sábado, 23 de outubro de 2021

LENDA & HISTÓRIA XI

 A ESQUIVA INTRIGA POLÍTICA E OS CASAMENTOS DE CONVENIÊNCIA

 

     Com D.ª Inês, D. Pedro teve quatro filhos (Afonso, João, Dinis e Beatriz). De outras mulheres, algumas também servidoras de D.ª Constança e de D.ª Inês, teve outros filhos. Cerca de dois anos após a morte de D.ª Inês, teve, com Teresa Lourenço, D. João, também filho bastardo, que viria a tornar-se Mestre de Avis, D. João I, o pai da Ínclita Geração. D. João I nasceria em Lisboa a 11 de Abril de 1357 e morreria na mesma cidade a 14 de Agosto de 1433. António Luís de Sousa Henriques Secco (1822-1892), nos Novos elogios historicos dos reis de Portugal, afirma que D. Pedro teve, pelo menos mais uma filha de mãe não identificada, contemplada no seu testamento: «(…) e ultimamente uma outra filha, como se deprehende do testamento, que fez na véspera da sua morte, cujo nome e maternidade se ignora.» A história dos filhos de D. Inês é também interessante e comprova como eram perigosos para a soberania do reino, mas não cabe neste artigo já longo. Abaixo, afloro apenas alguns episódios mais marcantes da vida de D. João de Castro no que toca à pretensão ao trono de Portugal.

      A intriga política é intrincada e extensa, não cabe aqui nem possuo todos os dados necessários para a abordar de forma adequada. Nos posts finais sobre o tema “Pedro & Inês”, apresento uma longa bibliografia e links para quem estiver interessado. Ler apenas uma parte pode significar seguir apenas o caminho da Lenda ou da História; ler a totalidade pode destruir uma das mais belas histórias de amor da Literatura Portuguesa. É só uma advertência… Ou então lê-se, descobrem-se os meandros da verdade, olha-se pelas múltiplas faces do prisma e tenta-se separar as águas. Qualquer que seja a perspectiva que se adopte, o certo é que o contexto histórico-cultural é sempre essencial para compreender as pessoas de cada época.

     É evidente, por exemplo, que o casamento enquanto laço contratual de benefício recíproco, como o que vigorava na época, não é comparável ao casamento fundado no amor, como supostamente acontece na maioria das sociedades actuais. No entanto, ao contrário do que se possa supor, para os cidadãos comuns, casar era fácil e acessível a qualquer um: bastava a presença de duas trestemunhas, nem sequer era preciso apresentar uma dispensa de consanguinidade ou registos notariais e também havia uniões consanguíneas entre as classes intermédias e mais baixas. A este tipo de casamento, à margem das burocracias civis e eclesiásticas, chamava-se casamento «por palavras de presente», isto é, bastavam as palavras dos nubentes declarando que desejavam casar um com o outro. Este tipo de casamento não era considerado completamente legítimo e era evitado, sobretudo para evitar dissabores futuros aos seus descendentes.

     Os casamentos complicados eram os dos membros da casa real e da nobreza, quer os das linhagens legítimas quer das ilegítimas. Estes dependiam de bulas, autorizações e perdões da Santa Sé, que deste modo controlava ainda mais a vida política das nações. Estes estabeleciam contratos pré-matrimoniais com muitas cláusulas com o objectivo de salvaguardar os direitos e privilégios das partes, tanto do ponto de vista material como político. No caso das princesas e príncipes herdeiros, as cautelas eram ainda maiores e os contratos eram redigidos por um conselho de peritos (juristas, eclesiásticos e políticos). Em teoria, quebrar um destes contratos tinha consequências sérias. Mas não parece tê-las tido quando D. Pedro quebrou o contrato matrimonial com D. Branca de Castela.

     D.ª Leonor Teles de Meneses também quebrou o contrato de casamento com o seu primeiro marido, para se casar com o herdeiro da coroa portuguesa, D. Fernando, filho de D. Pedro I. Primeiro abandonou o marido (João Lourenço da Cunha, de quem já tinha um filho), depois casou duas vezes com D. Fernando, primeiro “por palavras de presente” (1371) e depois através de um casamento público (1372), em Leça do Balio. Posteriormente, para ver reconhecido este último casamento e a legitimação da filha de ambos, D.ª Beatriz, herdeira da coroa portuguesa, conseguiu uma autorização da Santa Sé, alegando a existência de um laço consanguíneo com o seu primeiro marido que desconheceria na altura em que casou. Este pedido de dispensa foi pedido à Santa Sé pelo próprio D. Fernando. Para casar com D.ª Leonor Teles, D. Fernando quebrou o contrato matrimonial com D.ª Leonor de Trastâmara, filha de Henrique II de Castela.

D. Leonor Teles. Ilustração de Roque Gameiro.

     A infeliz irmã de D.ª Leonor Teles, D.ª Maria Teles de Meneses, casou secretamente, sem qualquer autorização ou documento específico, com D. João de Castro, filho de D.ª Inês, e meio-irmão de D. Fernando. Também ela já era casada com D. Álvaro Dias de Sousa, de quem tinha um filho. Passados sete anos de união, D. João de Castro (também designado D. João de Portugal por aqueles que consideravam ser ele o legítimo herdeiro da coroa durante a crise de 1383-1385), assassinou a mulher, D.ª Maria Teles, à punhalada. 

D. João de Castro, filho de Inês de Castro e de D. Pedro I mata a mulher, Maria Teles, irmã de Leonor Teles. Ilustração de Roque Gameiro in Leonor Telles de Marcelino Mesquita, Lisboa, 1904 (3 vols.).

     D. João de Castro, apoiado pela alta nobreza portuguesa, estaria mesmo decidido a ser rei de Portugal, casando com D.ª Beatriz (filha de D. Fernando e D.ª Leonor Teles). D.ª Leonor Teles terá sido conivente com o assassinato da irmã (segundo alguns foi a instigadora), inventando um adultério que não existia, pois desejaria ver D.ª Beatriz, sua filha, casada com o suposto herdeiro da coroa portuguesa. Segundo outros, a trama vem sobretudo de D. João de Castro que, não sendo jurado herdeiro da coroa portuguesa, poderia obtê-la casando com D.ª Beatriz. Contudo, o assassinato de D.ª Maria Teles teve graves consequências para D. João de Castro que se viu obrigado a fugir para Castela. Casa novamente, com D.ª Constança de Castela, la Rica Hembra, filha bastarda de D. Henrique II de Castela, e pega em armas contra Portugal e o Mestre de Avis, futuro D. João I de Portugal. Reclama para si o trono de Portugal em concorrência com a própria D.ª Beatriz, com quem não casou, com o Mestre de Avis (seu meio-irmão) e com o próprio D. João I de Castela. Este último, sabendo-o seu rival na pretensão ao trono português, prendeu-o em Salamanca onde acabou por morrer e foi sepultado no Mosteiro de Santo Estêvão. 

     D. João de Castro teve, pelo menos, onze filhos de cinco mulheres diferentes (4 legítimos e 7 ilegítimos). D.ª Beatriz de Portugal, filha de D. Fernando, acaba por casar com D. João I de Castela. O Mestre de Avis acaba por ascender ao trono como D. João I de Portugal e D.ª Leonor Teles, depois de ter mandado prender o Mestre de Avis em Évora, vê-se obrigada a refugiar-se em Castela e a recolher-se no Mosteiro de Tordesilhas (por ordem do seu genro, D. João I de Castela) onde viria a morrer.

Prisão do Mestre de Avis por ordem de Leonor Teles. Ilustração de Alfredo Roque Gameiro 
in História de Portugal, popular e ilustrada, por Manuel Pinheiro Chagas, (1899-1905).

     Os meandros desta intrincada história de ambição, traição e morte tem ainda muitas lacunas por preencher, mas também muitas inquietantes certezas. O contexto histórico-cultural e político ajuda a compor o puzzle e a discernir o essencial sobre os actos, as causas e as consequências.


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