INTERROGAR FAZ BEM
Leia-se a História e a Lenda com a mesma
dedicação e o mesmo bom senso. Quem quiser, pode também colocar interrogações e
tentar responder-lhes de diversos modos, conforme a face ou faces do prisma por
onde olhar. E se D.ª Inês nunca tivesse vindo para Portugal, acompanhada pelos
seus ambiciosos irmãos? E se D. Pedro tivesse colocado a soberania do reino
acima dos seus sentimentos, interesses e ambições? E se D.ª Inês tivesse
respeitado e amado a princesa (D.ª Constança) que a incluiu no seu séquito e tivesse
respeitado a nação que a acolheu? E se as rivalidades entre Castros, Pachecos, Teles
de Meneses, Pereiras e outros tivessem seguido um rumo diferente e tivessem
colocado sempre Portugal e o Povo, uno e diverso, à frente das suas ambições? E
se D.ª Inês não tivesse sido assassinada ou se um dos seus filhos tivesse, de
facto, subido ao trono de Portugal? O mais provável é que Portugal deixasse
mesmo de existir e fosse engolido por Castela e Leão. Portugal seria uma outra
Catalunha, uma Galiza, um País Basco, uma Andaluzia, um território sempre em
busca de mais autonomia ou da independência há muito perdida. A Língua Portuguesa
desapareceria; quando muito assemelhar-se-ia ao que é hoje o galego. D. João I,
Mestre de Avis, nunca teria sido rei, nunca teria casado com D.ª Filipa de
Lencastre e a Ínclita Geração nunca teria nascido. Não teria havido um Infante
D. Henrique, uma Escola Náutica de Sagres, viagens até aos quatro cantos do
mundo, excepto nas caravelas castelhanas. Talvez o genocídio dos povos nativos dos
territórios conquistados tivesse sido menor ou maior, talvez tivesse havido menos
ou mais tráfico de escravos, menos ou mais “cobiça e glória de mandar” (Camões,
Os Lusíadas, Canto IV). Não teria
havido um Brasil ou nações africanas que falam Português. Provavelmente, a
colonização de todos os territórios conquistados teria sido idêntica, mas muito
mais ampla e destrutiva, sem o Tratado de Tordesilhas… e um dia, sabe-se lá
quando, uma geração de jovens perguntaria “Por que morreu Portugal quando era
ainda tão jovem?”. Ou então, não. A maioria esqueceria quem era e quem tinham
sido os seus antepassados ou ficaria simplesmente feliz com a abolição de
fronteiras e a ilusão de pertencer a uma nação maior e “melhor”, embora a
Espanha só tenha sido realmente unificada e assumido o nome que tem hoje no
século XVIII. Certos sectores da nobreza, sempre ambiciosa, comodista e
parasitária, com o tácito e estratégico apoio de grande parte do clero,
rejubilariam com a União Ibérica, a Monarquia Dual ou Única. E se as elites
ficassem felizes, pouco importaria a voz do Povo. O Povo não é português,
castelhano, francês, inglês… é o Povo.

Ilustração de Cândido Portinari (1903-1962).
Ilustração de Manuel Ribeiro Pavia (1907-1957) in Fanga de Alves Redol.
Seja qual for a perspectiva que se adopte,
o efeito do tempo acaba por vencer, pelo menos parcialmente. O tempo, que
transforma a História em lenda e mito, há muito que transformou os amores de
Pedro e Inês num dos mais queridos mitos nacionais. Para isso contribuiu a Literatura,
mas também certos traços do ser lusitano, o lirismo, o saudosismo e a tragédia.
Camões já conhecia bem esses traços colectivos, que também faziam parte do seu
próprio carácter individual, ou não teria incluído o episódio lírico-trágico
dos amores de Pedro e Inês (Canto III) na maior epopeia nacional (Os Lusíadas).
Os Lusíadas, Luís Vaz de Camões, Lisboa, 1572 (1.ª edição).
*******************************************
Sem comentários:
Enviar um comentário