HERÓIS,
ANTI-HERÓIS E QUIMERAS - I
Felizmente Há Luar! de
Luís de Sttau Monteiro (1961), interpretado pelos alunos de Artes do
Espectáculo – Interpretação da Escola Secundária D. Pedro V, Lisboa -
27/2/2018, 1/3/2018, 2/3/2018. Encenação de Victor Sezinando.
Normalmente, reservo as últimas linhas
destes artigos para me referir à encenação e interpretação da peça. Mas desta
vez é precisamente por aí que vou começar, até porque uma boa parte do que
escrevo sobre a dimensão histórica deste texto e do seu “protagonista ausente”
pode aparentemente contradizer aquilo que vi e senti. Tenho a certeza de que o
autor, Luís de Sttau Monteiro, teria ficado tão rendido e comovido com esta
interpretação como eu fiquei e teria certamente sentido que esta encenação foi extremamente
fiel ao espírito do seu texto. Porque senti a extrema comoção nas palavras e
nos rostos, especialmente enquanto entoavam o Acordai (uma opção desta
encenação, letra de José Gomes Ferreira musicada por Fernando Lopes Graça) e
vi, através da lente, as lágrimas que rolaram dos olhos de tantos de vocês… só
pude dizer dentro de mim “isto é mais do que apenas representar, isto é
verdadeiramente interpretar e sentir”. E mais uma vez pensei, sim, o verdadeiro
cerne do teatro são as emoções, seja qual for a situação, tempo ou contexto
histórico, social ou político. O próprio cenário, na sua despojada e geométrica
frieza, foi o espaço perfeito para retratar um tempo-fronteira; não havia para
onde fugir, não havia um refúgio, tudo o que havia a fazer era perecer ou
mudar, de dentro para fora, acordando e começando verdadeiramente a sonhar e a
realizar. Era apenas uma utopia? Era também uma utopia mas não apenas uma
quimera que logo se evapora. O breve trecho do Le Chant des Partisans, de Anna
Marly, canto da resistência francesa contra o ocupante nazi, foi de uma extrema
adequação e ironia. Na época retratada nesta peça, o ocupante que tinha
devastado meia Europa eram precisamente os Franceses. Em ambos os casos, os
ditadores caíram. A utopia da libertação perdurou e perdura. Seria realmente
muito difícil fazer melhor. Uma enorme vénia para todos.
No panorama da dramaturgia nacional,
Felizmente Há Luar! pode ser classificada como uma obra de natureza crítica histórico-política. E foi de facto
assim que o autor a concebeu. No entanto, como acontece em tantas obras
datadas, circunscritas a um contexto histórico concreto, também em Felizmente
há Luar! podemos encontrar uma dimensão mais intemporal, até porque o próprio
autor se serviu de um período da nossa história (o período que antecede a
Revolução Liberal de 1820) para retratar outro (1961, a fase do Estado Novo em
que o regime começava a desmoronar-se, cerca de treze anos antes da Revolução
de 25 de Abril de 1974).
Por isto mesmo, o que escrevo a seguir
pode parecer paradoxal. Mas não o é se passarmos do plano geral da história convencional
para o plano mais particular da conduta humana, da personalidade, do carácter,
das emoções ou da história individual e do quotidiano das pessoas reais.
Sempre me pareceu que a essência que vejo
nesta obra ─ o ideal intemporal de liberdade e democracia e a sinceridade das
mais profundas emoções humanas ─ poderia ser melhor apreendida por um leitor /
espectador menos esclarecido sobre o contexto histórico da acção e a vida do
“protagonista ausente”, o general Gomes Freire de Andrade. De certo modo, esse
conhecimento pode até destruir parcialmente a figura do herói e esbater o
paralelismo entre o tempo da acção (1817) e o tempo da escrita (1961) que está
implícito na obra. Gomes Freire foi um homem volúvel que serviu causas
completamente opostas, muitas vezes com motivações meramente pessoais; Humberto
Delgado (que Gomes Freire simboliza) primou sempre por uma extrema coerência e
perseverou sempre no mesmo rumo. O paralelismo não é verdadeiramente histórico,
é mais metafórico e simbólico. É óbvio que com o passado se pretende
representar um presente que a censura nunca permitiria denunciar e condenar. E
são também evidentes as afinidades entre os regimes políticos e algumas das
circunstâncias. E é também sabido que o autor estabeleceu esse paralelismo como
quem pretende demonstrar que a história se repete e se muda, se for essa a
vontade dos povos… ou pelo menos daqueles que de uma forma ou outra têm o poder
para operar uma mudança radical. Mas conhecer mais profundamente a história e
os seus protagonistas pode também diluir a força motriz de uma ideia
libertadora que Gomes Freire, entre outros, representou, pelo menos para uma
minoria. Ele não foi apenas um herói, nos seus círculos restritos, foi também
um anti-herói (adiante e no post
seguinte veremos porquê).
Em 1961 nem sequer havia espaço para
heróis libertadores. O início da guerra colonial serviu para assustar e acender
ainda mais a chama da revolta, mas também para agregar em torno do “chefe da
nação” (Salazar) uma grande maioria. Só depois de muitos milhares de mortos se
tornou evidente que o Império nunca regressaria e o Estado Novo estava
moribundo, acabando por morrer simultaneamente de morte natural e por agregação
da vontade popular em torno do Movimento das Forças Armadas que permitiu o
sucesso da Revolução de 25 de Abril de 1974, uma das revoluções mais pacíficas
do mundo apesar de ter sido iniciada por forças militares.
Depois da Revolução Liberal de 1820
perde-se a maior das colónias, o Brasil, que se tornou oficialmente
independente em 1822. Depois de 1974, perde-se o resto do mais antigo e
duradouro império colonial do mundo. Em ambos os casos houve heróis,
anti-heróis e quimeras. Este pequeno jardim à beira-mar plantado alcançou o seu
quinhão de liberdade (não tanto de igualdade, fraternidade ou justiça social).
Os outros povos (das ex-colónias) estão ainda à espera de liberdade plena…
parece que a independência não bastou para alcançar a paz, a democracia, a equidade
social… Muitos continuam à espera de heróis verdadeiramente libertadores…
muitos continuam a erguer os mesmos estandartes com mãos ensanguentadas…
Em 1817, os “heróis” provinham muitas
vezes de uma área nebulosa em que as ideias se transformavam rapidamente em
acções radicais. A própria ideia de “revolução” era tomada pelo poder
instituído como sinónimo de derrame de sangue e apocalipse, mesmo que as mãos
ensanguentadas erguessem fervorosamente o estandarte dos mais belos ideais:
“liberdade, igualdade, fraternidade”. Em Paris, após a Revolução Francesa
(1789), que apregoava precisamente a liberdade, a igualdade, a fraternidade, a
guilhotina tinha feito rolar cerca de 30 000 cabeças, nem todas de déspotas,
opressores, dogmáticos. Entre as cabeças que rolaram estavam as dos próprios
monarcas, Luís XVI e Maria Antonieta (1793). Não admira, pois, que todas as
monarquias da Europa fizessem todos os possíveis para manter o trono e evitar
tal banho de sangue. Em Portugal, completamente saqueado, e parcialmente
destruído pelos Franceses e ainda “abandonado” pelo seu próprio rei, as
circunstâncias eram demasiado peculiares e instáveis e os heróis estavam longe
de ser perfeitos.
Muitos factos desta época continuam a ser
controversos e a suscitar múltiplas interpretações. Um deles é a partida de D.
João VI (príncipe regente em nome de sua mãe, a rainha D. Maria I) para o
Brasil que, até à sua independência (1822), passaria a ser a verdadeira capital
do reino e do império colonial. A partida do monarca às 11 horas da manhã do
dia 27 de Novembro de 1807 do cais de Belém, cerca de três dias antes da
chegada das tropas invasoras francesas comandadas pelo general Junot, foi um
dos mais rudes golpes para o orgulho nacional. Como é natural, uma parte da
população pensou, “que monarca é este que nos abandona cobardemente quando
estamos em maior perigo?” Poucos seriam os que conheciam os tratados e as leis
internacionais que lhes permitissem pensar de outro modo. No entanto, se o
monarca tivesse permanecido em território nacional e tivesse sido obrigado a
render-se aos exércitos de Napoleão, teria sido executado e Portugal teria sido
apenas mais uma conquista do déspota megalómano. Portugal seria apenas mais um
território francês e espanhol, tal como estava estipulado no Tratado de
Fontainebleau, assinado secretamente por Napoleão e Carlos IV de Espanha em 27
de Outubro de 1807. Este tratado visava dividir Portugal em três partes
repartindo-as entre aquelas duas nações, embora seja evidente que Napoleão não
repartiria nada com ninguém, tal como demonstrou ao longo de toda a sua
campanha de conquistas e destruição. Fugindo para uma colónia portuguesa, o
monarca português gorava o intuito de Napoleão, transformando a pretensa
conquista numa invasão e ocupação e deste modo a soberania nacional permanecia
sendo apenas exercida a partir de outro ponto do globo. Mas Napoleão conhecia
os tratados internacionais e a sua fúria por não ter conseguido capturar e
executar o rei português levou-o a pôr em prática a mais feroz campanha militar
contra um país tão pequeno. Não houve nada que não tivesse tentado destruir: o
exército, o erário público, as vidas humanas, a identidade nacional. A
correspondência com Junot demonstra bem a sua fúria e arrogância.
Logo em 1808, ainda durante a primeira
invasão, D. João VI acaba por declarar guerra à França (10/6/1808) e ocupa a
Guiana Francesa. Por mais ridículo e patético que seja o retrato que se tem
pintado deste rei, nem todas as decisões foram tão más como muitos querem fazer
crer. Na verdade, seria difícil conseguir manter a independência e o governo do
reino de outra forma. São deveras curiosos os panfletos anónimos que apelavam
aos Portugueses para que recebessem os Franceses de braços abertos, porque “os
Ingleses eram pérfidos” e era melhor ser governado pelo “excelso Imperador
Napoleão” do que por um mau rei ou uma regência por si nomeada. Veja-se, por
exemplo o «Aviso de hum religioso portuense a seus concidadãos. - Porto, 1809 -
Porto, Typographia de António Alvarez Ribeiro (http://purl.pt/13948).
Mais do que a partida para o Brasil, o
mais questionável é o seu regresso tardio, a que não foram certamente estranhas
as rebeliões (Pernambuco, 1817) dos independentistas brasileiros. Aí sim, podemos
ver algumas semelhanças com Salazar, alimentando a ilusão de poder manter
intacto o império colonial. A insurreição de Pernambuco, (1) também
conhecida como a Revolução dos Padres, foi ainda mais duramente reprimida do
que a dos conspiradores de Lisboa, também em 1817. Obviamente em vão, porque
não seria possível travar a independência do Brasil (1822). D. João VI
(1767-1826) regressou apenas em 1821 (14 anos depois de ter partido), após a
Revolução Liberal de 1820 e jura a efémera Constituição em 1822. Mesmo em 1826,
ano da sua morte, continuava a tentar manter Portugal e o Brasil unidos! E o
mesmo defendiam vários deputados brasileiros com assento nas Cortes de Lisboa.
Obviamente, os liberais nunca aceitaram
esta interpretação da partida de D. João VI mas a diplomacia de então
corrobora-a. Uma coisa é combater a monarquia absoluta, prepotente e obtusa,
outra é deixar que a ideologia se sobreponha à própria existência do país
enquanto nação independente. Esse é o mal de todas as ideologias que se servem
de todos os meios para atingir os seus fins. Na verdade, em muitos momentos o
Liberalismo não foi melhor do que o Absolutismo. Tal como o Carlos das Viagens na Minha Terra de Garrett, que
de soldado liberal idealista se transforma em barão burguês e acomodado, o
mesmo fizeram muitos liberais que além de acomodados se tornaram radicais e
intolerantes. De tal modo que os mais radicais foram tão repressivos como os
absolutistas e os seus sucessores acabaram por assassinar o seu próprio rei (D.
Carlos) em 1908. E, na realidade bem nua e crua, o povo (em sentido lato) lá
ficou onde estava antes, no regime liberal, no regime republicano, na ditadura
do Estado Novo…
Seria necessário mais de um século e meio
para que as coisas começassem lentamente a mudar e ainda há tanto para fazer,
começando na conduta de cada um de nós. Os índices de corrupção, de
desonestidade e abuso do poder, por pequeno que seja, demonstram bem que há
ainda muito para fazer. Às vezes imagino Marx e Cristo em amena conversa sobre
a renovação da Humanidade. Diz Cristo (como de facto disse): “Antes de mudarem
os reinos têm de mudar os corações dos homens”. E logo contrapõe Marx, como se
estivesse a dizer algo completamente diferente (citação livre): “Para mudarem
as sociedades devem primeiro mudar as consciências dos homens”. Onde está o
povo agora? Que corações e consciências mudaram? Quem acordou e quem continua
adormecido? Caminhamos para o meio século de democracia (nos preceitos, nas
estruturas governativas)… Meio século é muito tempo, a liberdade (tantas vezes
manipulada) não chega, a democracia é feita de infinitos actos individuais, dos
governantes e dos governados. Que cidadãos livres e responsáveis são estes que
cometem crimes, ocultam, manipulam e perseveram na arrogância e
irresponsabilidade? Se olharmos bem nas entrelinhas há muito que não mudou
entre 1817, 1961 e 2018… salvaguardando as diferenças de conjuntura e de
personalidade dos intervenientes. Acordai!
Mas regressemos ao contexto do tempo
histórico da acção. Seja qual for a interpretação, o que é certo, é que o país
perdeu muito com a partida do príncipe regente para o Brasil e perdeu muito
mais com as Invasões Francesas. Com o rei partiram cerca de 15 000 pessoas,
entre militares, cortesãos, servidores do estado, a família real e serviçais.
Para o Brasil foram também centenas de caixotes de livros da Biblioteca Real
(que viriam a constituir o fundo principal da Real Biblioteca do Rio de
Janeiro), milhares de obras de arte e de peças em ouro e prata. Há uma certa
ironia neste facto, uma vez que a maior parte do ouro tinha vindo precisamente
do Brasil!
Contudo, a devastação causada pelas três
Invasões Francesas foi muito maior e teria ocorrido mesmo que o rei tivesse
permanecido em Lisboa. O exército estava desorganizado e mal equipado e só por
si seria insuficiente para fazer frente às hostes napoleónicas. Sem o apoio
crucial dos aliados ingleses o desenlace teria sido ainda pior. Por razões que
só podem ser de natureza ideológica, muita da destruição e horror causados
pelas invasões têm sido branqueados mesmo por historiadores muito esclarecidos.
Tal como tem acontecido com muitos outros factos históricos à volta do mundo ao
longo do tempo. Neste domínio, o jornalismo de investigação tem prestado um serviço
à história e à informação. Mas, para quem quiser conhecer a realidade, não há
nada melhor do que descer à verdade dos documentos manuscritos espalhados pelos
arquivos nacionais e estrangeiros. Foi aí que, fora dos livros de história,
conheci os horrores das Invasões Francesas. São arquivos abertos ao público,
qualquer pessoa pode consultar esses documentos coevos redigidos por quem viveu
aquela época, embora seja necessária alguma cautela porque também aí houve
desaparecimento e manipulação da informação.
Nasci precisamente num território
devastado pela 3.ª invasão, comandada por Massena e Loison, conhecido como o
Maneta. Só nas primeiras duas horas após a chegada das tropas francesas à
cidade da Guarda, lideradas por Loison, foram executados cerca de 300 civis
como forma de impor o medo e a imobilidade. Noventa por cento das pessoas eram
gente simples, homens, mulheres e crianças, mendigos, maltrapilhos e aleijados.
Uma espécie de eugenia, ignóbil como todas as eugenias. Episódios como este
aconteceram muitos por todo o território durante as três invasões francesas.
Embora as contas continuem até hoje por fazer com exactidão (parece que muitos
sabem quantos estavam vivos no início dos combates, pelo menos militares, mas
ninguém sabe ao certo quantos estavam mortos no final, pelo menos civis…),
terão perecido cerca de 250 000 portugueses, militares e civis, durante os
combates e a resistência; e quase outros tantos em consequência de ferimentos,
tortura, doenças e fome. Quando olhei para aquele extraordinário grupo de
populares no palco, aquilo que vi foi, antes de mais, aqueles que sofreram e
pereceram ou perseveraram.
Os actos de rapina atingiram tudo e todos,
modestas casas particulares, palácios, instituições públicas, igrejas e
conventos. Nada que tivesse valor material ficava para trás (ouro, prata, obras
de arte, a louça, os talheres, as alfaias religiosas, as armas, os
medicamentos, os alimentos). Uma parte do saque ficou dispersa pelas mãos dos
soldados franceses, mas a maior parte foi para os cofres de Napoleão para
ajudar a financiar outras conquistas, saques e a morte de muitos milhares. Por
outra via, hipocritamente mais limpa, Napoleão ordenou logo na primeira invasão
a aplicação de elevados impostos sobre Portugal, que deveriam perfazer 100
milhões de francos. Em seguida, aplicou pela força outras colectas de muitos
milhões. O dinheiro, bens e terras dos aristocratas não-alinhados com os
Franceses (que eram quase todos) foram confiscados. Muitos modestos
proprietários tiveram a mesma sorte. E o mesmo aconteceu aos civis Ingleses,
que foram expulsos do reino, sendo-lhes confiscados todos os bens. Mesmo os
mais humildes lavradores e camponeses que nada possuíam foram obrigados a “contribuir”
com dinheiro, alimentos, cavalos e tudo o que tivesse algum valor. A recusa
tinha sempre o mesmo resultado: a prisão, a tortura e a execução pública, com
ou sem luar, para amedrontar os restantes.
Uma certa Páscoa, há mais de vinte anos
atrás, em vez de gozar as férias, aproveitei para mergulhar no arquivo
distrital de Viana do Castelo. Andava a fazer uma investigação completamente
diferente, mas acabei por me cruzar com muitos relatos manuscritos sobre a
morte e destruição naquela zona durante a segunda invasão, comandada por Soult
em 1809. Tentei encontrar entre os milhares de documentos e notas que andam cá
por casa, as cópias que consegui de alguns desses documentos. Com grande pena
minha não os encontrei. Seja como for, os relatos são semelhantes por toda a
parte: violência extrema, execuções sumárias, pilhagem, tortura, violação,
espancamento e linchamento sem olhar a quem. Os militares portugueses podem ter
sido mortos, desautorizados e humilhados mas os civis não sofreram menos. Há
muitas imagens desses relatos que nunca saíram da minha cabeça. Um deles é o de
uma velha camponesa que não se desviou das tropas francesas quando estas tentavam
atravessar uma ponte. A “solução” foi imediata. Após espancamento, foi lançada
ao rio juntamente com outras pessoas.
Entre os documentos digitalizados pela
Biblioteca Nacional de Lisboa, não se encontram estes relatos, apenas algumas
referências; existem sim obras de alguns autores que se rebelaram contra a
ocupação francesa e tentaram denunciar as atrocidades, assim como relatos sobre
as surpreendentes vitórias de grupos populares rebeldes. Encontram-se também
muitos documentos interessantes que dão imagens diversas da ocupação francesa.
Se por um lado encontramos os escritos, quase sempre anónimos, contra os
Franceses (publicados com grande risco durante a ocupação), e as ordens e
editais de Napoleão e Junot que demonstram até que ponto Portugal foi
maltratado e espoliado, encontramos também obras apologéticas e documentos em
que os franceses pretendem, nas palavras, fazer crer que vieram para nos salvar
de um monstro (a monarquia absoluta e D. João VI) e espalhar por toda a parte a
“liberdade, a igualdade e fraternidade” com toda a benevolência… É preciso ver
tudo, é preciso ler tudo para que a história não seja reduzida a uma banda
desenhada em quadradinhos ou um catecismo político.
Para encontrar de forma fácil e acessível
muita documentação, podem também consultar-se os muitos documentos
digitalizados pelas universidades americanas e canadianas, pela Biblioteca do
Congresso Americano e pela Biblioteca Pública de Nova Iorque, entre outras.
Insólito? Nem por isso. Quem tinha dinheiro comprou essas obras e documentos há
muito tempo. Eu própria, no tempo em que tinha tempo para passar horas
esquecida nos alfarrabistas de Lisboa, me cruzei inúmeras vezes com americanos,
canadianos, franceses, ingleses, alemães… que vinham comprar preciosidades. Na
altura, condenei veementemente o facto de o governo português permitir que se
levassem tais obras para fora do país. Passados alguns anos, com a vinda da
internet, descobri gradualmente os arquivos digitais e a minha opinião mudou
radicalmente. Enquanto muitos levaram os documentos para parte incerta e
sabe-se lá onde estão hoje, os americanos e os canadianos digitalizaram com
enorme qualidade milhares de obras e documentos e têm tudo disponível para os
investigadores e o público em geral.
Quando aos 10/11 anos estudei pela
primeira vez a Revolução Francesa ainda não conhecia detalhes como os que li
nos manuscritos empoeirados, detalhes que nunca vêm nos manuais de história.
Estava em Almeida, vila parcialmente destruída pelos Franceses, e em redor da
fortaleza ainda era possível encontrar balas de canhão, botões de fardas
militares e pedaços de metal que pareciam pertencer a baionetas e outras armas.
Muitos destes objectos estavam entranhados na terra e vinham à superfície
quando os terrenos eram lavrados. Este foi o meu primeiro contacto com a
história real das Invasões Francesas. No Hospital de Sangue parecia sentir-se
ainda o cheiro do sangue e os gritos lancinantes dos feridos. Talvez por tudo
isto e muito mais, sempre tive dificuldade em associar à Revolução Francesa e a
tudo o que ela trouxe (as execuções sumárias aos milhares, a ocupação e
devastação de meia Europa) aquilo que os Liberais apregoavam como uma nova era
de esperança, de liberdade, igualdade e fraternidade… Pois é, as ideologias
podem ser muito perigosas, sobretudo quando a prática nada tem a ver com os
ideais!
Sobre Gomes Freire e a sua estreita
colaboração com os Franceses falarei no post
seguinte. Não sei o que os jovens intérpretes estudaram sobre esta época e o
que sabem realmente sobre Gomes Freire. E aqui volto ao início. Às vezes, para
se ser fiel a uma ideia é preferível não saber muito. A própria intenção do
autor perderia força. O que importa é a luta contra a prepotência, a defesa da
liberdade e da dignidade humana. Essa ideia é intemporal e poderia ter muitos
nomes; Sttau Monteiro escolheu Gomes Freire, por motivos óbvios. Porque a sua
história fazia lembrar Humberto Delgado (também assassinado por motivos
políticos), porque era opositor à monarquia absoluta e foi vítima de
perseguição e repressão política. Gomes Freire torna-se mártir ainda antes de o
ser, porque a tónica é colocada no ideal que ele representa, mesmo que não o
seja integralmente. As ideias não têm corpo, são intemporais e imortais. Gomes
Freire faz lembrar o cadáver de D. Sebastião nas areias de Alcácer Quibir, tal
como Fernando Pessoa o vê na Mensagem.
O rei, em quem se depositava toda a esperança (embora tivesse sido um ingénuo
sonhador e irresponsável) pereceu mas o sonho perdurou, foi mais do que o
“cadáver adiado que procria”, uma das expressões mais revolucionárias que
alguém já escreveu porque deposita em cada ser a responsabilidade de ser integralmente
humano, de construir um mundo mais justo e transparente. É uma outra forma de
dizer “Acordai!”.
Em Felizmente Há Luar!, o protagonista
(Gomes Freire) permanece ausente do princípio ao fim, não só porque vai ser um
mártir executado no final, fora de cena, mas sobretudo porque ele representa
antes de mais uma ideia, um ideal. Por isso, independentemente da sua história
real, das suas incongruências, da sua ambição pessoal, ele tornou-se também na
mente de muitos mais do que o “cadáver adiado que procria”, inspirando as
mudanças históricas que se seguiriam. Conhecer todo o contexto histórico e
todos os detalhes da vida de Gomes Freire implicaria destruir uma grande parte
da ideia e do ideal.
Mas voltemos ao paralelismo entre o tempo
da história e o tempo da escrita, que não são iguais mas apenas semelhantes
como tantos outros tempos.
O primeiro tempo (1817) é o tempo
conturbado que precede a Revolução Liberal de 1820, depois da devastação
causada pelas Invasões Francesas e durante a ausência de D. João VI no Brasil,
substituído por uma Regência que foi mudando de constituição, tanto em número
de membros como em nomes. Segundo Sttau Monteiro, nesse tempo, a Regência era
tripartida e sobressaíam nela a facção mais conservadora, representada por D.
Miguel Pereira Forjaz; a Igreja dogmática e manipuladora personificada pelo
Principal Sousa; e a ingerência do poder estrangeiro nos assuntos nacionais,
representada pelo britânico William Carr Beresford. Curiosamente, Manuel
Barradas, biógrafo apologético de Gomes Freire (O General Gomes Freire de
Andrade, Lisboa, 1892), afirma que nesse ano apenas faziam parte da Regência,
«António José Miranda, o marquês de Olhão, o conde de Peniche, o marquês de
Borba e D. Miguel Forjaz» (p. 51).
Segundo consegui apurar, António José de
Miranda Henriques (1761-1835) foi um militar de relevo na luta contra os
invasores, agraciado com o título de 1.º visconde de Sousel (1811) pelos
serviços prestados na defesa do país. O marquês de Olhão era D. Francisco José
da Cunha de Mendonça e Menezes (1761-1821), desempenhou entre outros cargos o
de presidente do senado da Câmara de Lisboa, o de governador militar do Algarve
durante as invasões e foi membro da Regência do Reino em 1807 (suplente) e em
1809, onde conjuntamente com outros três representava “os generais do
exército”; segundo o redactor do artigo da wikipédia, terá também sido membro
da Regência de 1809 a 1820 (?). Liderou a revolta de militares e populares no
Algarve, tendo tentado avançar sobre Lisboa para a libertar de Junot. Acabou
por ser obrigado a deter-se quando se encontrava na zona de Palmela devido à
assinatura da Convenção de Sintra (1808), contra a qual protestou
veementemente, tal como Bernardim Freire de Andrade. O conde de Peniche era D.
Caetano José de Noronha e Albuquerque (1753-1829), foi governador e capitão-mor
do Algarve; não consegui encontrar o seu nome em nenhuma das listas da
regência. O marquês de Borba será Fernando Maria de Sousa Coutinho, 2.º Marquês
de Borba e 14.º Conde de Redondo (1776-1834); de entre vários cargos,
desempenhou o de membro da Regência entre 1810 e 1820 e o de presidente do Real
Erário em 1810. E D. Miguel Forjaz é obviamente D. Miguel Pereira Forjaz
Coutinho Barreto de Sá Resende de Magalhães (1769-1827); foi membro da Regência
até à sua dissolução, em 1820, exceptuando-se a regência francesa de 1808 com a
qual nunca pactuou. Quando Junot se apodera do governo, D. Miguel retira-se
para a província e dirige-se depois para o Porto onde conjuntamente com o seu
primo, Bernardim Freire de Andrade (ambos primos de Gomes Freire de Andrade),
reorganiza o exército português para combater os invasores. Em 1826, após a
outorga da Carta Constitucional, é eleito par do reino, mas morre logo no ano
seguinte. Alguns autores imputam-lhe a responsabilidade do processo sumário
contra Gomes Freire.
O Principal Sousa (D. José António de
Meneses de Sousa Coutinho, nascido tal como Gomes Freire em 1757, foi nomeado
para a Regência em 24/5/1810 e lá permaneceu até à sua morte em 1/10/1817, duas
semanas depois da execução de Gomes Freire. Ambos os irmãos do Principal Sousa
foram decisivos na luta contra os Franceses, sobretudo Domingos António de
Sousa Coutinho, 1.º conde do Funchal, 1760-1833, que foi embaixador português
em Londres e negociou com os Ingleses a ajuda militar a Portugal durante as
Invasões Francesas. Por abominável que seja a imagem que se pinta deste
Principal, ele foi o primeiro membro da Regência a pedir a D. João VI que
regressasse de imediato a Lisboa, em carta de 1/6/1817, quando a conspiração se
agigantava, alegando que só a presença do rei poderia regenerar o país e dar um
novo alento ao povo. Por
seu turno, William Carr Beresford (1760-1858), escreve também a D. João VI em
11/8/1817, dizendo: «if you wish the Crown of Portugal to remain in the Royal
Family of Bragança His Majesty must return here, and those who would make you
think the contrary are the King's enemies». E segundo afirmações feitas
nessa mesma carta, não fazia parte do governo do reino e tinha com os seus
membros uma relação muito discordante: «I have […] desisted form strong
representations to the government for the object of maintaining at least an
appearance of good understanding.» (cf. Malyn Newitt, Martin
Robson, Lord Beresford e a Intervenção Britânica em Portugal — 1807-1820,
Imprensa de Ciências Sociais, Instituto de Ciências Sociais, Lisboa, 2004.) Não
deixa de ser curioso que alguns afirmem que uma das principais reivindicações
dos conspiradores era precisamente o regresso do rei a Portugal, sendo sabido
que os conspiradores não eram adeptos da monarquia, sobretudo da monarquia
absoluta, e o próprio Gomes Freire não simpatizava nem com D. João VI nem com a
Casa de Bragança… O que é certo, é que Beresford era um “conservador tory”, um
militar pragmático e eficaz e mantinha-se em constante vigilância, tentando
eliminar todas as sementes de rebelião e conspiração. Manuel Barradas não
hesita em afirmar que tudo foi obra de Beresford: o interrogatório (feito pelo
intendente geral da polícia, Barbosa de Magalhães, e dois ajudantes, Casal
Ribeiro e João Gaudêncio), o julgamento sumário feito pelos juízes «António
José Guião, Gomes Ribeiro, Dr. Vellasques, Leite Araújo, Ribeiro Saraiva»
(nomeados pela Regência, após verem o relatório do interrogatório) e a ordem da
própria execução. Em suma, fosse qual fosse a exacta composição da Regência, o
que é certo, é que esta era fiel a D. João VI, maioritariamente conservadora e
conhecia as intenções dos conspiradores.
O outro (1961) é o tempo da autocracia do
Estado Novo de Salazar, da censura, da repressão e do início da guerra
colonial. É mais um tempo de conluio estreito entre as cúpulas da Igreja e as
cúpulas do poder político. É um tempo asfixiante, sem liberdade de expressão,
criação ou escolha livre, mesmo depois de a bancarrota ser ultrapassada e o
país ter atingido uma relativa estabilidade. É este o tempo que Sttau Monteiro
quer denunciar e condenar, através do outro em que encontra estreitas
semelhanças. Efectivamente, o regime ditatorial, liderado por Salazar e o seu
conselho, não deixava margem para qualquer abertura ou mudança; a Igreja
colaborava estreitamente com o Estado e continuava a domesticar as mentes, não
havia oposição nem eleições livres, que Humberto Delgado sempre reivindicou corajosamente.
Havia uma polícia política (PIDE / DGS), sempre vigilante e atenta aos desvios
de pensamento e acção, que ia enchendo os seus calabouços com verdadeiros
contestatários radicais mas também com gente mais inócua que apenas queria
viver em paz e livremente. Tive na minha família um bom exemplo disto mesmo;
dois familiares foram detidos em momentos diferentes mas com acusações
semelhantes, apesar de só um ser um verdadeiro contestatário e opositor feroz
ao regime e a outra ser alguém que se mantinha à margem da política (para que
não lhe acontecesse o que tinha acontecido ao nosso tio-avô) e queria apenas
viver em paz e sossego… embora também seja verdade que o “tratamento” foi
diferente: o primeiro foi preso e torturado sucessivas vezes, a segunda foi
apenas interrogada e afastada das funções que desempenhava durante dois anos.
Sempre me interroguei por que é que os “senhores doutores”, que pensavam o
mesmo que o meu tio-avô, participavam nas mesmas reuniões, liam os mesmos
livros… nunca foram presos nem torturados. Lá ficaram confortavelmente nas suas
casas apalaçadas, fazendo vénias ao poder durante o dia e conspirando durante a
noite, correspondendo com sorrisos condescendentes aos senhores que mandavam,
incluindo os “pides” que lhes faziam vénias, e nem sequer intercederam pelo seu
companheiro preso e torturado. Mais tarde, estes privilegiados e os seus
descendentes vieram a ocupar cargos políticos, supostamente representando o
“povo” que não tinham defendido, auto-intitulando-se arrogantemente “nós os
democratas”, como se alguma vez tivessem agido como democratas. Enfim, a
hipocrisia e a arrogância sempre existiram em todos os regimes e muitos
continuam a tentar escapar por entre os pingos da chuva porque a ignorância, o
conformismo e o medo que incutem lhes continuam a permitir isso. A verdadeira
democracia começa e acaba no carácter e nos actos de cada um. Acordai!
Na última década e meia do Estado Novo,
havia sobretudo um novo monstro, a guerra colonial, agudizada precisamente a
partir de 1961, com os combates em Angola. Essa foi a longa e terrível gota de
água que fez transbordar o copo da opressão e do conformismo. Ninguém quer
morrer numa guerra, ainda mais tão longe e com consequências imprevisíveis. Só
batalhas avulsas poderiam ser ganhas, a guerra estava à partida
irremediavelmente perdida. O último império colonial do mundo estava condenado
a perecer como tinham perecido todos os outros. Para um país tão pequeno, o
número oficial de vítimas é assustador (cerca de 9 000 militares, embora infinitamente
menos do que durante as Invasões Francesas). O site oficial dos Veteranos da
Guerra do Ultramar presta homenagem a cada um dos que tombaram, indicando os
seus nomes um a um, porque cada vida é única e importante (http://ultramar.terraweb.biz/index_MortosGuerraUltramar_Portugal.htm).
Segundo José Brandão, autor da Cronologia da Guerra – Angola – Guiné –
Moçambique, 1961-1974, Editora Prefácio, aponta outros números igualmente
assustadores. Terão sido mobilizados cerca de 800 000 combatentes; entre estes,
houve cerca de 30 000 feridos evacuados, cerca de 100 000 feridos e doentes de
que resultaram 14 000 deficientes físicos e cerca de 140 000 “neuróticos de
guerra” (http://ultramar.terraweb.biz/06livros_JoseBrandao.htm).
Ainda cheguei a conhecer a reta final
desta tragédia, tive familiares que foram chamados a prestar serviço militar
nesta guerra sangrenta e inglória. Lembro-me de estar constantemente a contar
os anos que faltavam para o meu irmão fazer 18 anos e ser chamado e vivia
apavorada com essa perspectiva. Nunca chegou a ser chamado, porque entretanto
deu-se a Revolução de Abril e os militares regressaram. Por isso, ainda hoje,
esta revolução representa para mim acima de tudo o fim desta guerra, o fim
deste medo constante; depois vem tudo o resto.
A falta de liberdade de expressão era
verdadeiramente asfixiante, mas na minha casa falava-se abertamente e, apesar
dos antecedentes, dos que já tinham sido perseguidos e presos, nunca houve
silêncio acrítico, alinhamento ideológico com estes ou aqueles, conformismo,
antes e depois da revolução. Hoje, a força dos media, muitas vezes alinhados
com esta ou aquela facção, e do “clubismo político” parece muitas vezes a
reedição desses tempos negros. Mas têm sido também os media a prestar um
importante serviço de clarificação de tantos factos escondidos e repetidos no
próprio âmago da democracia. Do sistema judicial espera-se equidade, coragem e
transparência. Olhando os factos da última década e meia, fica-se com a nítida
impressão de que são ainda poucos os que ousam cumprir aquilo que deveria ser o
dever de todos. O juiz Carlos Alexandre e mais uns poucos são excepções quando
deviam ser a regra. Os casos de fraude e corrupção existem por toda a parte
precisamente porque existe a percepção de que é apenas um modo de vida que
passa facilmente impune. E uma grande parte dos cidadãos lá continua na sua
cegueira premeditada, atada às suas dependências políticas, às conveniências
próprias e / ou dos “amigos”, como se vivessem ainda amordaçados numa outra
época, a da ditadura. Esta ditadura da mentira, das aparências, da corrupção
impune, dos fazedores de opinião, da ocultação da verdade, de favorecimento e
absolvição dos desonestos e corruptos é uma outra forma de ditadura. Ainda hoje
não há verdadeira liberdade de expressão, e não me refiro aos termos ou estilo
da linguagem mas simplesmente à expressão livre da verdade dos factos. É
preciso procurar constantemente a verdade, não perder nunca a memória, manter o
espírito crítico independente e esclarecido. Acordai!
Enfim, há de facto semelhanças entre os
tempos de 1817 e de 1961, no entanto, nem as circunstâncias nem os seus
protagonistas eram iguais. O que é realmente semelhante é o anseio de
liberdade, de democracia, de dignidade humana… E ‘aqueles que anseiam’ eram e
são ainda hoje sobretudo aqueles que pouco têm e aqueles que acreditam na renovação
das sociedades à margem de ideologias e conveniências particulares. São eles os
criadores de heróis, esperando que não se tornem em quimeras ou pereçam cedo
demais, de forma quase sempre traiçoeira e maquiavélica, não vendo que afinal
os únicos heróis reais são eles mesmos. Acordai!
Em ambos os tempos podemos encontrar a
prepotência, a repressão, a censura, a omnipresença da Igreja manipuladora, a
ignorância e pobreza dos mesmos de sempre. São acima de tudo estes que precisam
de libertação e mudança mas não são eles os que a podem operar por si sós. «─ O
que posso eu fazer? Sim, o que posso eu fazer?» ─ repete Manuel, “o mais
consciencioso dos populares”, no início dos dois actos que constituem a peça.
Sente-se revoltado, mas só e impotente. Por isso, precisam de heróis,
procuram-nos desesperadamente, vêem-nos por entre o nevoeiro, seguem-nos e
perdem-se eles próprios. A execução ignominiosa de Gomes Freire, sem um
julgamento justo, vem roubar a uma parte deste povo abandonado um herói mas
também lhes dá um novo alento, aquele que vem da raiva contida e da percepção
de que é possível pôr um fim naquela escuridão. Simbolicamente, a morte de
Gomes Freire serve para demonstrar que um ideal não morre e que a verdadeira
revolução tem de ser verdadeiramente colectiva. Ou não é uma revolução, apenas
um golpe de estado, uma troca de protagonistas nas cadeiras do poder.
Aqueles que, imbuídos de toda a esperança,
viram o dealbar do Liberalismo e a sua degradação, perceberam dolorosamente que
o caminho das revoluções pode ser muito longo e tortuoso. Pelos muitos relatos
desconhecidos sobre este período, percebe-se que os populares tiveram um papel
fundamental na luta contra a ocupação francesa, mas deles não reza a história.
Uniram-se por toda a parte em pequenos e grandes bandos, faziam emboscadas,
faziam o mesmo que os exércitos invasores lhes faziam, não eram heróis,
aristocratas nascidos em berço de ouro como Gomes Freire, não usavam fardas com
botões reluzentes e patentes ostentadas nos ombros, eram pobres, esfomeados que
queriam ser livres e ter pão para comer, eram anti-heróis defendendo com a
própria vida a única coisa que ainda tinham, pelo menos na alma, o país em que
tinham nascido e amavam acima de todas as coisas. Não eram guiados por ideais
sublimes, por vezes era apenas a raiva e o desespero ou o fanatismo alimentado
pelo púlpito. Estes anti-heróis nem sequer teriam percebido as palavras de José
Gomes Ferreira (Acordai) e, no entanto, sentiam e ansiavam pela mesma coisa.
(1)
Insurreição de Pernambuco: «Nove réus foram
enforcados e quatro foram arcabuzados (fuzilados). Muitos deles tiveram seus
corpos mutilados depois de mortos. O Padre João Ribeiro suicidou-se, mas o seu
corpo foi desenterrado, esquartejado e a sua cabeça exposta em praça pública.
Um episódio que emocionou até os carrascos foi o de Vigário Tenório, que foi
enforcado e decepado, teve as suas mãos cortadas e o corpo arrastado pelas ruas
do Recife. Outras dezenas de revoltosos morreram na prisão.» (Cf. «Os
personagens que fizeram a Revolução de 1817». Jornal do Commercio - http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cultura/noticia/2017/03/05/os-personagens-que-fizeram-a-revolucao-de-1817-272971.php;
Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco. «Poder Legislativo de
Pernambuco celebra Data Magna» -http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cultura/noticia/2017/03/11/revolucao-de-1817-uma-historia-ainda-pouco-ensinada-273860.php;Wikipedia:https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Pernambucana#cite_note-11
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Felizmente Há Luar! - Luís de Sttau Monteiro, photography by São Ludovino.
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