sexta-feira, 22 de outubro de 2021

LENDA & HISTÓRIA X

 AS LENDAS PRECISAM DE SÍMBOLOS, FÁBULAS… E COINCIDÊNCIAS

     Outro erro propagado pela lenda refere-se à colocação dos túmulos, que mudaram de lugar e posição várias vezes. Inicialmente estavam colocados lado a lado e não frente a frente. Essa disposição terá sido adoptada apenas no século XVII ou até XVIII por uma mera questão de conveniência espacial, permitindo desse modo uma maior mobilidade durante as cerimónias religiosas. Este facto prova que esse detalhe só foi adicionado à lenda tardiamente. Segundo a lenda, D. Pedro terá escolhido esta disposição dos túmulos (frente a frente) para que no Dia do Juízo Final, quando ressuscitassem dos mortos, ele e D.ª Inês pudessem ver-se um ao outro desde o primeiro instante (cf. Manuel Vieira Natividade (Ignez de Castro e Pedro o Cru - Perante a iconographia dos seus túmulos, Lisboa, 1910). Os túmulos foram abertos no reinado de D. João III e no de D. Sebastião, mas não mudados de lugar nem danificados. Como já foi referido acima, os danos começaram a surgir mais tarde com as Invasões Francesas.

     Citando Ferdinand Denis, Vieira Natividade refere o suposto roubo dos cabelos de D. Inês pelos soldados franceses quando passaram por Alcobaça em 1811. Mesmo assim, algumas madeixas teriam sido salvas para depois se perderem no Brasil, quando uma rajada de vento tudo levou:

     «Ferdinand Denis dá testemunho de que vira uma carta em que o marquez de Rezende dizia que uma grande porção dos cabellos de D. Ignez fora levada á corte do Rio de Janeiro, e que, na occasião em que o conde de Linhares a estava offerecendo a D. João VI, foram arrebatados por uma forte ventania, sem que jamais fosse possível encontra-los.

     O mesmo auctor igualmente da noticia de que uma pequena madeixa de cabellos de D. Ignez de Castro, que vira n'outro tempo no gabinete de Denon, se conservava ultimamente num relicário da collecção do conde de Pourtales.

     O sr. Miguel Osório Cabral de Castro, actual proprietário da quinta das Lagrimas, possue alguns fios dos cabellos de D. Ignez de Castro em um lindo relicário.

     Em Alcobaça uma única pessoa possuía cabellos de D. Ignez. Era o sr. Bernardino Lopes d'Oliveira. Foram-lhe offerecidos, segundo nos declarou, por um velho de Alcobaça, que se dizia o próprio que collocara os restos de D. Ignez dentro do tumulo, logo que os francezes sahiram de Alcobaça.

     E temos que accrescentar á curiosa galanteria dos cabellos, pretendidos anneis, que correm como authenticos, relíquias do seu vestuário, e... um próprio seio mumificado!»

(In Ignez de Castro e Pedro o Cru - Perante a iconographia dos seus túmulos, Manuel Vieira Natividade, Lisboa, 1910, págs. 114-116)


Túmulos de D. Pedro I e D. Inês de Castro, Mosteiro de Alcobaça.
(Ignez de Castro e Pedro o Cru - Perante a iconographia dos seus túmulos, Manuel Vieira Natividade, Lisboa, 1910)



Manuel Vieira Natividade, Lisboa, 1910

     A título de curiosidade, António Pereira de Figueiredo, nos Elogios dos Reis de Portugal, menciona umas “memórias antigas” em que se conta que D. Pedro ressuscitou temporariamente, porque se tinha esquecido de confessar um pecado. Confessou esse pecado inominado e voltou a morrer. 

          «Deste Rei se acha escrito em Memorias antigas, que quando já estava para ser sepultado, ressuscitára pelos merecimentos, e orações do Apostolo São Bartholomeo, de quem fora especial devoto; e que depois de se ter confessado de certo peccado, que antes lhe tinha esquecido, tornára a expirar.

     O mesmo estando próximo à morte declarou, que elle sabía, que Diogo Lopes Pacheco estava innocente na morte de D. Ignez de Castro; e por isso mandava, que lhe fossem restituídos todos os seus bens, e elle ao Reino, donde andava fugitivo. O que tudo cumprio depois El-Rei D. Fernando à risca.» 

     Também contam vários autores que D. Pedro teve um sonho em que via um filho seu, de nome João, subir ao trono de Portugal após a sua morte. Não se sabe se nesse sonho terá reparado em quem era a mãe: Inês de Castro ou Teresa Lourenço. Após a morte de D. Fernando, foi D. João, Mestre de Avis, filho natural de D. Pedro e de Teresa Lourenço, quem subiu ao trono. D. João, filho de Inês de Castro e de D. Pedro, conjuntamente com seu irmão, D. Dinis, aliou-se a um dos partidos de Castela e pegou em armas contra Portugal. D. João de Castro casou com D.ª Maria Teles, que era aia da infanta D. Beatriz (filha de Inês de Castro) e irmã de D.ª Leonor Teles que casou com D. Fernando. D.ª Maria Teles acabou assassinada à punhalada (uma no coração, outra nas virilhas) por D. João de Castro, seu marido. D. João foge depois para Castela, indo refugiar-se junto da irmã Beatriz, que entretanto casara com o Conde de Albuquerque (irmão de Henrique II de Trastâmara, rei de Castela, filho bastardo de Afonso XI), que vivia na zona de Salamanca. Parece que pelo menos este filho de Pedro e Inês herdou a propensão para aniquilar quem menos o merecia. Mais uma vez, a violência e os punhais…  

     Outra curiosidade, que nada acrescenta à História, excepto aquela sensação de haver coincidências estranhas, é o facto de três mulheres, ligadas pela genealogia, terem morrido todas no dia 7 de Janeiro: D.ª Inês foi assassinada a 7 de Janeiro de 1355; D.ª Catarina de Aragão (filha dos Reis Católicos, Isabel I de Castela e D. Fernando II de Aragão, além de uma das seis mulheres de Henrique VIII) morreu a 7 de Janeiro de 1536; D.ª Carlota Joaquina (mulher do rei D. João VI) morreu a 7 de Janeiro de 1830. Já agora, D. Dinis também morreu no dia 7 de Janeiro, em 1325.


Catherine of Aragon by Michel Sittow, 1468-1525, n.d.


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