segunda-feira, 21 de maio de 2018

TEATRO NA ESCOLA XXIII


HERÓIS, ANTI-HERÓIS E QUIMERAS - I
Felizmente Há Luar! de Luís de Sttau Monteiro (1961), interpretado pelos alunos de Artes do Espectáculo – Interpretação da Escola Secundária D. Pedro V, Lisboa - 27/2/2018, 1/3/2018, 2/3/2018. Encenação de Victor Sezinando.

     Normalmente, reservo as últimas linhas destes artigos para me referir à encenação e interpretação da peça. Mas desta vez é precisamente por aí que vou começar, até porque uma boa parte do que escrevo sobre a dimensão histórica deste texto e do seu “protagonista ausente” pode aparentemente contradizer aquilo que vi e senti. Tenho a certeza de que o autor, Luís de Sttau Monteiro, teria ficado tão rendido e comovido com esta interpretação como eu fiquei e teria certamente sentido que esta encenação foi extremamente fiel ao espírito do seu texto. Porque senti a extrema comoção nas palavras e nos rostos, especialmente enquanto entoavam o Acordai (uma opção desta encenação, letra de José Gomes Ferreira musicada por Fernando Lopes Graça) e vi, através da lente, as lágrimas que rolaram dos olhos de tantos de vocês… só pude dizer dentro de mim “isto é mais do que apenas representar, isto é verdadeiramente interpretar e sentir”. E mais uma vez pensei, sim, o verdadeiro cerne do teatro são as emoções, seja qual for a situação, tempo ou contexto histórico, social ou político. O próprio cenário, na sua despojada e geométrica frieza, foi o espaço perfeito para retratar um tempo-fronteira; não havia para onde fugir, não havia um refúgio, tudo o que havia a fazer era perecer ou mudar, de dentro para fora, acordando e começando verdadeiramente a sonhar e a realizar. Era apenas uma utopia? Era também uma utopia mas não apenas uma quimera que logo se evapora. O breve trecho do Le Chant des Partisans, de Anna Marly, canto da resistência francesa contra o ocupante nazi, foi de uma extrema adequação e ironia. Na época retratada nesta peça, o ocupante que tinha devastado meia Europa eram precisamente os Franceses. Em ambos os casos, os ditadores caíram. A utopia da libertação perdurou e perdura. Seria realmente muito difícil fazer melhor. Uma enorme vénia para todos. 
     No panorama da dramaturgia nacional, Felizmente Há Luar! pode ser classificada como uma obra de natureza  crítica histórico-política. E foi de facto assim que o autor a concebeu. No entanto, como acontece em tantas obras datadas, circunscritas a um contexto histórico concreto, também em Felizmente há Luar! podemos encontrar uma dimensão mais intemporal, até porque o próprio autor se serviu de um período da nossa história (o período que antecede a Revolução Liberal de 1820) para retratar outro (1961, a fase do Estado Novo em que o regime começava a desmoronar-se, cerca de treze anos antes da Revolução de 25 de Abril de 1974).
     Por isto mesmo, o que escrevo a seguir pode parecer paradoxal. Mas não o é se passarmos do plano geral da história convencional para o plano mais particular da conduta humana, da personalidade, do carácter, das emoções ou da história individual e do quotidiano das pessoas reais.
   Sempre me pareceu que a essência que vejo nesta obra ─ o ideal intemporal de liberdade e democracia e a sinceridade das mais profundas emoções humanas ─ poderia ser melhor apreendida por um leitor / espectador menos esclarecido sobre o contexto histórico da acção e a vida do “protagonista ausente”, o general Gomes Freire de Andrade. De certo modo, esse conhecimento pode até destruir parcialmente a figura do herói e esbater o paralelismo entre o tempo da acção (1817) e o tempo da escrita (1961) que está implícito na obra. Gomes Freire foi um homem volúvel que serviu causas completamente opostas, muitas vezes com motivações meramente pessoais; Humberto Delgado (que Gomes Freire simboliza) primou sempre por uma extrema coerência e perseverou sempre no mesmo rumo. O paralelismo não é verdadeiramente histórico, é mais metafórico e simbólico. É óbvio que com o passado se pretende representar um presente que a censura nunca permitiria denunciar e condenar. E são também evidentes as afinidades entre os regimes políticos e algumas das circunstâncias. E é também sabido que o autor estabeleceu esse paralelismo como quem pretende demonstrar que a história se repete e se muda, se for essa a vontade dos povos… ou pelo menos daqueles que de uma forma ou outra têm o poder para operar uma mudança radical. Mas conhecer mais profundamente a história e os seus protagonistas pode também diluir a força motriz de uma ideia libertadora que Gomes Freire, entre outros, representou, pelo menos para uma minoria. Ele não foi apenas um herói, nos seus círculos restritos, foi também um anti-herói (adiante e no post seguinte veremos porquê).
     Em 1961 nem sequer havia espaço para heróis libertadores. O início da guerra colonial serviu para assustar e acender ainda mais a chama da revolta, mas também para agregar em torno do “chefe da nação” (Salazar) uma grande maioria. Só depois de muitos milhares de mortos se tornou evidente que o Império nunca regressaria e o Estado Novo estava moribundo, acabando por morrer simultaneamente de morte natural e por agregação da vontade popular em torno do Movimento das Forças Armadas que permitiu o sucesso da Revolução de 25 de Abril de 1974, uma das revoluções mais pacíficas do mundo apesar de ter sido iniciada por forças militares.
     Depois da Revolução Liberal de 1820 perde-se a maior das colónias, o Brasil, que se tornou oficialmente independente em 1822. Depois de 1974, perde-se o resto do mais antigo e duradouro império colonial do mundo. Em ambos os casos houve heróis, anti-heróis e quimeras. Este pequeno jardim à beira-mar plantado alcançou o seu quinhão de liberdade (não tanto de igualdade, fraternidade ou justiça social). Os outros povos (das ex-colónias) estão ainda à espera de liberdade plena… parece que a independência não bastou para alcançar a paz, a democracia, a equidade social… Muitos continuam à espera de heróis verdadeiramente libertadores… muitos continuam a erguer os mesmos estandartes com mãos ensanguentadas…
      Em 1817, os “heróis” provinham muitas vezes de uma área nebulosa em que as ideias se transformavam rapidamente em acções radicais. A própria ideia de “revolução” era tomada pelo poder instituído como sinónimo de derrame de sangue e apocalipse, mesmo que as mãos ensanguentadas erguessem fervorosamente o estandarte dos mais belos ideais: “liberdade, igualdade, fraternidade”. Em Paris, após a Revolução Francesa (1789), que apregoava precisamente a liberdade, a igualdade, a fraternidade, a guilhotina tinha feito rolar cerca de 30 000 cabeças, nem todas de déspotas, opressores, dogmáticos. Entre as cabeças que rolaram estavam as dos próprios monarcas, Luís XVI e Maria Antonieta (1793). Não admira, pois, que todas as monarquias da Europa fizessem todos os possíveis para manter o trono e evitar tal banho de sangue. Em Portugal, completamente saqueado, e parcialmente destruído pelos Franceses e ainda “abandonado” pelo seu próprio rei, as circunstâncias eram demasiado peculiares e instáveis e os heróis estavam longe de ser perfeitos.
     Muitos factos desta época continuam a ser controversos e a suscitar múltiplas interpretações. Um deles é a partida de D. João VI (príncipe regente em nome de sua mãe, a rainha D. Maria I) para o Brasil que, até à sua independência (1822), passaria a ser a verdadeira capital do reino e do império colonial. A partida do monarca às 11 horas da manhã do dia 27 de Novembro de 1807 do cais de Belém, cerca de três dias antes da chegada das tropas invasoras francesas comandadas pelo general Junot, foi um dos mais rudes golpes para o orgulho nacional. Como é natural, uma parte da população pensou, “que monarca é este que nos abandona cobardemente quando estamos em maior perigo?” Poucos seriam os que conheciam os tratados e as leis internacionais que lhes permitissem pensar de outro modo. No entanto, se o monarca tivesse permanecido em território nacional e tivesse sido obrigado a render-se aos exércitos de Napoleão, teria sido executado e Portugal teria sido apenas mais uma conquista do déspota megalómano. Portugal seria apenas mais um território francês e espanhol, tal como estava estipulado no Tratado de Fontainebleau, assinado secretamente por Napoleão e Carlos IV de Espanha em 27 de Outubro de 1807. Este tratado visava dividir Portugal em três partes repartindo-as entre aquelas duas nações, embora seja evidente que Napoleão não repartiria nada com ninguém, tal como demonstrou ao longo de toda a sua campanha de conquistas e destruição. Fugindo para uma colónia portuguesa, o monarca português gorava o intuito de Napoleão, transformando a pretensa conquista numa invasão e ocupação e deste modo a soberania nacional permanecia sendo apenas exercida a partir de outro ponto do globo. Mas Napoleão conhecia os tratados internacionais e a sua fúria por não ter conseguido capturar e executar o rei português levou-o a pôr em prática a mais feroz campanha militar contra um país tão pequeno. Não houve nada que não tivesse tentado destruir: o exército, o erário público, as vidas humanas, a identidade nacional. A correspondência com Junot demonstra bem a sua fúria e arrogância.
     Logo em 1808, ainda durante a primeira invasão, D. João VI acaba por declarar guerra à França (10/6/1808) e ocupa a Guiana Francesa. Por mais ridículo e patético que seja o retrato que se tem pintado deste rei, nem todas as decisões foram tão más como muitos querem fazer crer. Na verdade, seria difícil conseguir manter a independência e o governo do reino de outra forma. São deveras curiosos os panfletos anónimos que apelavam aos Portugueses para que recebessem os Franceses de braços abertos, porque “os Ingleses eram pérfidos” e era melhor ser governado pelo “excelso Imperador Napoleão” do que por um mau rei ou uma regência por si nomeada. Veja-se, por exemplo o «Aviso de hum religioso portuense a seus concidadãos. - Porto, 1809 - Porto, Typographia de António Alvarez Ribeiro (http://purl.pt/13948).
     Mais do que a partida para o Brasil, o mais questionável é o seu regresso tardio, a que não foram certamente estranhas as rebeliões (Pernambuco, 1817) dos independentistas brasileiros. Aí sim, podemos ver algumas semelhanças com Salazar, alimentando a ilusão de poder manter intacto o império colonial. A insurreição de Pernambuco, (1) também conhecida como a Revolução dos Padres, foi ainda mais duramente reprimida do que a dos conspiradores de Lisboa, também em 1817. Obviamente em vão, porque não seria possível travar a independência do Brasil (1822). D. João VI (1767-1826) regressou apenas em 1821 (14 anos depois de ter partido), após a Revolução Liberal de 1820 e jura a efémera Constituição em 1822. Mesmo em 1826, ano da sua morte, continuava a tentar manter Portugal e o Brasil unidos! E o mesmo defendiam vários deputados brasileiros com assento nas Cortes de Lisboa.
     Obviamente, os liberais nunca aceitaram esta interpretação da partida de D. João VI mas a diplomacia de então corrobora-a. Uma coisa é combater a monarquia absoluta, prepotente e obtusa, outra é deixar que a ideologia se sobreponha à própria existência do país enquanto nação independente. Esse é o mal de todas as ideologias que se servem de todos os meios para atingir os seus fins. Na verdade, em muitos momentos o Liberalismo não foi melhor do que o Absolutismo. Tal como o Carlos das Viagens na Minha Terra de Garrett, que de soldado liberal idealista se transforma em barão burguês e acomodado, o mesmo fizeram muitos liberais que além de acomodados se tornaram radicais e intolerantes. De tal modo que os mais radicais foram tão repressivos como os absolutistas e os seus sucessores acabaram por assassinar o seu próprio rei (D. Carlos) em 1908. E, na realidade bem nua e crua, o povo (em sentido lato) lá ficou onde estava antes, no regime liberal, no regime republicano, na ditadura do Estado Novo…
     Seria necessário mais de um século e meio para que as coisas começassem lentamente a mudar e ainda há tanto para fazer, começando na conduta de cada um de nós. Os índices de corrupção, de desonestidade e abuso do poder, por pequeno que seja, demonstram bem que há ainda muito para fazer. Às vezes imagino Marx e Cristo em amena conversa sobre a renovação da Humanidade. Diz Cristo (como de facto disse): “Antes de mudarem os reinos têm de mudar os corações dos homens”. E logo contrapõe Marx, como se estivesse a dizer algo completamente diferente (citação livre): “Para mudarem as sociedades devem primeiro mudar as consciências dos homens”. Onde está o povo agora? Que corações e consciências mudaram? Quem acordou e quem continua adormecido? Caminhamos para o meio século de democracia (nos preceitos, nas estruturas governativas)… Meio século é muito tempo, a liberdade (tantas vezes manipulada) não chega, a democracia é feita de infinitos actos individuais, dos governantes e dos governados. Que cidadãos livres e responsáveis são estes que cometem crimes, ocultam, manipulam e perseveram na arrogância e irresponsabilidade? Se olharmos bem nas entrelinhas há muito que não mudou entre 1817, 1961 e 2018… salvaguardando as diferenças de conjuntura e de personalidade dos intervenientes. Acordai!      
     Mas regressemos ao contexto do tempo histórico da acção. Seja qual for a interpretação, o que é certo, é que o país perdeu muito com a partida do príncipe regente para o Brasil e perdeu muito mais com as Invasões Francesas. Com o rei partiram cerca de 15 000 pessoas, entre militares, cortesãos, servidores do estado, a família real e serviçais. Para o Brasil foram também centenas de caixotes de livros da Biblioteca Real (que viriam a constituir o fundo principal da Real Biblioteca do Rio de Janeiro), milhares de obras de arte e de peças em ouro e prata. Há uma certa ironia neste facto, uma vez que a maior parte do ouro tinha vindo precisamente do Brasil!
     Contudo, a devastação causada pelas três Invasões Francesas foi muito maior e teria ocorrido mesmo que o rei tivesse permanecido em Lisboa. O exército estava desorganizado e mal equipado e só por si seria insuficiente para fazer frente às hostes napoleónicas. Sem o apoio crucial dos aliados ingleses o desenlace teria sido ainda pior. Por razões que só podem ser de natureza ideológica, muita da destruição e horror causados pelas invasões têm sido branqueados mesmo por historiadores muito esclarecidos. Tal como tem acontecido com muitos outros factos históricos à volta do mundo ao longo do tempo. Neste domínio, o jornalismo de investigação tem prestado um serviço à história e à informação. Mas, para quem quiser conhecer a realidade, não há nada melhor do que descer à verdade dos documentos manuscritos espalhados pelos arquivos nacionais e estrangeiros. Foi aí que, fora dos livros de história, conheci os horrores das Invasões Francesas. São arquivos abertos ao público, qualquer pessoa pode consultar esses documentos coevos redigidos por quem viveu aquela época, embora seja necessária alguma cautela porque também aí houve desaparecimento e manipulação da informação.
     Nasci precisamente num território devastado pela 3.ª invasão, comandada por Massena e Loison, conhecido como o Maneta. Só nas primeiras duas horas após a chegada das tropas francesas à cidade da Guarda, lideradas por Loison, foram executados cerca de 300 civis como forma de impor o medo e a imobilidade. Noventa por cento das pessoas eram gente simples, homens, mulheres e crianças, mendigos, maltrapilhos e aleijados. Uma espécie de eugenia, ignóbil como todas as eugenias. Episódios como este aconteceram muitos por todo o território durante as três invasões francesas. Embora as contas continuem até hoje por fazer com exactidão (parece que muitos sabem quantos estavam vivos no início dos combates, pelo menos militares, mas ninguém sabe ao certo quantos estavam mortos no final, pelo menos civis…), terão perecido cerca de 250 000 portugueses, militares e civis, durante os combates e a resistência; e quase outros tantos em consequência de ferimentos, tortura, doenças e fome. Quando olhei para aquele extraordinário grupo de populares no palco, aquilo que vi foi, antes de mais, aqueles que sofreram e pereceram ou perseveraram.
     Os actos de rapina atingiram tudo e todos, modestas casas particulares, palácios, instituições públicas, igrejas e conventos. Nada que tivesse valor material ficava para trás (ouro, prata, obras de arte, a louça, os talheres, as alfaias religiosas, as armas, os medicamentos, os alimentos). Uma parte do saque ficou dispersa pelas mãos dos soldados franceses, mas a maior parte foi para os cofres de Napoleão para ajudar a financiar outras conquistas, saques e a morte de muitos milhares. Por outra via, hipocritamente mais limpa, Napoleão ordenou logo na primeira invasão a aplicação de elevados impostos sobre Portugal, que deveriam perfazer 100 milhões de francos. Em seguida, aplicou pela força outras colectas de muitos milhões. O dinheiro, bens e terras dos aristocratas não-alinhados com os Franceses (que eram quase todos) foram confiscados. Muitos modestos proprietários tiveram a mesma sorte. E o mesmo aconteceu aos civis Ingleses, que foram expulsos do reino, sendo-lhes confiscados todos os bens. Mesmo os mais humildes lavradores e camponeses que nada possuíam foram obrigados a “contribuir” com dinheiro, alimentos, cavalos e tudo o que tivesse algum valor. A recusa tinha sempre o mesmo resultado: a prisão, a tortura e a execução pública, com ou sem luar, para amedrontar os restantes.   
     Uma certa Páscoa, há mais de vinte anos atrás, em vez de gozar as férias, aproveitei para mergulhar no arquivo distrital de Viana do Castelo. Andava a fazer uma investigação completamente diferente, mas acabei por me cruzar com muitos relatos manuscritos sobre a morte e destruição naquela zona durante a segunda invasão, comandada por Soult em 1809. Tentei encontrar entre os milhares de documentos e notas que andam cá por casa, as cópias que consegui de alguns desses documentos. Com grande pena minha não os encontrei. Seja como for, os relatos são semelhantes por toda a parte: violência extrema, execuções sumárias, pilhagem, tortura, violação, espancamento e linchamento sem olhar a quem. Os militares portugueses podem ter sido mortos, desautorizados e humilhados mas os civis não sofreram menos. Há muitas imagens desses relatos que nunca saíram da minha cabeça. Um deles é o de uma velha camponesa que não se desviou das tropas francesas quando estas tentavam atravessar uma ponte. A “solução” foi imediata. Após espancamento, foi lançada ao rio juntamente com outras pessoas.
     Entre os documentos digitalizados pela Biblioteca Nacional de Lisboa, não se encontram estes relatos, apenas algumas referências; existem sim obras de alguns autores que se rebelaram contra a ocupação francesa e tentaram denunciar as atrocidades, assim como relatos sobre as surpreendentes vitórias de grupos populares rebeldes. Encontram-se também muitos documentos interessantes que dão imagens diversas da ocupação francesa. Se por um lado encontramos os escritos, quase sempre anónimos, contra os Franceses (publicados com grande risco durante a ocupação), e as ordens e editais de Napoleão e Junot que demonstram até que ponto Portugal foi maltratado e espoliado, encontramos também obras apologéticas e documentos em que os franceses pretendem, nas palavras, fazer crer que vieram para nos salvar de um monstro (a monarquia absoluta e D. João VI) e espalhar por toda a parte a “liberdade, a igualdade e fraternidade” com toda a benevolência… É preciso ver tudo, é preciso ler tudo para que a história não seja reduzida a uma banda desenhada em quadradinhos ou um catecismo político.
     Para encontrar de forma fácil e acessível muita documentação, podem também consultar-se os muitos documentos digitalizados pelas universidades americanas e canadianas, pela Biblioteca do Congresso Americano e pela Biblioteca Pública de Nova Iorque, entre outras. Insólito? Nem por isso. Quem tinha dinheiro comprou essas obras e documentos há muito tempo. Eu própria, no tempo em que tinha tempo para passar horas esquecida nos alfarrabistas de Lisboa, me cruzei inúmeras vezes com americanos, canadianos, franceses, ingleses, alemães… que vinham comprar preciosidades. Na altura, condenei veementemente o facto de o governo português permitir que se levassem tais obras para fora do país. Passados alguns anos, com a vinda da internet, descobri gradualmente os arquivos digitais e a minha opinião mudou radicalmente. Enquanto muitos levaram os documentos para parte incerta e sabe-se lá onde estão hoje, os americanos e os canadianos digitalizaram com enorme qualidade milhares de obras e documentos e têm tudo disponível para os investigadores e o público em geral.
     Quando aos 10/11 anos estudei pela primeira vez a Revolução Francesa ainda não conhecia detalhes como os que li nos manuscritos empoeirados, detalhes que nunca vêm nos manuais de história. Estava em Almeida, vila parcialmente destruída pelos Franceses, e em redor da fortaleza ainda era possível encontrar balas de canhão, botões de fardas militares e pedaços de metal que pareciam pertencer a baionetas e outras armas. Muitos destes objectos estavam entranhados na terra e vinham à superfície quando os terrenos eram lavrados. Este foi o meu primeiro contacto com a história real das Invasões Francesas. No Hospital de Sangue parecia sentir-se ainda o cheiro do sangue e os gritos lancinantes dos feridos. Talvez por tudo isto e muito mais, sempre tive dificuldade em associar à Revolução Francesa e a tudo o que ela trouxe (as execuções sumárias aos milhares, a ocupação e devastação de meia Europa) aquilo que os Liberais apregoavam como uma nova era de esperança, de liberdade, igualdade e fraternidade… Pois é, as ideologias podem ser muito perigosas, sobretudo quando a prática nada tem a ver com os ideais!
     Sobre Gomes Freire e a sua estreita colaboração com os Franceses falarei no post seguinte. Não sei o que os jovens intérpretes estudaram sobre esta época e o que sabem realmente sobre Gomes Freire. E aqui volto ao início. Às vezes, para se ser fiel a uma ideia é preferível não saber muito. A própria intenção do autor perderia força. O que importa é a luta contra a prepotência, a defesa da liberdade e da dignidade humana. Essa ideia é intemporal e poderia ter muitos nomes; Sttau Monteiro escolheu Gomes Freire, por motivos óbvios. Porque a sua história fazia lembrar Humberto Delgado (também assassinado por motivos políticos), porque era opositor à monarquia absoluta e foi vítima de perseguição e repressão política. Gomes Freire torna-se mártir ainda antes de o ser, porque a tónica é colocada no ideal que ele representa, mesmo que não o seja integralmente. As ideias não têm corpo, são intemporais e imortais. Gomes Freire faz lembrar o cadáver de D. Sebastião nas areias de Alcácer Quibir, tal como Fernando Pessoa o vê na Mensagem. O rei, em quem se depositava toda a esperança (embora tivesse sido um ingénuo sonhador e irresponsável) pereceu mas o sonho perdurou, foi mais do que o “cadáver adiado que procria”, uma das expressões mais revolucionárias que alguém já escreveu porque deposita em cada ser a responsabilidade de ser integralmente humano, de construir um mundo mais justo e transparente. É uma outra forma de dizer “Acordai!”.
     Em Felizmente Há Luar!, o protagonista (Gomes Freire) permanece ausente do princípio ao fim, não só porque vai ser um mártir executado no final, fora de cena, mas sobretudo porque ele representa antes de mais uma ideia, um ideal. Por isso, independentemente da sua história real, das suas incongruências, da sua ambição pessoal, ele tornou-se também na mente de muitos mais do que o “cadáver adiado que procria”, inspirando as mudanças históricas que se seguiriam. Conhecer todo o contexto histórico e todos os detalhes da vida de Gomes Freire implicaria destruir uma grande parte da ideia e do ideal. 
     Mas voltemos ao paralelismo entre o tempo da história e o tempo da escrita, que não são iguais mas apenas semelhantes como tantos outros tempos.
     O primeiro tempo (1817) é o tempo conturbado que precede a Revolução Liberal de 1820, depois da devastação causada pelas Invasões Francesas e durante a ausência de D. João VI no Brasil, substituído por uma Regência que foi mudando de constituição, tanto em número de membros como em nomes. Segundo Sttau Monteiro, nesse tempo, a Regência era tripartida e sobressaíam nela a facção mais conservadora, representada por D. Miguel Pereira Forjaz; a Igreja dogmática e manipuladora personificada pelo Principal Sousa; e a ingerência do poder estrangeiro nos assuntos nacionais, representada pelo britânico William Carr Beresford. Curiosamente, Manuel Barradas, biógrafo apologético de Gomes Freire (O General Gomes Freire de Andrade, Lisboa, 1892), afirma que nesse ano apenas faziam parte da Regência, «António José Miranda, o marquês de Olhão, o conde de Peniche, o marquês de Borba e D. Miguel Forjaz» (p. 51).
     Segundo consegui apurar, António José de Miranda Henriques (1761-1835) foi um militar de relevo na luta contra os invasores, agraciado com o título de 1.º visconde de Sousel (1811) pelos serviços prestados na defesa do país. O marquês de Olhão era D. Francisco José da Cunha de Mendonça e Menezes (1761-1821), desempenhou entre outros cargos o de presidente do senado da Câmara de Lisboa, o de governador militar do Algarve durante as invasões e foi membro da Regência do Reino em 1807 (suplente) e em 1809, onde conjuntamente com outros três representava “os generais do exército”; segundo o redactor do artigo da wikipédia, terá também sido membro da Regência de 1809 a 1820 (?). Liderou a revolta de militares e populares no Algarve, tendo tentado avançar sobre Lisboa para a libertar de Junot. Acabou por ser obrigado a deter-se quando se encontrava na zona de Palmela devido à assinatura da Convenção de Sintra (1808), contra a qual protestou veementemente, tal como Bernardim Freire de Andrade. O conde de Peniche era D. Caetano José de Noronha e Albuquerque (1753-1829), foi governador e capitão-mor do Algarve; não consegui encontrar o seu nome em nenhuma das listas da regência. O marquês de Borba será Fernando Maria de Sousa Coutinho, 2.º Marquês de Borba e 14.º Conde de Redondo (1776-1834); de entre vários cargos, desempenhou o de membro da Regência entre 1810 e 1820 e o de presidente do Real Erário em 1810. E D. Miguel Forjaz é obviamente D. Miguel Pereira Forjaz Coutinho Barreto de Sá Resende de Magalhães (1769-1827); foi membro da Regência até à sua dissolução, em 1820, exceptuando-se a regência francesa de 1808 com a qual nunca pactuou. Quando Junot se apodera do governo, D. Miguel retira-se para a província e dirige-se depois para o Porto onde conjuntamente com o seu primo, Bernardim Freire de Andrade (ambos primos de Gomes Freire de Andrade), reorganiza o exército português para combater os invasores. Em 1826, após a outorga da Carta Constitucional, é eleito par do reino, mas morre logo no ano seguinte. Alguns autores imputam-lhe a responsabilidade do processo sumário contra Gomes Freire.
     O Principal Sousa (D. José António de Meneses de Sousa Coutinho, nascido tal como Gomes Freire em 1757, foi nomeado para a Regência em 24/5/1810 e lá permaneceu até à sua morte em 1/10/1817, duas semanas depois da execução de Gomes Freire. Ambos os irmãos do Principal Sousa foram decisivos na luta contra os Franceses, sobretudo Domingos António de Sousa Coutinho, 1.º conde do Funchal, 1760-1833, que foi embaixador português em Londres e negociou com os Ingleses a ajuda militar a Portugal durante as Invasões Francesas. Por abominável que seja a imagem que se pinta deste Principal, ele foi o primeiro membro da Regência a pedir a D. João VI que regressasse de imediato a Lisboa, em carta de 1/6/1817, quando a conspiração se agigantava, alegando que só a presença do rei poderia regenerar o país e dar um novo alento ao povo. Por seu turno, William Carr Beresford (1760-1858), escreve também a D. João VI em 11/8/1817, dizendo: «if you wish the Crown of Portugal to remain in the Royal Family of Bragança His Majesty must return here, and those who would make you think the contrary are the King's enemies». E segundo afirmações feitas nessa mesma carta, não fazia parte do governo do reino e tinha com os seus membros uma relação muito discordante: «I have […] desisted form strong representations to the government for the object of maintaining at least an appearance of good understanding.» (cf. Malyn Newitt, Martin Robson, Lord Beresford e a Intervenção Britânica em Portugal — 1807-1820, Imprensa de Ciências Sociais, Instituto de Ciências Sociais, Lisboa, 2004.) Não deixa de ser curioso que alguns afirmem que uma das principais reivindicações dos conspiradores era precisamente o regresso do rei a Portugal, sendo sabido que os conspiradores não eram adeptos da monarquia, sobretudo da monarquia absoluta, e o próprio Gomes Freire não simpatizava nem com D. João VI nem com a Casa de Bragança… O que é certo, é que Beresford era um “conservador tory”, um militar pragmático e eficaz e mantinha-se em constante vigilância, tentando eliminar todas as sementes de rebelião e conspiração. Manuel Barradas não hesita em afirmar que tudo foi obra de Beresford: o interrogatório (feito pelo intendente geral da polícia, Barbosa de Magalhães, e dois ajudantes, Casal Ribeiro e João Gaudêncio), o julgamento sumário feito pelos juízes «António José Guião, Gomes Ribeiro, Dr. Vellasques, Leite Araújo, Ribeiro Saraiva» (nomeados pela Regência, após verem o relatório do interrogatório) e a ordem da própria execução. Em suma, fosse qual fosse a exacta composição da Regência, o que é certo, é que esta era fiel a D. João VI, maioritariamente conservadora e conhecia as intenções dos conspiradores.
     O outro (1961) é o tempo da autocracia do Estado Novo de Salazar, da censura, da repressão e do início da guerra colonial. É mais um tempo de conluio estreito entre as cúpulas da Igreja e as cúpulas do poder político. É um tempo asfixiante, sem liberdade de expressão, criação ou escolha livre, mesmo depois de a bancarrota ser ultrapassada e o país ter atingido uma relativa estabilidade. É este o tempo que Sttau Monteiro quer denunciar e condenar, através do outro em que encontra estreitas semelhanças. Efectivamente, o regime ditatorial, liderado por Salazar e o seu conselho, não deixava margem para qualquer abertura ou mudança; a Igreja colaborava estreitamente com o Estado e continuava a domesticar as mentes, não havia oposição nem eleições livres, que Humberto Delgado sempre reivindicou corajosamente. Havia uma polícia política (PIDE / DGS), sempre vigilante e atenta aos desvios de pensamento e acção, que ia enchendo os seus calabouços com verdadeiros contestatários radicais mas também com gente mais inócua que apenas queria viver em paz e livremente. Tive na minha família um bom exemplo disto mesmo; dois familiares foram detidos em momentos diferentes mas com acusações semelhantes, apesar de só um ser um verdadeiro contestatário e opositor feroz ao regime e a outra ser alguém que se mantinha à margem da política (para que não lhe acontecesse o que tinha acontecido ao nosso tio-avô) e queria apenas viver em paz e sossego… embora também seja verdade que o “tratamento” foi diferente: o primeiro foi preso e torturado sucessivas vezes, a segunda foi apenas interrogada e afastada das funções que desempenhava durante dois anos. Sempre me interroguei por que é que os “senhores doutores”, que pensavam o mesmo que o meu tio-avô, participavam nas mesmas reuniões, liam os mesmos livros… nunca foram presos nem torturados. Lá ficaram confortavelmente nas suas casas apalaçadas, fazendo vénias ao poder durante o dia e conspirando durante a noite, correspondendo com sorrisos condescendentes aos senhores que mandavam, incluindo os “pides” que lhes faziam vénias, e nem sequer intercederam pelo seu companheiro preso e torturado. Mais tarde, estes privilegiados e os seus descendentes vieram a ocupar cargos políticos, supostamente representando o “povo” que não tinham defendido, auto-intitulando-se arrogantemente “nós os democratas”, como se alguma vez tivessem agido como democratas. Enfim, a hipocrisia e a arrogância sempre existiram em todos os regimes e muitos continuam a tentar escapar por entre os pingos da chuva porque a ignorância, o conformismo e o medo que incutem lhes continuam a permitir isso. A verdadeira democracia começa e acaba no carácter e nos actos de cada um. Acordai!
   Na última década e meia do Estado Novo, havia sobretudo um novo monstro, a guerra colonial, agudizada precisamente a partir de 1961, com os combates em Angola. Essa foi a longa e terrível gota de água que fez transbordar o copo da opressão e do conformismo. Ninguém quer morrer numa guerra, ainda mais tão longe e com consequências imprevisíveis. Só batalhas avulsas poderiam ser ganhas, a guerra estava à partida irremediavelmente perdida. O último império colonial do mundo estava condenado a perecer como tinham perecido todos os outros. Para um país tão pequeno, o número oficial de vítimas é assustador (cerca de 9 000 militares, embora infinitamente menos do que durante as Invasões Francesas). O site oficial dos Veteranos da Guerra do Ultramar presta homenagem a cada um dos que tombaram, indicando os seus nomes um a um, porque cada vida é única e importante (http://ultramar.terraweb.biz/index_MortosGuerraUltramar_Portugal.htm). Segundo José Brandão, autor da Cronologia da Guerra – Angola – Guiné – Moçambique, 1961-1974, Editora Prefácio, aponta outros números igualmente assustadores. Terão sido mobilizados cerca de 800 000 combatentes; entre estes, houve cerca de 30 000 feridos evacuados, cerca de 100 000 feridos e doentes de que resultaram 14 000 deficientes físicos e cerca de 140 000 “neuróticos de guerra” (http://ultramar.terraweb.biz/06livros_JoseBrandao.htm).
     Ainda cheguei a conhecer a reta final desta tragédia, tive familiares que foram chamados a prestar serviço militar nesta guerra sangrenta e inglória. Lembro-me de estar constantemente a contar os anos que faltavam para o meu irmão fazer 18 anos e ser chamado e vivia apavorada com essa perspectiva. Nunca chegou a ser chamado, porque entretanto deu-se a Revolução de Abril e os militares regressaram. Por isso, ainda hoje, esta revolução representa para mim acima de tudo o fim desta guerra, o fim deste medo constante; depois vem tudo o resto.
     A falta de liberdade de expressão era verdadeiramente asfixiante, mas na minha casa falava-se abertamente e, apesar dos antecedentes, dos que já tinham sido perseguidos e presos, nunca houve silêncio acrítico, alinhamento ideológico com estes ou aqueles, conformismo, antes e depois da revolução. Hoje, a força dos media, muitas vezes alinhados com esta ou aquela facção, e do “clubismo político” parece muitas vezes a reedição desses tempos negros. Mas têm sido também os media a prestar um importante serviço de clarificação de tantos factos escondidos e repetidos no próprio âmago da democracia. Do sistema judicial espera-se equidade, coragem e transparência. Olhando os factos da última década e meia, fica-se com a nítida impressão de que são ainda poucos os que ousam cumprir aquilo que deveria ser o dever de todos. O juiz Carlos Alexandre e mais uns poucos são excepções quando deviam ser a regra. Os casos de fraude e corrupção existem por toda a parte precisamente porque existe a percepção de que é apenas um modo de vida que passa facilmente impune. E uma grande parte dos cidadãos lá continua na sua cegueira premeditada, atada às suas dependências políticas, às conveniências próprias e / ou dos “amigos”, como se vivessem ainda amordaçados numa outra época, a da ditadura. Esta ditadura da mentira, das aparências, da corrupção impune, dos fazedores de opinião, da ocultação da verdade, de favorecimento e absolvição dos desonestos e corruptos é uma outra forma de ditadura. Ainda hoje não há verdadeira liberdade de expressão, e não me refiro aos termos ou estilo da linguagem mas simplesmente à expressão livre da verdade dos factos. É preciso procurar constantemente a verdade, não perder nunca a memória, manter o espírito crítico independente e esclarecido. Acordai!
     Enfim, há de facto semelhanças entre os tempos de 1817 e de 1961, no entanto, nem as circunstâncias nem os seus protagonistas eram iguais. O que é realmente semelhante é o anseio de liberdade, de democracia, de dignidade humana… E ‘aqueles que anseiam’ eram e são ainda hoje sobretudo aqueles que pouco têm e aqueles que acreditam na renovação das sociedades à margem de ideologias e conveniências particulares. São eles os criadores de heróis, esperando que não se tornem em quimeras ou pereçam cedo demais, de forma quase sempre traiçoeira e maquiavélica, não vendo que afinal os únicos heróis reais são eles mesmos. Acordai!  
     Em ambos os tempos podemos encontrar a prepotência, a repressão, a censura, a omnipresença da Igreja manipuladora, a ignorância e pobreza dos mesmos de sempre. São acima de tudo estes que precisam de libertação e mudança mas não são eles os que a podem operar por si sós. «─ O que posso eu fazer? Sim, o que posso eu fazer?» ─ repete Manuel, “o mais consciencioso dos populares”, no início dos dois actos que constituem a peça. Sente-se revoltado, mas só e impotente. Por isso, precisam de heróis, procuram-nos desesperadamente, vêem-nos por entre o nevoeiro, seguem-nos e perdem-se eles próprios. A execução ignominiosa de Gomes Freire, sem um julgamento justo, vem roubar a uma parte deste povo abandonado um herói mas também lhes dá um novo alento, aquele que vem da raiva contida e da percepção de que é possível pôr um fim naquela escuridão. Simbolicamente, a morte de Gomes Freire serve para demonstrar que um ideal não morre e que a verdadeira revolução tem de ser verdadeiramente colectiva. Ou não é uma revolução, apenas um golpe de estado, uma troca de protagonistas nas cadeiras do poder.
    Aqueles que, imbuídos de toda a esperança, viram o dealbar do Liberalismo e a sua degradação, perceberam dolorosamente que o caminho das revoluções pode ser muito longo e tortuoso. Pelos muitos relatos desconhecidos sobre este período, percebe-se que os populares tiveram um papel fundamental na luta contra a ocupação francesa, mas deles não reza a história. Uniram-se por toda a parte em pequenos e grandes bandos, faziam emboscadas, faziam o mesmo que os exércitos invasores lhes faziam, não eram heróis, aristocratas nascidos em berço de ouro como Gomes Freire, não usavam fardas com botões reluzentes e patentes ostentadas nos ombros, eram pobres, esfomeados que queriam ser livres e ter pão para comer, eram anti-heróis defendendo com a própria vida a única coisa que ainda tinham, pelo menos na alma, o país em que tinham nascido e amavam acima de todas as coisas. Não eram guiados por ideais sublimes, por vezes era apenas a raiva e o desespero ou o fanatismo alimentado pelo púlpito. Estes anti-heróis nem sequer teriam percebido as palavras de José Gomes Ferreira (Acordai) e, no entanto, sentiam e ansiavam pela mesma coisa.  
     
     (1)     Insurreição de Pernambuco: «Nove réus foram enforcados e quatro foram arcabuzados (fuzilados). Muitos deles tiveram seus corpos mutilados depois de mortos. O Padre João Ribeiro suicidou-se, mas o seu corpo foi desenterrado, esquartejado e a sua cabeça exposta em praça pública. Um episódio que emocionou até os carrascos foi o de Vigário Tenório, que foi enforcado e decepado, teve as suas mãos cortadas e o corpo arrastado pelas ruas do Recife. Outras dezenas de revoltosos morreram na prisão.» (Cf. «Os personagens que fizeram a Revolução de 1817». Jornal do Commercio - http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cultura/noticia/2017/03/05/os-personagens-que-fizeram-a-revolucao-de-1817-272971.php; Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco. «Poder Legislativo de Pernambuco celebra Data Magna» -http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cultura/noticia/2017/03/11/revolucao-de-1817-uma-historia-ainda-pouco-ensinada-273860.php;Wikipedia:https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Pernambucana#cite_note-11


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