DIAS SINGULARES: TEATRO NA ESCOLA XXVIII

A MATÉRIA DOS SONHOS

Sonho de Uma Noite de Verão, de William Shakespeare, interpretado pelos alunos de Artes do Espectáculo (10.º 13), no Auditório Chaves Santos da Escola Secundária D. Pedro V, Lisboa, 28/2/2019. Encenação de Victor Sezinando.

Sonho de Uma Noite de Verão não é apenas uma comédia de enganos e desenganos num tempo distante e indefinido. É o encontro entre um mundo feérico e fantástico e os anseios e fraquezas dos comuns mortais. Parece que os entes mágicos manipulam os mortais a seu belo prazer, parece que os seus enganos e desenganos se devem apenas a uma intervenção sobrenatural, parece que os bons se tornam maus e o amor se torna em desamor devido a uma vontade egoísta de um rei feérico que se revela afinal tão humano como qualquer humano. E é assim de facto na trama da peça. Os mortais são manipulados e enganados pelos entes divinos. Mas não será afinal essa manipulação uma metáfora do desconhecimento que cada mortal tem de si mesmo, das suas fraquezas e da sua eterna ignorância de si mesmo e dos outros? E o campo de ilusões em que se perdem e encontram não será sobretudo o universo transcendente dos afectos, da pulsão amorosa, simultaneamente material e metafísica, do amor não como construção mas como erupção do desconhecido a partir do fundo do ser?

Vivem num sonho de uma noite de Verão dois universos paralelos que se cruzam e fundem. Não há fronteiras entre a fantasia e a realidade, os humanos são dominados pela fantasia e é ela que salva a realidade das suas falhas e os humanos das suas fraquezas, das suas contradições e dos seus enganos. Quando todos acordam e se reencontram são outros e os mesmos, mas são mais reais e verdadeiros. Foi preciso passar pela transcendência da fantasia para cada um encontrar o seu caminho e ser mais autêntico.

A mitologia complica e explica. Na noite onde mora o sono e o sonho, os entes mitológicos não vivem apenas para si, vivem para espelhar o mundo humano e dar lições de vida. Uma delas demonstra que não há verdadeira fronteira entre realidade e fantasia; outra demonstra que, no entanto, a fantasia dos humanos tem limites e só eles, os seres feéricos, podem habitá-lo permanentemente, sem nunca abdicarem porém daquilo que de humano resta neles. Afinal todos os seres fantásticos, todos os sonhos e fantasias são fruto da mente humana.

Sonho de Uma Noite de Verão continua a maravilhar por tudo isto. Maravilha os espectadores e os próprios actores que encontram nesta peça o espaço perfeito para ser e representar, para adormecer e acordar dentro de si mesmos. Tal como Shakespeare escreveu, “Somos feitos da mesma matéria dos sonhos e a nossa pequena vida é abraçada pelo sono.” (tradução livre).