OS CASTRO E OS PACHECO
Alguns defendem que a trágica morte de D.ª
Inês se deveu apenas à rivalidade e aos conflitos entre duas das mais poderosas
e influentes famílias aristocráticas portuguesas: os Pacheco (família
genuinamente portuguesa) e os Castro (mistura de sangue castelhano e português).
É admissível que este conflito tenha pesado na decisão de eliminar D.ª Inês,
mas não é crível que alguém como D. Afonso IV, um rei sensato, pacificador,
diplomata e determinado, pelo menos depois de ascender ao trono, tenha sido
manipulado a tal ponto.
Convém, no entanto notar que os Pacheco
sempre tinham sido leais servidores da coroa portuguesa e opositores à
subserviência de Portugal em relação a Castela e Leão; e os Castro tendiam a
inclinar-se para o partido e situação que mais os poderia favorecer. Os Pacheco
nunca tentaram arrebatar para si a própria coroa de Portugal ou de Castela; os
Castro tentaram fazê-lo diversas vezes e de diversos modos, recorrendo à
conspiração, à traição e à manipulação, como aconteceu com o próprio D. Pedro I
de Portugal, a quem prometeram a coroa de Castela se os auxiliasse na luta
contra o rei castelhano. O próprio D. Pedro manifestou abertamente esta
pretensão e causou conflitos desnecessários com Castela. Foi o seu pai, D.
Afonso IV, que ergueu a voz contra tal insensatez e o obrigou a desistir de
entrar em guerra com Castela para tomar o trono. Não terá desistido por
completo porque continuou a cooperar e a servir os intuitos e interesses dos
Castro. Mas também não traiu por completo a memória de seu pai, D. Afonso IV,
porque ainda antes de morrer jurou herdeiro o seu filho legítimo, D. Fernando.
Foi no Castelo de Albuquerque que D.ª Inês
foi criada pela mulher de Afonso Sanches, D.ª Teresa Martins de Meneses, e foi
neste castelo que foi exilada por D. Afonso IV, por ser notória e ofensiva a
ligação entre D. Pedro e a a aia de D.ª Constança. João Afonso de Albuquerque,
para além de primo, era uma espécie de irmão de Inês de Castro, foi criado com
ela desde criança sempre com a proximidade de Álvaro Pires de Castro, irmão de
D.ª Inês. Tanto Inês como Álvaro eram filhos bastardos de D. Pedro Fernandes de
Castro. Segundo Lopez de Ayala (Crónica
Geral de Espanha), João Afonso Albuquerque terá sido envenenado por ordem
de D. Pedro I de Castela.
Logo no reinado seguinte, D. Fernando,
filho de D. Pedro I, cria o título de “Condestável”, em 1382, para D. Álvaro Pires
de Castro (1310-1384), irmão de Inês de Castro. O mesmo monarca já tinha criado
dois outros títulos, em 1371, para este mesmo Álvaro Pires de Castro: foi o 1.º
Conde de Viana da Foz do Lima e o 1.º Conde de Arraiolos.
A irmã de D.ª Inês de Castro, D.ª Joana de
Castro, que seria tão ou mais bela do que D.ª Inês, consegue de facto ascender
à realeza, mas por pouco tempo; consta que foi rainha apenas por uma noite. D.
Pedro I de Castela, sobrinho de D. Pedro I de Portugal, apaixona-se subitamente
por D. Joana de Castro, casa com ela, mas logo a repudia e mata-a. Consta que o
rei a terá repudiado logo após a primeira noite em comum e terá sido morta
pouco depois. Algumas fontes sustentam não ser completamente verdade; D.ª Joana
de Castro terá vivido ainda cerca de um ano (embora repudiada como rainha) e
terá tido um filho de D. Pedro I de Castela, em 1354. Assim sendo, as irmãs D.ª
Joana e D.ª Inês terão sido assassinadas quase na mesma data. Esta união entre
D.ª Joana de Castro e D. Pedro de Castela também terá sido urdida e propiciada
pelos irmãos Castro. Eles sabiam bem quão belas e sedutoras eram as suas irmãs,
elas podiam ser um meio tão eficaz para conquistar o poder como as conspirações
ou o gume da espada. Só não esperariam que ambas acabassem mortas, uma rainha
de facto, mesmo que só por um dia ou uma noite (D.ª Joana), a outra, uma rainha
simbólica após a morte (D.ª Inês).
Resta saber o quão envolvidas estavam as
irmãs nos planos dos irmãos. Mortas as irmãs, os irmãos Castro continuam
próximos de D. Pedro de Portugal, pois havia ainda três filhos vivos de Inês de
Castro e de D. Pedro (João, Dinis e Beatriz) que poderiam ascender ao trono.
Depois de D. Pedro I de Castela (neto de D. Afonso IV e sobrinho de D. Pedro I
de Portugal) ser assassinado pelo irmão bastardo, Henrique de Trastâmara, os irmãos
Castro passam a apoiar D. João I de Castela contra D. João I de Portugal, o
Mestre de Avis, nas pretensões ao trono de Portugal.
Simultaneamente, D. Fernando também
favoreceu Diogo Lopes Pacheco (c. 1305-1393), conselheiro de D. Afonso IV,
acusado de sentenciar D.ª Inês à morte, atribuindo-lhe responsabilidades
diplomáticas, incluindo na assinatura do Tratado de Alcoutim (1371). Exilou-se
em França mas manteve-se leal a Portugal, regressando ao país após a morte de
D. Pedro. Mas chegou de facto a pegar em armas contra Portugal, tal como alguns
o acusam, porque considerava o casamento de D. Fernando (filho de D. Pedro) com
D.ª Leonor Teles (parente de D.ª Inês por via materna) perigoso para a
soberania de Portugal. É obrigado a exilar-se novamente e regressa a Portugal
para apoiar o Mestre de Avis (D. João I). Sabe-se que, sendo já octogenário,
ainda participou na batalha de Aljubarrota de espada na mão.
Os Castro sediaram-se na Galiza no século
XII e tornaram-se uma das cinco famílias mais influentes de Castela. Pedro
Fernandes de Castro, o da Guerra (pai
de D.ª Inês) cresceu em Portugal com o seu primo, D. Pedro Afonso, 3.º Conde de
Barcelos (o autor do primeiro Livro de
Linhagens, filho bastardo de D. Dinis e um dos poucos filhos bastardos deste
rei que respeitaram D. Afonso IV, o herdeiro legítimo), habituando-se desde a
infância a conviver com reis. Quando regressa a Castela, torna-se mordomo-mor
da corte. Casa duas vezes, primeiro com D.ª Beatriz (que era filha de D. Afonso
de Portugal, filho de D. Afonso III) de quem não teve filhos; depois casa com
D.ª Isabel Ponce de Leão, de quem teve dois filhos: D. Fernando Rodrigues de
Castro, o de Toda a Lealdade de Espanha
(partidário de D. Pedro I de Castela), que casou com D.ª Joana Afonso, filha de
Afonso XI de Castela (marido de D. Maria de Portugal, cunhado de D. Pedro I de
Portugal e genro de D. Afonso IV); e D.ª Joana de Castro que veio a casar com
D. Pedro I de Castela e foi “rainha por uma noite”. Fora do casamento, teve com
a bela portuguesa Aldonça Lourenço de Valadares (filha de Lourenço Soares de
Valadares, conselheiro de D. Afonso III e de D. Dinis) dois filhos bastardos:
D.ª Inês de Castro e D. Álvaro Pires de Castro (que constituem a linha
ilegítima dos Castro). Tal convívio e uniões matrimoniais com membros da alta
aristocracia e da realeza despertaram ainda mais a ambição de subir mais alto.
Séculos mais tarde, a memória maculada
destes Castros seria parcialmente redimida por alguns dos seus descendentes.
Saliento apenas os dois homónimos João de Castro: um foi o quarto vice-rei da
Índia (1500-1548) o outro (c. 1550 - c. 1628) foi historiador e escritor. O
primeiro foi aquele que empenhou os ossos do filho, D. Fernando de Castro,
morto em batalha, e as próprias barbas como garantia de que cumpriria a sua
“palavra de honra”. O segundo opôs-se veementemente à ocupação castelhana a
partir de 1580, apoiou D. António, Prior do Crato e foi obrigado a exilar-se em
Paris para continuar a escrever e a defender a sua pátria original. Foi ele o
verdadeiro fundador do Sebastianismo e do Quinto Império, ideias depois
retomadas e desenvolvidas por nomes grandes como o P.e António
Vieira e Fernando Pessoa.
Mas para voltar a macular a linhagem dos
Castro vieram depois outros, como D. Francisco de Castro, 1574-1653, (neto do
vice-rei da Índia D. João de Castro e descendente de Álvaro Pires de Castro), que
além de Bispo da Guarda e Reitor da Universidade de Coimbra, foi Inquisidor Mor
ou Inquisidor Geral do Santo Ofício, nomeado em 1629. Compilou um minucioso
código legal do Tribunal do Santo Ofício para que nenhum “hereje”, Judeu,
bruxa, mezinheiro, dissidente político ou pacato cidadão pudesse fugir ao longo
braço da Inquisição e às labaredas das suas insaciáveis fogueiras. Muitas
dezenas de desgraçados perderam a vida por sua ordem… uma vergonhosa honra… Colocou-se
ao lado dos Filipes e foi por eles recompensado, em 1611, com o cargo de Presidente da Mesa de Consciência e Ordens.
Em 1619, participou nas Cortes que Filipe II celebrou em Lisboa para jurar
herdeiro o seu filho, futuro Filipe III (de Portugal). De modo oportuno e
conveniente, após a Restauração (1 de Dezembro de 1640), muda radicalmente a
sua posição política e coloca-se ao lado de D. João IV. Mas logo foi descoberta
uma conspiração para incendiar o palácio real e assassinar D. João IV e,
segundo alguns, este pio inquisidor faria parte da trama. Esteve preso durante
dois anos na Torre de Belém, mas como bom inquisidor, foi perdoado e
reintegrado no quadro dos funcionários da corte e em todos os importantes
cargos que antes tivera, todos conquistados durante o domínio filipino. Só com
ironia se pode exclamar: “Abençoada seja a incoerência, o oportunismo e o
nepotismo, pois desinteressada misericórdia não foi certamente…” (cf. Retratos, e elogios dos varões, e donas, que
illustraram a nação portugueza, Tomo I, Pedro José de Figueiredo, Lisboa,
1817).