A Flor da Alma
Pedro & Inês – Movimentos de Amor
No palco, vimos uma encenação, de Victor Sezinando, ao mesmo tempo simples e envolvente, crua e pungente, antiga e intemporal, sobretudo pela variedade de elementos que foram muito além da interpretação de um texto. O texto, na verdade, era inexistente, nem sequer foi uma colagem de várias versões desta tragédia. Foi mais a construção de um puzzle feito de silêncios, canto, dança e interpretação. A cada espectador coube o papel de combinar as “peças” como entendesse; mas qualquer que fosse a opção, a omnipresença de Pedro e Inês fez-se sentir ao longo de toda a performance. O lirismo trágico foi o sentimento dominante na luz, nas cores, nos gestos e no canto.
A luz, tendendo quase sempre para o
vermelho, anunciou e sublinhou a dor, a perda, a morte iminente: a brancura das
saias foi a marca da pureza ondulando e acompanhando os passos; as vendas
brancas lembraram como o amor é ou quer ser cego para que a felicidade perdure
mesmo que por breves instantes; o retirar das vendas é o prenúncio da tragédia
quando já é impossível não ver o que está diante dos olhos. Os apontamentos de
canto e música percorrem diversas épocas, mudando os acordes, permanecendo a
força motriz intemporal do amor. Os gestos delicados de Inês, os breves passos
de dança, a correria da fuga de uma ameaça que não se pode aplacar, acompanhada
pelo dramatismo dos sons altissonantes e pungentes, sucederam-se de uma forma
que podiam contar só por si toda a história. O diálogo silencioso entre Pedro e
Inês, que se faz de olhares, gestos, dança dizendo tudo o que haveria a dizer
sem uma única palavra. O carregar do corpo morto de Inês, finalmente sentada num
trono, que não é terreno nem material; os passos cadenciados dos cortesãos que
se vergam perante o cadáver de Inês e lhe beijam a mão, como se tudo estivesse
de facto escrito e ninguém pudesse fugir ao destino, os que partem e os que
ficam. A combinação de todos estes ingredientes resultou num espectáculo de
emoções fortes, visualmente belo e coerente.
Mais uma vez, só me resta aplaudir o
trabalho de todos, encenador e intérpretes, e esperar pelo próximo trabalho.
Uma enorme vénia para todos!
Pedro & Inês - Movimentos de Amor, Encenação de Victor Sezinando
Abaixo, fica um poema (Flor da Alma – Maior do que o Mundo) que
esta performance me inspirou.
Encenação &
Coreografia / Staging & Choreography
Carolina Gomes
Carolina Teodoro
Elói Pina
Florbela Figueiredo
Gabriela Rubio
Gonçalo Alves
Joana Abreu
Joana Costa
Joana Sousa
Mariana Silva
Marta Mateus
Maria Pratas
Maria Pinheiro
Nelma Barreto
Patrícia Barbosa
Rodrigo Lencastre
Rodrigo Marques
Sandra Sofia
Yannick Gomes
Luz
Neuza VelezFrente de Sala
Florbela FigueiredoFotografia & vídeo
São ludovino********************************************************
A Flor da Alma
Maior do que o Mundo
A flor da alma ergueu-se do seu leito terreno
Abraçou as aves e as nuvens e rumou ao azul distante.
Descalça sentiu nas raízes a chuva, o calor e o frio
Caminhou por entre as florestas e os desertos
Atravessou as planícies mais férteis
Banhou-se nas cascatas ainda puras
Percorreu aldeias e cidades
Povoados silenciosos
Ouviu multidões ruidosas
Cantou e dançou com tribos festivas
Até chegar junto ao mar
Um mar antigo que mora no alto das montanhas.
Nem uma pétala perdeu pelo caminho.
Por entre a poeira
Ficaram apenas os espinhos.
Nas águas cristalinas mergulhou
E as pétalas abriram-se em círculo flutuante
E toda a cor se enlaçou na transparência
E todo o sal rebrilhou no céu estrelado.
Sem pressa de viver
A eterna borboleta pousou-lhe no veludo vermelho.
São velas as pétalas que deslizam por entre os dedos do vento.
Navega lá longe noutro mar
A flor que de tão vermelha não cabia na Terra.
Pelas noites dentro
Pelos dias afora o barco-flor-coração
Aparece nos olhos cansados do jardineiro.
Ele olha o céu do crepúsculo
Estende os braços e recebe no peito
O beijo eterno da rosa poente.
Levanta-se no dia seguinte
E a rosa amanhece-lhe na alma
Desperta cada centelha de vida
Devolve a luz ao círculo do horizonte…
São Ludovino, 23/2/2020
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The Soul Flower
Bigger
than the World
Embraced the birds and the clouds and headed for the distant blue.
Barefoot she felt in the roots the rain, the heat and the cold
Walked through forests and deserts
Crossed the most fertile plains
Bathed in the still pure waterfalls
Coursed through villages and cities
Silent boroughs
Heard noisy crowds
Sang and danced with festive tribes
Until she got to the sea
An ancient sea that lives high in the mountains.
Not a petal lost along the way.
Amid the dust
Only the thorns remained.
In the crystal clear waters she plunged
And the petals opened in a floating circle
And all the color intertwined in the transparency
And all the salt twinkled in the starry sky.
With no rush to live
The eternal butterfly landed on the red velvet.
Sails are the petals that slide through the fingers of the wind.
Far away she sails away in another sea
The flower that was so red it didn't fit on Earth.
Through the nights
Throughout the days the boat-flower-heart
It appears in the gardener's tired eyes.
He looks at the twilight sky
Stretches his arms and receives on his chest
The eternal kiss of the setting rose.
Gets up the next day
And the rose dawns in his soul
Awakens every spark of life
Returns the light to the horizon circle...
São
Ludovino, 23/2/2020
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Texto que acompanha o vídeo:
Num Mundo de desamor, tudo passa veloz
Como areia numa ampulheta.
Num Mundo passageiro só o Amor é eterno
Quando vem, fica, perdura
Nas estrelas, na alma, no dia que passa...
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In a World of unlove, everything goes by swiftly
As sand in an hourglass.
In a fleeting World only love is eternal
When it arrives, stays, lasts
In the stars, in the soul, in the day that goes by…
São Ludovino, 23/2/2020
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