quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

DIA DE MAR, SOL & NUVENS

 O que vêem as aves

(Os textos que se seguem foram escritos antes de ser declarada a pandemia de Covid19. Não me parece que tenham perdido o sentido. Pelo contrário, a dádiva da vida parece ainda mais preciosa, como é ainda maior o dever de “honrarmos o privilégio de estarmos vivos” e os que já partiram.)

     Não há nem pode haver dois dias iguais. Nada é estático e imutável, nem as próprias rochas. O fluir dos dias faz parte da dádiva da vida. Quem ama a vida não se cansa dos dias. Pode cansar-se das pessoas, da estupidez, da maldade, da injustiça ou até dos dias frios, cinzentos e chuvosos, mas não se cansa do fluir dos dias. Ninguém sabe o que cada dia trará. Mas quando se respira com a alma a própria vida e se olham as coisas mais simples como maravilhas, que de facto são, então não há dia que não traga sempre algo de bom, belo e único. É assim que mesmo os dias mais comuns se tornam fantásticos dias intermináveis. Não é preciso fazer nada, basta sentir o maravilhoso pulsar da vida.

    Da terra, tocam-se as nuvens e o azul do céu, acompanha-se o voo das aves, a dança do mar, a viagem do Sol e da Lua, até que o olhar se funde em tudo e o próprio solo se eleva em sintonia com o espírito. A verdadeira empatia inclui todos os seres e todas as coisas belas e olhar com a alma é morar em tudo e em todos os lugares.   


Infinite Beauty I, photography by São Ludovino.

Warm at Home IV, photography by São Ludovino.

Warm at Home I, photography by São Ludovino.

Warm at Home V, photography by São Ludovino.

Warm at Home II, photography by São Ludovino.

Old Alliance - Sun & Clouds V, photography by São Ludovino.

A Way of Being Alive II, photography by São Ludovino.

Rain is coming V, photography by São Ludovino.

Expanding Time & Space, photography by São Ludovino.

Space expanding, photography by São Ludovino.

Printed in Life VIII, photography by São Ludovino.

More precious than gold I, photography by São Ludovino.

Moonsea Rising I, photography by São Ludovino.

Shine on You Crazy Dust I, photography by São Ludovino.

Printed in Life XV, photography by São Ludovino.


Printed in Life XIV, photography by São Ludovino.

Sleeping Mountains by the Sea I, photography by São Ludovino.

Making Space III, photography by São Ludovino.

Shallow & Golden IV, photography by São Ludovino.

Contradicting Gravity I, photography by São Ludovino.

Those who stay II, photography by São Ludovino.

The Soft Path I, photography by São Ludovino.

Interwork II, photography by São Ludovino.

Growing quietly I, photography by São Ludovino.

Slow revelation I, photography by São Ludovino.


Dia de Mar, Sol & Nuvens - palavras, fotografia & vídeo de São Ludovino


       Estas são as palavras (Dia de Mar, Sol e Nuvens) que acompanham a narrativa (verbal e visual) de um dia comum diferente de todos os outros. As palavras até podiam ser outras porque há tantos dias dentro de cada dia. Há tantas formas de olhar e sentir. Sentir é mesmo o oxigénio da alma.

DIA DE MAR, SOL E NUVENS


Ali, onde acaba o Rio e começa o Mar,
Ali, não há hora marcada para chegar.
 
Mas acaba mesmo, o Rio?
Ali, onde ninguém sabe
O que é Rio e o que é Mar?

O Rio não acaba nunca.
Não pára de chegar
E partir mar fora.

O Mar fica logo ali,
Ao alcance dos passos,
Ao alcance do olhar.

O Mar bebe o Rio,
Golo a golo dissolve-o no seu seio.
Até serem apenas um,
Até o sal se unir ao doce fluir
Da nascente que o Mar nunca viu.
E toda a água ter o sabor da distância
E da proximidade em cada gota
Na pele e nos olhos
De quem vem e não passa
De quem passa e fica.

E o Mar fica tonto
Só lhe apetece dançar
E ir a todos os lugares.

E assim, ondulando, anda pela praia
Marcando na areia os passos
Da eterna dança de ser Mar.

Nesta margem como na outra
Mora o mesmo Rio e o mesmo Mar.

Hoje, o nosso Mar fica nesta margem
E traz com ele todas as margens.

Imóveis, seguimos velozes
Rumo ao Mar.

Tantos mundos paralelos, oblíquos
Cruzados, imprevistos
Coincidentes e incoincidentes.

Num só segundo, o olhar funde-os
E separa-os.
E ninguém dá por isso
Porque logo ali, olhando ao longe o Mar
Todos os mundos se unem
Como se houvesse um único olhar.

Aqui ainda é mais Rio do que Mar...
O primeiro sal quase sem ondas...

Ah, o Mar completo
Com o Rio lá dentro!

Entre nuvens e sol
O Tempo brinca e faz de conta que pára
Ou então finge que é o Mar e o Céu.
Anda de cá para lá, suavemente
Como se nem estivesse ali
Como se cada um fosse senhor do Tempo...
Ou pelo menos do seu tempo...
E alguns são mesmo...
Ou não estariam tão felizes!

Segundo após segundo
O Tempo tudo muda
Do outro lado do mundo e aqui.

Um perdeu a maré
Outro perdeu o sorriso íntimo
Aquele reencontrou os passos perdidos
E aquele ali, envolto na poeira de longos dias,
Encontra finalmente a água e a árvore
dos eternos caminhantes.

Entre o Sol e a Terra
Biombos de nuvens desdobram-se
Em redor do horizonte.
Unem-se em cúpula branca
Sobre as cabeças alheias à penumbra
Ao arrepio na pele, a si mesmas.

Alguns continuam a caminhar
Como se o Sol ainda estivesse lá
Como se a areia ainda estivesse quente
Como se o dia fosse deveras interminável.
E está! O Sol está sempre lá!

Cada areia lembra o calor de cada dia.
Além das nuvens, o Sol espreita
E espera pacientemente.

Por isso, os senhores do seu tempo
não abandonam o mar
Cruzam-se, cada um no seu tempo,
Com o tempo dos outros
Com o tempo de tudo.

Mesmo que as nuvens não partam de novo
antes do anoitecer
Os dias intermináveis não acabam!

Houve tantos!
Haverá sempre outros
Enquanto houver Sol atrás das nuvens
Enquanto houver senhores do seu tempo.

Algo tristes, as nuvens descem sobre a Terra
Querem ser vistas e amadas como o Sol
Querem mostrar com a sua sombra excessiva
Que o dia também pode ser belo e interminável
Quando elas cobrem o Céu
E se espelham na Água e na Alma.

E a seu modo, têm razão
Ou a praia estaria deserta
E tudo ficaria imóvel e mudo
Excepto o Mar
E a Alma dos senhores do seu tempo…

No ar paira um sentimento de absoluta união
Talvez porque tudo é menos nítido
E, por isso mesmo, mais presente.
Os olhos recolhem ao interior da Alma
E aí encontram todos os sentidos. 
Num só segundo vêem como novo
O Mar, o vento, o íntimo de todas as coisas.

E estes olhos, acabados de nascer
Trazem de volta o dia interminável
Exactamente no mesmo ponto
Onde pouco antes parecia ter desaparecido.

Agora tudo está além e aqui ao mesmo tempo. 
Os olhos vêem as nuvens e são nuvens
Vêem o Mar e são Mar
Fecham-se por um instante
E são o Tempo e o Universo.

Ficam felizes as nuvens com o novo olhar
Estendem os braços como quem quer abraçar.
Como se quisessem reconstruir o Mundo
Desde o primeiro instante da Criação.

Estes olhos entram nos altos castelos brancos
Que sem pressa descem sobre o Mar
Que sobem indefinidos e serenos
Do vasto coração do horizonte
E sem qualquer dúvida ou hesitação
Reconhecem a primeira casa
Erguida nos confins do Tempo.

Aos olhos comuns pode parecer
Que o Verão fugiu, repentinamente,
Para outro lugar...

Quão enganados estão!
A beleza de existir não partiu
O que é belo e real não parte nunca
Faz parte do dia interminável
Que é caminhar pelo Mundo
E amar a vida…

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Meio mundo regressa da praia
e vai directamente para o NOS Alive. 

É lá que estão as estrelas, os dinossauros,
as revelações e a euforia. 

Mas há quem esteja cansado
e só queira regressar a casa em sossego
e ouvir os sons do Mundo pelo caminho. 

Entre os sons do Mundo
Vêm vozes embrulhadas em toalhas de praia
Risos corais e hipopianos
O palmear de chinelos ao ritmo da tarde que anoitece
Vêm interjeições sonoras e frases curtas
Entrecortadas por exclamações e gírias urbanas
Vem o resfolegar do comboio que chega e parte
A respiração tranquila das árvores
A recompensa diária do Sol que, devagar, muito devagar,
Se deita para lá do recorte escondido do horizonte. 

E enquanto eles rumam ao Nos Alive
Nós rumamos a casa.

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E pelo caminho
Outras histórias acontecem
Passam e ficam
Iluminam-se, escondem-se
Seguem o seu próprio rumo...

Desconhecida janela
Parada na noite
Permanece na história que fica. 

Quem passa mal te vê
Nem grades, nem rosas, nem luz
Segue caminho nos rendilhados
De outra história. 

Palácios pousados no tempo
Adormecem nas pálpebras da penumbra
Frontões e escadarias sussurram nos pátios
Farrapos de luz e memórias. 

E onde os telhados baixos espreitam a rua
Portas e janelas conversam
De portadas fechadas
Deixam-se mirar e ficar
Além do toque e do olhar. 

Nos jardins, as estátuas veneram as árvores resilientes
Sentem sob os pés de mármore
As raízes vivas, querem viver também
Ter folhas e flores, ir com as estações
Ser obra de outro cinzel. 

Lá ao fundo, junto ao rio que passa
A torre de outras memórias
Lembra o princípio e o fim
Prisioneiros e mareantes
Os sete mares e a rosa-dos-ventos. 

Outras edificações vieram e ficaram
Entre o olhar e o rio
Outras artes, outras linhas
Escondem o antigo horizonte. 

A espada do ímpio e do crente
É uma e a mesma
Só o nome que evoca é diferente. 

Inerte e hirta
Implora perdão e uma prece. 

Nada se ouve
Só a noite que cai
Reconfortante e benigna.
Enlaça o dia interminável
E com ele adormece
Coroando o céu de estrelas
E histórias futuras…

São Ludovino, 31/7/2019


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