por Igor Angélico
Auditório da Escola Secundária D. Pedro V, Lisboa, 24/4/2015

     Antes de mais, importa sublinhar que o texto representado é uma adaptação, muito bem escrita, por um dos alunos finalistas do Curso Profissional de Artes do Espectáculo – Interpretação, Igor Angélico. Denota conhecimento profundo da obra e respeito pelo estilo e espírito do autor original. O fio narrativo foi mantido no essencial e os elementos trágicos foram incorporados de modo coerente, sublinhando sobretudo o pathos doloroso que acompanha as personagens quase desde o início. O que pode parecer exagerado ou caricato aos olhos contemporâneos fazia parte da vida, da cultura e da arte dramática da Antiguidade greco-latina. Sofrimento, morte e sangue são elementos verosímeis e essenciais em todas as tragédias. Há que saber encená-los e interpretá-los para que não sejam reduzidos a um puro melodrama deslocado no tempo. Os jovens intérpretes souberam fazê-lo, impressionando pela postura convincente. Se por um lado, somos levados a acompanhar a história do amor trágico de duas figuras históricas verídicas (Marco António e Cleópatra), por outro são abertas portas à pura torrente de emoções humanas, intemporais e comuns a todos os que sentem e pensam.
     O ponto em que conflui o sentir e o pensar é talvez o verdadeiro núcleo de toda a trama dramática. António e Cleópatra amam-se como se não houvesse mais nada nem ninguém à face da Terra. O amor é a força motriz e o gatilho que conduzirá às duas mortes. Se não houvesse de facto mais nada à face da Terra, o amor e a felicidade triunfariam, sem obstáculos e sem o desenlace trágico. A origem da tragédia de Marco António e Cleópatra reside precisamente no contexto que os cerca, no papel político e militar que desempenham e no peso da responsabilidade que a governação dos impérios, grandes ou pequenos, acarreta. Como se essa circunstância não bastasse, juntam-se as tramas, as mentiras e os mal-entendidos que geram factos e actos irreversíveis, determinados mais pela conjuntura política do que pelo destino ou pela vontade. Claro que, para que as coisas funcionem deste modo foi necessário alterar e reescrever a verdade histórica. Só assim os amores de António e Cleópatra poderiam ganhar a dimensão pungente e épica que vemos na versão de Shakespeare e nesta adaptação.
     Embora fossem muito mais senhores dos seus destinos do que o comum dos mortais, António e Cleópatra aparecem como vítimas das tramas políticas e sentimentais de terceiros. Ambos eram extremamente ambiciosos (ansiavam conquistar novos territórios e criar um novo império no Oriente) e dependentes dos compromissos assumidos. Marco António devia fidelidade ao Imperador Octaviano e já era casado com Fúlvia (depois de ter sido já casado com Fádia, Antónia e Cítera e posteriormente casaria com Octávia, irmã do Imperador Octaviano). Quando regressa a Roma, Marco António deixa Cleópatra grávida de gémeos (Alexandre Hélio e Cleópatra Selene II). Depois de muitas reviravoltas na política e nas batalhas romanas, Marco António volta a encontrar-se com Cleópatra, após cerca de três anos, e, por motivos oportunistas, alia-se novamente a ela; Cleópatra cede-lhe armas e homens, Marco António cede algumas terras no Oriente, incluindo a Fenícia e o norte da Judeia e promete casar-se com ela para legitimar os gémeos. Na última batalha travada, deserta abandonando o seu exército. Neste ponto a História vacila. Segundo alguns, terá cometido um suicídio de honra, segundo o costume romano; segundo outros, terá desertado para seguir Cleópatra que regressara ao Egipto antes do desenlace da batalha. Em ambas as versões, ambos cometem suicídio mas em circunstâncias e por motivos diferentes. Na versão de Shakespeare, provavelmente próxima da verdade histórica neste ponto, Marco António suicida-se para lavar a sua honra. Cleópatra suicida-se por amor, em desespero busca o reencontro com o amado além da morte. Marco António pensa e morre; Cleópatra sente e morre… os eternos estereótipos masculino e feminino que se completam pela diferença. 
     Na versão de Shakespeare, o amor épico não admitia a mácula da cobardia ou da desonra. O amor é a força que os guia e é por amor que morrem, o amor ao Império / mundo material, o amor-próprio e o amor pelo outro. As circunstâncias políticas e históricas servem apenas como enquadramento para reforçar esta perspectiva. Seja qual for a verdade histórica, o que é inegável é que toda a força dramática da peça provém precisamente do choque entre a força das circunstâncias e a força do amor.
     Perdida a honra, o poder e os bens materiais, nada mais resta a Marco António senão morrer. Perdido o amado, nada mais resta a Cleópatra senão morrer com ele. A posse de um Império grandioso torna-se um bem insignificante e ridículo sem a presença viva do amado. Cleópatra já não é rainha do Egipto, é apenas uma mulher frágil que perdeu o sentido da vida e o apego ao mundo. Marco António, apesar do amor, nunca deixa de ser um ser social; Cleópatra torna-se verdadeiramente humana. Perante o corpo agonizante do amado, ela compara o Mundo sem ele a uma “cocheira” e a sua coroa de rainha desfaz-se como se nada valesse. Morrem ambos, perdura apenas o poder do amor que tanto gera a vida como a morte. Eis o diálogo nos momentos finais: 

(…) 

António - Não choreis a mudança lastimosa que em meu fim se observa, não seja causa de vos entristecerdes. Mas da minha sorte anterior alimentai o espírito, quando eu era o maior senhor do mundo, o de maior nobreza, que nesta hora não morre baixamente. O meu espírito já me abandona. Mais não me é possível.

Cleópatra - Oh! Vais morrer, criatura nobilíssima? De mim não fazes caso? É então preciso que eu permaneça neste mundo estúpido que, privado de ti, valerá tanto como simples cocheira? Oh! Vede Egito, o que se passa! (António morre). Derreteu-se a coroa da terra. Meu Senhor! (Desmaia sobre António).

Charmian - A nossa rainha também morreu, por dentro. Senhora!

Cleópatra - Agora sou uma mulher apenas, por paixões dominadas, como criada do estábulo, ocupada em vis misteres. Será crime correr para a secreta casa da morte sem sermos chamados? A minha lâmpada apagou-se, estava exausta. Coragem! Vamos embora. Já está frio o invólucro deste espírito nobre. Querida Charmian, vamos embora. Só nos resta, depois disto, um auxílio sempre à mão: um fim rápido e pronta decisão.

(…)

     O desempenho dos jovens intérpretes foi adequado e convincente, às vezes quase académico na postura, na entoação e expressão facial. As emoções foram trabalhadas não apenas com as fibras do coração mas também com uma lucidez cerebral. A altivez, conferida pelo estatuto social das personagens, acentua também a contenção quase fria com que fluem as emoções mais profundas e avassaladoras, fazendo duplamente justiça ao título escolhido — Pensar, Depois Morrer. 
     Uma larguíssima vénia para todos, pela interpretação, pelo cenário, pelo fundo musical e pela gama de emoções que fizeram transbordar por dentro e por fora, sem nunca deixarem de nos fazer “pensar e viver”. 


Ficha técnica

Projecto realizado no âmbito da disciplina de Dramaturgia (12º13), leccionada pela professora Alda Cruz.
Texto: Pensar, Depois Morrer, adaptação de António e Cleópatra, de Shakespeare, por Igor Angélico
Prólogo: Cláudia Sousa

Interpretação (por ordem de entrada):

Cleópatra: Cláudia Sousa
Marco António: Igor Angélico
Charmian: Eliana Ferraz
Octávia (voz): Marisa Pinto
Encenação:
Cláudia Sousa
Eliana Ferraz
Igor Angélico

Assistência de Encenação: Ricardo Diabão

Desenho / Técnico de Luz: Miguel Mateus

Técnico de Som: Ricardo Diabão

Escolha Musical: Diogo Chen, Igor Angélico

Cenografia: o grupo

Adereços: o grupo


Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

 Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.

Anthony and Cleopatra, photography by São Ludovino.