terça-feira, 1 de dezembro de 2015

TEATRO NA ESCOLA XIV

OS ENGANOS DO COSTUME

Conte Comigo, peça de António Torrado interpretada pelos alunos do Curso Profissional de Artes do Espectáculo (12.º 13), no Auditório da Escola Secundária D. Pedro V, Lisboa. Ensaio geral de 30/6/2015. Elenco: Marisa Conceição, Rafaela Neves, Ricardo Diabão e Igor Angélico. Encenação: Carlos Melo.

     É certamente uma “comédia de enganos”, acentuados pela inversão dos papéis masculinos e femininos que vimos nesta encenação. Lourenço torna-se Laura, Carlos passa a ser Carla, a maquilhadora passa a ser um homem. A acção decorre no espaço ideal para enganos, mal-entendidos e o rodopio habitual das máscaras. A inversão dos papéis tem a vantagem de transformar a traição e a mentira num comportamento partilhado de igual modo por ambos os sexos. Quem engana quem não importa muito aqui. A traição, tal como o amor, é sempre uma coisa feita a dois. Importa que, de um modo ou outro, todos o fazem e todos parecem ter razões legítimas para enganar, fingir ou acreditar, dependendo do grau de vaidade, egoísmo e egocentrismo de cada um. Num mundo de ilusões, a legitimidade torna-se uma coisa muito subjectiva. Nenhum deles parece uma pessoa real. Todos parecem personagens inseguras e ilusivas que se enganam a si mesmas. Não se sente uma gota de verdadeiro amor ou afecto entre eles. Tudo parece reduzir-se a uma teia de relações de fachada e conveniência. Eles não são o retrato de uma classe profissional mas de uma sociedade mergulhada na superficialidade. Nada de sentimentos profundos ou dores dilacerantes. Aqui tudo passa, tudo se desvanece como num ecrã de televisão. No final, não ficam memórias de emoções, apenas a sensação de se ter assistido a um jogo rotineiro. 
     O palco real em que se movem são os bastidores de uma cadeia televisiva. Uma apresentadora famosa prepara-se no seu camarim para iniciar dentro de meia hora um talk show intitulado “Conte Comigo”. A televisão transporta em si mesma, como todo o espaço virtual, a semente da mentira, um faz de conta que contagia a vida que por sua vez se reflecte no ecrã. Um ciclo vicioso de que o homem moderno é um cúmplice passivo e activo. Criam-se ídolos com pés de barro envoltos em sedutoras miragens; e, mesmo quando os pés de barro se partem e a miragem abre as cortinas para a realidade, a ilusão permanece e a vontade de voltar a jogar o mesmo jogo.
     Basta olharmos à volta para vermos como o mundo das imagens seduz as pessoas deste tempo incerto, sem referências sólidas, distante da realidade; seduz pessoas de todas as idades, embora os mais jovens sejam mais propensos a cair nessas ciladas.
     A relação mais curiosa e provavelmente a mais autêntica que observamos em Conte Comigo é também uma relação de enganos mas que perdura. Laura pode ser uma espécie de ídolo, admirada e desejada por muitos, mas é aos “cuidados” do silencioso maquilhador húngaro que se entrega. Todos passam, ele fica. Todos falam muito e argumentam, ele permanece calado. Todos têm o seu quinhão de fama e notoriedade, ele permanece na penumbra. De certo modo, a determinada e independente Laura apenas revela a sua fragilidade e o cansaço de ser quem é a esse ser anónimo que parece invisível para todos, mas continua sempre presente e atento. 
     No meio de tanta farsa é difícil sentir empatia ou compreensão. Fica um sorriso ligeiro e um abanar de cabeça. Fica a vontade de desligar a televisão, quebrar os ecrãs e mergulhar na vida. Até hoje ninguém conseguiu inventar nada que se compare à própria vida. 
   Pois, então, viva a vida! E vivam aqueles jovens actores que transmitiram tão bem a superficialidade, o vazio e a mentira que só fazem mal à alma. Um forte aplauso para todos! Foram profundamente verdadeiros no vosso trabalho.

Elenco:
Marisa Conceição
Rafaela Neves
Ricardo Diabão
Igor Angélico

Encenação:
Carlos Melo




 Conte comigo, photography by São Ludovino.

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 Conte comigo, photography by São Ludovino.

Conte comigo, photography by São Ludovino.




domingo, 1 de novembro de 2015

PONTO DE PASSAGEM

Coimbra B, peça de Jacinto Lucas Pires, interpretada pelos alunos (Marisa Pinto e Miguel Lemos) do Curso Profissional de Artes do Espectáculo – Interpretação, da Escola Secundária D. Pedro V, Lisboa. Ensaio geral de 29/6/2015. Encenação: Mariana Rosário.

     De novo teatro português, desta vez contemporâneo, se bem que há intemporalidade em todo o teatro e toda a literatura. É intemporal aquele retrato da alma humana, às vezes fugidio às vezes profundo e introspectivo, em que reencontramos pedaços de um ser, sempre o mesmo, sempre múltiplo e complexo, sempre em construção, um ser que pertence a todos os tempos. Não são complexas as personagens de Coimbra B. Num primeiro olhar quase chocam pela sua simplicidade banal. O que fazem eles no palco, porque se encontram sob as luzes da ribalta, se bem que ténue? São reais, comuns, estão lá por direito próprio, fazem parte da vida, do teatro da vida.
    Coimbra B é uma peça escrita por encomenda por Jacinto Lucas Pires para a Coimbra 2003 Capital Nacional da Cultura. E ele escreveu-a a pensar em Coimbra e nos dois actores (Hugo Torres e Catarina Requeijo) que a representaram pela primeira vez. Mas faz pensar em muito mais do que Coimbra e aqueles dois seres, Alexandra e Floriano, o meliante e a rapariga recatada, o predador dissimulado e a presa ingénua. Podemos encontrá-los por todo o lado e não necessariamente numa estação ferroviária. 
     Os dois seres que se cruzam por breves instantes em Coimbra B não têm nada ou quase nada em comum, são pessoas diferentes, procuram coisas diferentes, mas são pessoas reais e esse simples facto acrescenta transitoriamente ao momento um universo em comum. Cruzam-se num espaço que é por definição um ponto de passagem. Cruzam-se, coexistem mas não se encontram verdadeiramente. Um pouco como a Coimbra A, a cidade central, respeitável, iluminada não se encontra com a Coimbra B, a cidade periférica, marginal, eternamente na penumbra. Coexistem como faces diversas da mesma cidade. De forma plausível, o encontro acontece numa estação vazia como se fosse algo raro ou improvável, como se houvesse caminhos que não se podem cruzar, mas o improvável acontece. 
    Enquanto a noite cai sorrateiramente, Floriano chega também sorrateiro à estação vazia de Coimbra B. Alexandra já lá está, ela parece estar à espera do comboio, ele parece andar à procura de qualquer coisa… uma presa, uma vítima. Alexandra é o alvo perfeito e a estação deserta o local perfeito. Não há testemunhas, não há ruídos de interferência, só eles os dois, forçados a coexistir momentaneamente. O silêncio e o vazio circundante, a penumbra propiciam a mentira e a revelação, que só o privilegiado espectador pode testemunhar. 
     Floriano revela-se gradualmente como um meliante medianamente inofensivo. Tenta vender a Alexandra um artefacto luminoso, daqueles que associamos à loja chinesa e que, depois de uns instantes de deslumbre, falha repentina e definitivamente, a luz apaga-se e não volta a acender-se mesmo mudando as pilhas. Alexandra recusa, não se mostra interessada nem se deixa deslumbrar. Floriano continua as suas investidas com gestos e palavras. Inicialmente, Alexandra mostra-se desinteressada e incomodada com a abordagem de Floriano, até que os diálogos, caóticos e algo absurdos, passam do nível da realidade comum para um nível mais interior e íntimo, as palavras transformam-se em representação mental de experiências, sentimentos, emoções. Aí começa a partilha ou uma aparente partilha. Alexandra sente e leva a sério as palavras; para Floriano, as palavras são apenas mais uma arma do seu embuste. Mente com facilidade, portanto é-lhe também fácil simular emoções e estados de alma. Faz tudo parte do seu plano, da sua arte de enganar e furtar. Gradualmente, a atitude de Alexandra vai mudando. Ela não se sente atraída pelo vigarista, pelo oposto de si mesma, a outra face da cidade, que ela nem chega a ver com nitidez. O que a seduz é o que imagina nas palavras e gestos de Floriano, é a projecção de si mesma e de um Floriano fictício mas em quem ela acredita. Ela parece nem sequer ver a faca que Floriano lhe aponta, mais como um fanfarrão do que um vilão para levar a sério. Ou pelo menos ela não o leva a sério. Afinal, ele apresentara-se fazendo o retrato de outro vigarista, o vendedor de charutos de Havana que falava para um único indivíduo como se falasse para uma multidão. Também ele fala assim com Alexandra, um espectáculo para um único espectador ou presa, consoante o ponto de vista. 
     A gradual proximidade conduz a um beijo entre apaixonado e fugidio. É Alexandra quem beija Floriano, com sincera ingenuidade e comoção. É um beijo estratégico para Floriano. Floriano deixa-se beijar enquanto age. Enquanto Alexandra pratica um acto de “amor”, Floriano pratica mais um crime, aproveita para surripiar uma nota da carteira de Alexandra. Mal o roubo é concretizado, Floriano perde completamente o interesse em Alexandra, mas não se revela como um canalha, permite que Alexandra continue no seu enlevo. Oferece a Alexandra um bolo que partilham. Comem-no os dois de pé no cais da estação como quem está prestes a partir de novo. A peça termina e o comboio não chega mas sabemos que ambos irão partir. Floriano irá em busca de outras Alexandras, Alexandra continuará à espera de tudo e de nada. O roubo nunca é revelado em cena, Alexandra permanece na ilusão. Será legítimo perguntar, o que pensou Alexandra quando, mais tarde, descobre que o dinheiro desapareceu. Terá sido Floriano ou perdeu a nota? A resposta depende mais da fé do que dos factos. Mas a peça termina aqui. Cada um pode imaginar as perguntas e as respostas que entender.
     Assim termina mais um breve encontro entre Coimbra A e Coimbra B. Depois de tudo visto, é plausível suspeitar que Floriano pertence mais à Coimbra A, onde as máscaras fazem parte do quotidiano; a Coimbra B é apenas um território de acção privilegiado. A estação fora de mão, semi-desconhecida, um lugar de eterna penumbra onde os sonhos e os crimes se cruzam indistintamente. Alexandra não pertence a parte alguma, é apenas uma rapariga simples com uma vida pacata à espera de tudo e de nada e isso pode acontecer em qualquer lugar. 
     O minimalismo do cenário representou na perfeição o isolamento de dois seres numa estação vazia. Não havia vários bancos de espera mas apenas um. Os dois seres estavam condenados a sentar-se um ao lado do outro, mesmo que fosse por breves instantes. A colocação dos estrados numa linha oblíqua para simular o cais de uma estação foi uma escolha cénica interessante. O cais parece prolongar-se mais, como se fosse uma linha infinita, um local de eterna espera, e obrigou a espectador a olhar de modo diferente. Os actores estão logo ali, frente a frente com o publico; quase parecem passageiros reais, mas o espaço não, parece algo distorcido, como se fosse apenas uma representação mental, e é. A luz foi favorável, na maior parte dos momentos. As cores suaves, neutras ou escuras reforçaram a ideia de que a estação é apenas um lugar de espera envolto em penumbra. O único adereço de cor quente era a mala de Alexandra, uma mala de vermelho vivo, assim como uma maçã vermelha, um fruto apetecido e proibido. Um indício do coração apaixonado de Alexandra mas também do vício de carácter de Floriano. Se a carteira fosse preta, provavelmente o roubo não teria o mesmo efeito e não se estabeleceria aquela relação contraditória entre “amor” e “crime”. 
     O desempenho dos jovens actores foi excelente, pela riqueza de expressões e emoções, pela capacidade de transfiguração, pelo dinamismo que conseguiram conferir à contracena, aparentemente limitada pelas características de um cenário quase despido. Precisamente por isso, o espectador foi forçado a concentrar-se nas personagens e a tentar perscrutar os seus rostos e as suas almas. Muita coisa se passa mesmo quando parece não passar-se quase nada. O palco é sempre um ponto de passagem e um local solitário, um pouco como aquela estação vazia. É também essa percepção que leva os actores a exceder-se, a ser mais do que são em cada personagem. Estes jovens actores terminam aqui a primeira fase da sua formação profissional. Espero que outros palcos lhes sejam propícios para revelarem o muito que têm para dar. Aplaudo com admiração.

Interpretação: 

Marisa Pinto – Alexandra
Miguel Lemos – Floriano

Encenação: 

Mariana Rosário




Coimbra B, photography by São Ludovino.

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Coimbra B, photography by São Ludovino.

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Coimbra B, photography by São Ludovino.

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