terça-feira, 7 de maio de 2019

NAS ENTRELINHAS DA HISTÓRIA VI


HERÓIS, ANTI-HERÓIS E QUIMERAS - VIII
(Continuação do post anterior. Manteve-se quase sempre a grafia dos documentos originais.)

INTRIGAS E TRAIÇÕES MAÇÓNICAS

Nota 27: Fragmento de uma série de manifestos e protestos de lojas maçónicas rivais, comentados por José Agostinho de Macedo. Contém uma referência a Gomes Freire e aos outros maçons que o traíram.

«PROTESTO DA LOJA REGENERAÇÃO CONTRA O MANIFESTO DO GRANDE ORIENTE.

A TODOS OS MAC. LUZITANOS.
     O Crime mais atroz até hoje praticado Maç.º he aquelle que ha pouco acaba de perpetrar o G.O.L. Tribunal illegitimamente constituído, despótico, execrando, e venal.
     Esta reunião de malvados, e de prejuros fizerão imprimir de seu mandado hum folheto com o titulo de Manifesto do G.O.L. a toda a Maçonaria. Neste, atroz papel se patenteão os segredos mais recônditos em nossos mysterios. Alli se personalizão II. de conhecida probidade, a quem o outro estrangeiro ainda naõ pôde corromper: alli abjurão os traidores o ser de MMaç. porque forão infiéis a seus juramentos. Neste centro de criminosos se encontrão três, que depozeraõ em segredo contra o Benemérito Portuguez Martyr da Pátria, e victima do mais execrando despotismo, Gomes Freire de Andrade. Alli se encontra o máo amigo, que esquecido dos benefícios do seu bemfeitor o atraiçoa, e delata; o máo esposo que cobre de infâmia sua esposa, e até em autos públicos; delapidadores dos fundos das LL.; e em fim alli circula por veredas incógnitas o ouro estrangeiro, que talvez hum dia abysme a nossa cara Pátria em hum pélago de males.
     Até quando MM. Lusitanos curvareis o colo ao Despotismo de taes perversos?... Será crível que ainda estejaes illudidos á vista desse documento, pelo qual fosteis delatados aos profanos por esse Tribunal, que devendo ser o Paladium da segurança Maç.ª, e o sacrário dos nossos sigillos, se tornou o mais abjecto, e infame de todos os ajuntamentos? RR. LL. da Metrópole, e Províncias, recolhei a vós as procurações que desteis a vossos Representantes, e riscai do vosso quadro todo aquelle que authorizou a revelação dos nossos
segredos; porque as grandes Dignidades que compõem o O. nada mais saõ do que depositários da direcção dos negócios da ordem, e de modo algum podem alterar o que está guardado por aquelles juramentos communs a todos os MM. O mal he de natureza tal, que curallo seria augmentallo; o único meio que pôde salvar a Maç. do perigo a que a expozeraõ os máos MM. que compõem o O. he só convocando Estados Geraes , estabelecendo hum centro de unidade composto de MM. virtuosos, sábios, e naõ prevaricadores das suas
funções. Examinai CC. II. se vossos Representantes sanccionáraõ a publicação de semelhante papel, e puni exemplarmente os perjuros, que commettêraõ tal delicto.
     Trabalhemos CC. e RR. II. em favor da Causa da Pátria, que ainda vacillante precisa dos nossos auxílios, reunamo-nos para sustentarmos o magestoso Edifício Constitucional, e independência, e seja a nossa divisa — Liberdade ou Morte.»

Cf. Manifesto do grande oriente lusitano contra a loja regeneração - e circulares e protestos desta contra o grande oriente, acompanhados da censura, e eruditíssimas Reflexões…,José Agostinho de Macedo, 1761-1831, Lisboa, 1829, págs. 43-45

Partida do Príncipe Regente de Portugal para o Brasil, aos 27 de Nov. de 1807. Litografia baseada na grav. de Francesco Bartolozzi. Pormenor.


REFUGIADOS  E EMIGRADOS PORTUGUESES

Nota 28: Durante a Guerra Civil entre Liberais e Absolutistas, surgem notícias de refugiados portugueses que parecem ser exilados políticos. Não se diz de que facção, liberal ou absolutista. Na referida Gazeta de 1829, surgem duas destas notícias que devem referir-se a exilados liberais. O que é mais curioso é que o segundo artigo se refere a um grupo de “emigrados portugueses” que pretendiam ir de Plymouth para o Brasil, independente apenas há 8 anos e ainda governado por D. Pedro Iv de Portugal / D. Pedro I do Brasil. Esses “emigrados portugueses” são referidos como estrangeiros iguais a qualquer outros mas que, ainda assim, teriam de passar por uma fiscalização “trumpiana” para poderem entrar no Brasil, governado por um rei português. Coisas difíceis de entender, sobretudo vindas de um rei português e liberal. Aliás, as perseguições de Pernambuco movidas contra os liberais e independentistas foram depois movidas contra os realistas e antipatizantes do liberalismo.

     «Consta por noticias fidedignas de França, que no principio do mez passado chegára a Ostende o Navio Inglez Heyden, conduzindo 244 refugiados Portuguezes (Oficiaes Superiores e Inferiores e soldados de diversos corpos, e algum paizanos, mulheres e crianças); é alli por hospitalidade forão tecebidos nas cazernas antigas da Cidade os que não tinhão meios de subsistencia.»
Cf. Gazeta de Lisboa, 1829, págs. 525-526.

DE PLYMOUTH PARA O BRASIL

«Lisboa, 1 de Junho.
Em hum dos Numeros do Jornal Brazileiro, intitulado = Aurora Fluminense, veio transcripto o Decreto seguinte, na parte oficial:
•Decreto.
     «Hei por bem ordenar, que a Assembléa Geral Legislativa se reuna extraordinariamente, e se installe no dia primeiro de Abril do corrente anno, por assim o pedir o bem do Imperio. José Clemente Pereira, do Meu Conselho, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Imperio, o faça exautar com os despachos necessarios.
     Palacio do Rio de Janeiro, em nove de Fevereiro de mil oitocentos e vinte e nove, oitavo da Independencia e do Imperio. = Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador = José Clemente Pereira.»
     Muitas pessoas (não he difficil advinhar-lhe o genero e talvez a especie) tomárão o trabalho de improvisar motivos para esta convocação; e algumas já sonha vão hostilidades contra Portugal etc. Forte malicia, ou forte cegueira, em ver o Decreto a que alludimos, e não ver mais abaixo hum artigo onde se explica o fim para que Sua Magestade o Imperador convoca a Assembléa Geral!
     O artigo diz:
     «Este numero começa pelo Decreto para a convocação da Assembléa Geral Legislativa no 1.° de Abril. Ouvimos dizer que esta medida he necessaria, porque os emigrados de Portugal, que estavão em Plymouth, recusando serem removidos para o interior, se propunhão a vir para o Brazil; e competindo ao Poder Legislativo, em virtude do Artigo 15, § 12 da Constituição, conceder ou denegar a entrada de forças estrangeiras de terra e de mar dentro do Imperio, ou dos portos delle: e bem que estes Portugueses não venhão armados, e possão ser admittidos como colonos, se eles se quizerem estabelecer no Imperio, como quaesquer outros estrangeiros aqui aportados, torna-se todavia indispensavel para a sua recepção o assenso da mesma Assembléa, que na sua sabedoria accordará o que melhor convier á prosperidade do Imperio.»
     Omittir documentos, troncar discursos, e depois fazer argumentos que sempre, mais ou menos, tem por baze o embuste, e por fim o transtorno da boa ordem, he tactica já velha dos revolucionarios. Se ha quem depois de tantos exemplos ainda hoje os não conheça, ou se deixe apanhar nas redes liberaes he, na verdade, digno de toda a lastima.»

Gazeta de Lisboa N.º 129, 2 de Junho de 1829, p. 525

Proclamação da Independência do Brasil, François-René Moreaux. 1844. Retrata de forma fantasiosa o momento da Proclamação da Independência do Brasil em 7 de Setembro de 1822. O Grito do Ipiranga, nome eufemístico dado à frase "Independência ou Morte".


FANATISMOS E DOGMAS

Nota 29: José Agostinho de Macedo dá conta de actos hediondos cometidos sobretudo por populares contra populares durante a guerra civil entre liberais e absolutistas, apontando sempre o dedo aos demagogos e populistas. Estes existiam em ambas as facções e foram os autores morais, e muitas vezes materiais, dessa irracional “justiça popular”. A Igreja desempenhou um papel fundamental no acicatar do ódio contra os liberais, embora também tenha havido muitos eclesiásticos perseguidos, presos e condenados por serem liberais, como aconteceu na rebelião do Porto de 1828.
     O caso que menciono em seguida mostra o fanatismo e a crueldade de ambas as partes. No dia 20 de Junho de 1828, foram executados em Lisboa 9 estudantes da Universidade de Coimbra, depois de terem assassinado dois professores da mesma instituição. O folheto (“Contra-memória”) em que me apoio refere-se sobretudo ao estudante Manuel Inocêncio de Araújo Mansilha, por ser considerado o cabecilha da rebelião liberal na Universidade de Coimbra. Aí participava em reuniões e “ajuntamentos” em que fazia a apologia do liberalismo, recrutava “pedreiros livres” e instigava a revolta violenta contra os absolutistas, que deveriam ser totalmente eliminados.
     O autor desta “Contra-memória” perde-se em argumentos mais ou menos imbecis que se prendem sobretudo com a hipotética falsificação de um assento de baptismo, como se tal fosse a maior causa e prova do carácter do assassino. Mas refere também alguns dados factuais sobre essa rebelião. Os professores assassinados no dia 18 de Março de 1828 foram Mateus de Sousa Coutinho e Jerónimo Joaquim de Figueiredo, colegas do autor da dita “Contra memória” que escreve sob anonimato. Ele refere a execução de “nove ladrões e assassinos” que seriam apenas uma pequena parte do “covil de feras” que desde 1820 se tinha instalado na universidade. Acrescenta que entre essas “feras” estavam não só estudantes mas também “Mestres e Sacerdotes”. E são precisamente estes que considera «os principais corifeus desta Propaganda, que, tornando-se em poucos dias qual impetuosa torrente, levou consigo tudo o que não sabia opor-lhe uma vigorosa e aturada resistência. Quando a entrada para a Maçonaria traz consigo uma quase certeza de ser aprovado nos exames e actos, que fará um estudante amigo do ócio e dos prazeres, e que infelizmente não recebeu de seus pais uma educação religiosa? Quando a entrada para a Maçonaria se pinta aos novos adeptos como um degrau indispensável para subir a toda a classe de honras e dignidades, que farão os próprios que, de uma parte mal seguros da fé e por outra fervendo em ambição, têm chegado ao fim da sua carreira académica?»
     Os nove executados seriam só a ponta do iceberg porque menciona a seguir cerca de «400 estudantes a favor de um rei intruso» (refere-se a D. Pedro, Imperador do Brasil) «e não chegam a 50 os que no dia 24 de Junho do presente ano (1828) conseguiram nas vizinhanças de Sernache uma glória imortal, que por certo escurece todas as mais que o Corpo Académico tem alcançado por diferentes vezes batalhando em pró da Sereníssima Casa de Bragança.» Refere-se em seguida outros levantamentos populares contra os liberais dizendo que eram esses que o faziam sentir orgulhoso em ser Português. E sublinha que «nem todos os estudantes de Coimbra são assassinos e ladrões de estrada».
     Deve haver algum equívoco nas datas porque na folha de rosto diz que a execução foi a 20 de Junho e no corpo do texto diz que foi em 22 de Junho. E o principal dia da rebelião, aquele em que terão participado cerca de 400 estudantes não teria sido o dia em que os professores foram assassinados (18 de Março) mas o dia 22 de Maio.
O que mais incomoda nestes relatos é a fundamentação da acusação e da execução, sempre impregnadas pelo fanatismo religioso.
     E é igualmente lamentável que seja sempre tão difícil encontrar notícias sobre as vítimas do liberalismo, que em vez de exercer uma censura repressiva, exerceu uma censura intelectual, pela propaganda e limpeza de provas. Foi já depois de escrever esta nota que consegui finalmente encontrar alguma referência ao assassinato dos dois lentes de Coimbra. Foi num jornal quinzenal online de Condeixa intitulado “Terras de Sicó”.
Cf. Contra-memoria sobre o chamado baptismo do réo Manoel Inocencio de Araujo Mansilha, executado a 20 de Junho de 1828. - Lisboa, na Impressão Regia, 1828 - http://purl.pt/6662


OUTRO RELATO DOS MESMOS FACTOS
 
Nota 30: Aqui fica o artigo de Cândido Pereira (Fala de 200 e não de 400 estudantes e do dia 20 de Março e não 18 como o dia do assassinato, e diz que os lentes foram assassinados a tiro e não com um punhal, como o autor da Contra-Memória escreve. Onde está a verdade? Ainda não consegui apurar…):

QUINTA DAS FERRÃS  
     «A Quinta das Ferrãs, na Barreira, está situada no limite da freguesia de Condeixa-a-Nova, fronteira com a freguesia de Sebal Grande.
     Actualmente em progressivo estado de degradação, a casa, de aspecto senhorial, foi também cenário de um trágico acontecimento envolvendo estudantes de Coimbra, lentes da Universidade e cónegos da Sé, no qual haviam de perder a vida dois lentes, assassinados, e mais dez estudantes implicados nesse acto, julgados e supliciados no cadafalso.
     Em 1828, D. Miguel, filho segundo de D. João VI, regressou a Portugal vindo do seu exílio vienense, para ocupar o trono e "extirpar o país da moléstia liberal que corrompia a sacratez das instituições", como refere o escritor Fernando-António Almeida. As festas absolutistas, manifestavam-se pelo Portugal retrógrado e obscurantista dessa época. Em Março desse ano, são dissolvidas as cortes e anunciado novo governo. Em Coimbra, a Universidade está dividida entre partidários do liberalismo e do absolutismo, políticas da legítima herdeira do trono, D. Maria da Glória e de seu tio, opositor, o infante D. Miguel. A Reitoria e a Sé são, manifestamente, absolutistas, mas uma muito significativa parte dos estudantes é firmemente liberal.
     Numa casa da alta coimbrã, na rua do Loureiro, reunia-se a sociedade secreta, de origem maçónica, intitulada "Os Divodignos". Tendo estes tido conhecimento que uma deputação formada por catedráticos e cabidos da Sé se preparava para ir a Lisboa, aparentemente saudar o novo rei, mas, sabia-se, com intenção de entregar ao monarca um extensa lista de estudantes liberais para que fossem expulsos, logo decidiram, em votação na qual participaram cerca de duzentos universitários, sortear treze elementos que deveriam ir interceptar a referida deputação, e retirar-lhe essa lista.
     No dia 19 de Março de 1828, pelas três horas da tarde, partiu de Coimbra um grupo composto por três lentes e dois cónegos, acompanhados por familiares e respectivos criados. Pernoitou a comitiva em Condeixa, no palácio do absolutista ferrenho, Francisco de Lemos Ramalho e abalou, rumo a Lisboa, pelas cinco da manhã do dia seguinte. Os treze operacionais Divodignos partiram também para Lisboa. Eram eles: Bento Adjuto Couceiro; Delfino Miranda e Mattos; António Megre; Domingos Delgado; Carlos Pinto Bandeira; Urbano de Figueiredo; Francisco do Amor Rocha; Domingos dos Reis; Manuel Inocêncio Mansilha; Francisco Bento de Mello; Joaquim de Azevedo e Silva; Manuel do Nascimento Serpa e António das Neves Carneiro. Este último, sabe-se que dormiu na Quinta das Ferrãs, propriedade do seu amigo Manuel de Freitas. Na madrugada do dia 20 de Março, reuniram-se os conjurados no lugar do Cartaxinho, termo da Ega (que na altura ainda era concelho). Entretanto, chegaram as carruagens que transportavam os lentes e restante companhia. Deu-se o assalto e toda a gente foi manietada. Buscaram-se documentos, as tais faladas listas denunciadoras. Houve tiros (apurou-se que teriam sido disparados pelo estudante Delfino de Miranda e Mattos). Dois lentes, Jerónimo Joaquim de Figueiredo e Mateus de Sousa Coutinho, tombaram mortos. Feridos, ficaram o deão da Sé, António de Brito; o cónego Pedro Falcão Cotta e Menezes e José Cândido Pereira de Castro.
     Umas mulheres da Venda Nova, que passavam a caminho da feira de Condeixa, aperceberam-se da tragédia e gritaram a uma força militar de cavalaria que ia a passar na estrada, em trânsito para Coimbra, e que logo acudiu. Nove estudantes foram presos e transportados para as cadeias de Condeixa e Rabaçal. Mais tarde, foram levados para Coimbra e daí, por barco, para a Figueira, onde embarcaram em navio, rumo a Lisboa. A sentença, ditada a 17 de Junho, condenou-os: "a que, com baraço e pregão, sejam conduzidos pelas ruas públicas desta capital ao lugar da forca, onde morrerão de morte natural para sempre". (Fernando-António Almeida).

Dos quatro que escaparam, um deles é o mesmo António das Neves Carneiro que pernoitara na Barreira. Para aí se dirige e consegue do amigo Manuel de Freitas, um cavalo com o qual chegará ao Fundão, sua terra natal.Com a ajuda do pai, médico liberal e maçon, partiu para Espanha. Aí, depois de uma atribulada paixão onde foram protagonistas duas mulheres, foi denunciado e recambiado para Lisboa, onde acabou também condenado e enforcado, em 1830.Será baseado neste rocambolesco episódio que Camilo Castelo Branco escreverá o romance "A Viúva do Enforcado".
     Francisco Bento de Mello fugiu para a Ilha Terceira, onde se juntou às tropas de D. Pedro e regressou a Lisboa com o exército vencedor. Joaquim José Azevedo e Silva, conseguiu refugiar-se em Lisboa, na embaixada da Dinamarca e partiu em barco, de Portugal. O último sobrevivente, Manuel do Nascimento Serpa, pensa-se que seria o mendigo "Fresca Ribeira" que nas ruas de Lagos "deitava gatos" em panelas e alguidares, amolava tesouras e ensinava latim a jovens estudantes.
     Uma página negra das muitas que compõem o livro da nossa História, particularmente no período da guerra civil.»
Cf. Quinzenário Terras de Sicó (Condeixa) –
* Talvez fossem 400 e não 200 os estudantes implicados na rebelião porque, em 1829, o número de alunos expulsos ascendia a 457! Faltava saber desde quando… -

* Jerónimo Joaquim de Figueiredo (1772-1828) foi professor de Medicina, director dos Hospitais da Universidade de Coimbra (1809) e um dos resistentes aos invasores franceses em 1808. Não admira que não gostasse daqueles revolucionários à francesa. Nos registos da Universidade de Coimbra, existe um apontamento biográfico sobre este lente. Aí o modo e local da morte coincide com os outros relatos, mas a data da morte é diferente, 12/2/1828. Nas “Observações” pode ler-se: 
«Serviu no Corpo de Voluntários Académicos em 1808, tendo sido encarregado de missões de reconhecimento e inspecção de fortificações na zona de Almeida. Fundou o Jornal de Coimbra em 1812, com José Feliciano de Castilho e Ângelo Ferreira Dinis. Esteve envolvido no caso da “Lanterna Mágica”, sendo suspenso por Aviso de 11.4.1818, mas foi reintegrado por Aviso de 7.6.1820. Fez parte da Junta da Faculdade de Medicina, constituída em 1823 para reforma da mesma. Vereador à Câmara Municipal de Coimbra em 1826. Em 12.2.1828, quando se dirigia para Lisboa, na comitiva que ia felicitar D. Miguel, foi assassinado no lugar de Cartaxinho, perto de Condeixa, polos chamados “Divodignos’. 
Nota: O excerto apresentado foi retirado da obra Memoria Professorum Universitatis Conimbrigensis, com a autorização do Prof. Doutor Augusto Rodrigues, editor literário.»


Sessão das Cortes de Lisboa de 9 de Maio de 1822. Óscar Pereira da Silva, 1920. O episódio  representado ilustra o momento em que vários deputados brasileiros  defendem nas Cortes que um único soberano deveria governar Portugal e Brasil.

IMAGENS:








NAS ENTRELINHAS DA HISTÓRIA V


HERÓIS, ANTI-HERÓIS E QUIMERAS - VII
(Continuação do post anterior. Manteve-se quase sempre a grafia dos documentos originais.)

OUTROS MÁRTIRES DA PÁTRIA

Nota 23: No decurso da Guerra Civil entre Liberais e Absolutistas (1828-1834), foram cometidas atrocidades de parte a parte. De umas chegaram-nos mais notícias do que de outras, muitas vezes filtradas por um terrível maniqueísmo. Algumas dessas atrocidades foram eternizadas pela própria toponímia, como acontece com o Campo dos Mártires da Pátria, em Lisboa e no Porto. Os Mártires da Pátria do Porto, também designados como Mártires da Liberdades, foram executados em 7 de Maio de 1829, durante o período absolutista, como modo de amedrontar e aniquilar os rebeldes liberais. Como é evidente, o resultado foi o inverso. Perante a extrema crueldade das execuções, mais vozes se uniram aos liberais. As execuções do Porto têm contornos ainda mais sanguinários e tenebrosos do que as execuções de Lisboa (1817), talvez porque em 1829 os liberais tinham ganhado terreno e surgiam como uma ameaça muito maior. Para além dos 12 nomes gravados no bronze, na base da estátua de D. Pedro IV, houve outros condenados (26) e executados, mas como sempre acontece nem todos ficaram para a História. Sobre este tenebroso episódio, publicou Germano Silva (um incansável investigador da História do Porto) um artigo na revista Visão (30/9/2017). Fica aqui o texto desse breve artigo:
     «Os cadáveres não tinham cabeça…
     Na base da estátua equestre de D. Pedro IV, que está no meio da praça da Liberdade, mandou a Câmara do Porto, em 1914, colocar placas de bronze com os nomes dos doze Mártires da Liberdade gravados.
     Em 7 de Maio e 9 de Outubro de 1829, na antiga praça Nova das Hortas, hoje praça da Liberdade, foram enforcados, vítimas do absolutismo mas, sobretudo, do torvo ódio miguelista, doze ilustres personalidades afectas ao regime liberal de então: Joaquim Manuel da Fonseca Lobo, Francisco Silvério de Carvalho Magalhães Serrão, Francisco Manuel Gravito da Veiga e Lima, Manuel Luís Nogueira, José António de Oliveira Silva e Barros, Clemente da Silva Melo Soares de Freitas, Vitorino Teles de Meneses e Vasconcelos, José Maria Martiniano da Fonseca, António Bernardo de Brito e Cunha e Bernardo Francisco Pinheiro, estes dez executados no dia 7 de Maio; e mais dois: Clemente Morais Sarmento e João Henriques Ferreira Júnior, enforcados no dia 9 de Outubro daquele mesmo ano.
     O assunto é tétrico, temos que o reconhecer, mas vamos ter de continuar neste tom mórbido para melhor compreensão do assunto hoje trazido à crónica. Após os enforcamentos, e para total cumprimento das sentenças, o carrasco João Branco cortou as cabeças aos cadáveres a fim de serem expostas, durante três dias, como ordenava o tribunal, diante das casas dos seus familiares mais próximos. A Cordoaria, a Foz e as cidades de Aveiro e Coimbra foram alguns dos locais onde as cabeças dos supliciados estiveram expostas depois de cravadas em altos postos do madeira.
     O sistema penal daqueles tempos era aterrador. Diremos mais: feroz e sanguinário com o recurso à tortura, a forcas e a carrascos… Entretanto os cadáveres decapitados, tanto os do dia 7 de Maio como os do dia 9 de Outubro, foram sepultados num terreno que ficava nas traseiras do Hospital de Santo António, onde hoje está o serviço de urgência, chamado o “adro dos enforcados “. Era ali que se enterravam os que morriam nas forcas ou nas enxovias da cadeia. Não tinham direito a serem sepultados nos interiores das igrejas, como era prática da época, porque não eram dignos do ir para o céu…
     Sete anos depois (1836) após o triunfo do liberalismo, a Santa Casa da Misericórdia do Porto pediu autorização para remover os cadáveres do adro dos enforcados a fim de os colocar num mausoléu e assim prestar justa homenagem àqueles mártires da Pátria. A autorização chegou mas colocou-se então uma questão: em que sitio exato do adro dos enforcados estavam os restos mortais dos doze supliciados? Não foi difícil encontrar uma solução.
     O coveiro, um tal Joaquim Manuel ainda era vivo e sabia onde havia enterrado os cadáveres dos mártires da Pátria. Além disso não era difícil identificá-los: eram os que estavam sem cabeça. A exumação fez-se. Os restos mortais dos também chamados mártires da Liberdade foram metidos num mausoléu e levados para o átrio da igreja da Santa Casa, na rua das Flores onde estiveram até 1878, ano em que foram solenemente transladadas para o talhão da Misericórdia no cemitério do Prado do Repouso onde ainda se encontram.
     Na base da estátua equestre de D. Pedro IV, que está no meio da praça da Liberdade, mandou a Câmara do Porto, em 1914, colocar placas de bronze com os nomes dos doze Mártires da Liberdade gravados.»  

Enforcamento dos Mártires da Pátria, gravura de 1828.

OUTRAS NOTÍCIAS SOBRE O MESMO ASSUNTO

Nota 24: Na Gazeta de Lisboa de 1829 foram publicados inúmeros artigos sobre este processo e execuções. Foi até publicado todo o processo de investigação e acusação levado a cabo pela Alçada do Porto durante sete meses. Aí são enumerados os actos e as provas apresentadas contra cada um dos réus, todos acusados de rebelião e alta traição contra o Estado. Os artigos foram publicados ao longo de diversos números, entre Abril e Junho de 1829. Abaixo deixo indicados os números, datas e páginas.
     Efectivamente houve um movimento rebelde que incluía militares, civis, juristas, comerciantes e membros do clero. Publicaram na forma impressa uma proclamação dirigida antes de mais aos cidadãos do Porto, mas também a toda a nação, comunicando que tinha sido formada uma Junta Provisória de Governo (liberal), que em breve assumiria o comando de todo o país. O levantamento rebelde deu-se a 16 de Março de 1828 e foi rapidamente travado. Foram detidas cerca de 90 pessoas, 26 foram condenadas, 7 foram executados a 7 de Maio de 1829 e 2 a 9 de Outubro do mesmo ano.

* Gazeta de Lisboa N.º 101, 30 de Abril de 1829, p.413-414.
* Gazeta de Lisboa N.º 109, 9 de Maio de 1829, p.445.
* Gazeta de Lisboa N.º 111, 12 de Maio de 1829, pág. 453.
* Gazeta de Lisboa N.º 112, 13 de Maio de 1829, p.456-457.
* Gazeta de Lisboa N.º 122, 25 de Maio de 1829, p.497-498.
* Gazeta de Lisboa N.º 129, 2 de Junho de 1829, p. 526 – 528.
* Gazeta de Lisboa N.º 130, 3 de Junho de 1829, p. 530 – 534.
* Gazeta de Lisboa N.º 131, 4 de Junho de 1829, p. 538 – 540.
* Gazeta de Lisboa N.º 132, 5 de Junho de 1829, p. 544 – 547.
* Gazeta de Lisboa N.º 133, 6 de Junho de 1829, p. 550.
* Gazeta de Lisboa N.º 133, 6 de Junho de 1829, p. 551-554.
* Gazeta de Lisboa N.º 134, 8 de Junho de 1829, p. 556-560.
* Gazeta de Lisboa N.º 135, 9 de Junho de 1829, p. 561-564.
* Gazeta de Lisboa N.º 136, 10 de Junho de 1829, p. 566-567.
* Gazeta de Lisboa N.º 137, 11 de Junho de 1829, p. 571-572.
* Gazeta de Lisboa N.º 145, 22 de Junho de 1829, p. 602-603.
* Gazeta de Lisboa N.º 147, 23 de Junho de 1829, p. 607.

PENAS PÚBLICAS

Nota 25: As penas eram quase sempre aplicadas em espaços públicos, não só as execuções mas outros castigos corporais, como forma radical de desincentivar qualquer forma de divergência ou contestação, sobretudo se o alvo era o Estado, as instituições públicas ou a Igreja. Estas penas que hoje chocam a maior parte do mundo, embora persistam em países com assento na ONU, eram comuns e prescritas pela lei vigente. E que lei?!
     Abstenho-me de descrever aqui as execuções, fica apenas uma pequena referência a três dos réus que não foram executados mas condenados ao degredo. Mas antes disso, deviam ser sujeitos ao açoitamento público. O primeiro réu mencionado é um negociante marroquino, residente no Porto. Os restantes são gente simples. Vendo a breve biografia dos executados, percebe-se que estes eram de estatuto social muito mais elevado ou membros do exército, por serem considerados os verdadeiros instigadores da rebelião.

     «PORTUGAL.
Porto, 16 de Junho.
Os 4 Réos Samuel Sarfaty, Negociante; Ignacio José da Rocha, Capateiro; José d'Azevedo, Estalajadeiro; e Luiz Lusano, Caixeiro de negocio, que forão condemnados a diversos degredos, pelos crimes de Rebellião, sendo primeiro açoutados pelas ruas publicas desta Cidade; sahirão hoje de manhã das Cadêas da Relação, a fim de levarem os açoutes na fórma da Sentença, o que se executou indo os ditos 4 Réos guardados por alguns Soldados de Cavallaria e Infanteria de Policia, varios Oficiaes de Justiça e o Algoz; caminhárão pela Porta do Olival, Calçada dos Clerigos, Ortas, Praça Nova, Porta dos Carros, Rua das Flores, de S. João, Ribeira, e Guindaes; e voltárão depois á Rua nova dos Inglezes, seguírão pelos Banhos, Porta Nobre, e Miraguaya, onde se vestírão (por que hião nús da cinta para cima), tendo sido açoutados pelo Algoz em diversos sitios do seu transito, precedendo o pregão respectivo a seus crimes, e se recolherão outra vez ás mesmas Cadêas. (Correio do Porto.)

Cf. Gazeta de Lisboa N.º 147, 23 de Junho de 1829, p. 607

Kssssse! Pédro - Ksssse! Ksssse! Miguel!-Honoré Daumier, Paris, 1833. O espírito liberal representado pelo rei francês Louis- Philippe apoia D. Pedro e o Czar Nicolau da Rússia, representando a Santa Aliança apoia D. Miguel.


CONTRA O EXCESSO DE ZELO

Nota 26: É curioso que durante o tempo em que decorria o processo mencionado na nota anterior, a coroa tivesse sentido necessidade de advertir e legislar contra o excesso de zelo e a intolerância. Veja-se o seguinte documento lavrado por ordem de D. Miguel, o rei absolutista, irmão de D. Pedro IV, o rei liberal, publicado na Gazeta de Lisboa poucos dias antes das execuções. Este documento levanta a questão de saber quem eram os principais instigadores e executores das medidas mais radicais, uma vez que o próprio rei D. Miguel apela à moderação…

«MINISTERIO DOS NEGOCIOS ECCLESIASTICOS E DE JUSTIÇA.

     El Rei Nosso Senhor tem sido informado, que tanto nesta Capital, como em diferentes lugares das Provincias do Reino, se tem posto em pratica muitos procedimentos criminaes, que não terião tido lugar se o zelo excessivo das Authoridades, que os tem determinado, assim como daquellas, que os tem praticado, não tivesse concorrido para induzillas humas vezes a empregar os mesmos procedimentos fundados apenas em denuncias anonymas, que quasi sempre derivão da vingança, e outras obscuras paixões encobertas com apparencias de bem publico; e outras vezes a inquirir de factos, que já não podião ser objecto de indagações judiciaes, ou porque se achavão comprehendidos nos Regios Indultos, que mandárão cessar no conhecimento de taes factos anteriores á sua publicação, ou porque o mesmo conhecimento de nenhum modo podia sem excesso, e gravissima confuzão, compreender se na execução das ordens, que somente mandárão inquirir dos factos pelos quaes directa ou indirectamente se tivesse concorrido para a rebelião, que se desenvolveo depois da venturosa época, em que Sua Magestade Foi restituido a estes Reino, Tomando o Governo delles: e Querendo o Mesmo Augusto Senhor por estas justissimas considerações accorrer com providencias opportunas, que, attendendo e pondo termo á anxiedade das familias, manifestem ao mesmo tempo a Sua Real Clemencia e desvelado cuidado pelo bem dos Seus fieis vassallos, He Servido Ordenar: 1.º que regulando V. S. as disposições, que deva fazer a bem da Policia Geral do Reino, que lhe está confiada, pelas determinações do Alvará de 16 de Janeiro de 1780 em todos aquelles casos, que na conformidade do mesmo Alvará excederem os limites da sua jurisdicção, V. S. dê conta por esta Secretaria de Estado, para conhecimento e Resolução d'El Rei Nosso Senhor, informando regularmente ainda daquelles, que tiver decidido por se achar para isso authorizado: e 2.º que por simplices denuncias maiormente sendo anonymas se não empreguem procedimentos, que só quadrão ao crime verificado: huma denuncia não produzindo mais que hum indicio, não pode sem gravissimo risco e perturbação tomar o lugar de prova, posto que preste fundamento para precaução, e para posteriores investigações do facto denunciado, que se desvanece ou fortifica pelas mesmas investigações: Sua Magestade Quer que haja a mais constante inflexibilidade contra os crimes provados, Ordenando muito positivamente a V. S. que contra estes, seja depois de acontecidos, ou seja no fragrante delicto, proceda e faça proceder com todo o rigor das Leis; mas ao mesmo tempo he da Sua Soberana Intenção, que em quanto elles se não achão verificados pelos meios que as Leis tem estabelecido, a acção da Policia ostente, como corresponde aos fins da sua instituição, segurança, e amparo aos bons contra os culpados, não empregando procedimentos que possão confundir huns com os outros. Determina outro sim Sua Magestade que, devendo produzir inteiro efeito os Regios Indultos concedidos por delictos anteriores á sua publicação, por elles se não faça procedimento, nem ainda indagação alguma judicial, como por diferentes vezes se tem praticado em manifesta contradicção com os principios da Clemencia e da politica, que persuadírão a publicação dos mesmos Indultos. O que tudo de ordem d'El Rei Nosso Senhor participo a V. S. para sua intelligencia e devida execução, e para que assim o faça executar pelos Magistrados, que lhe são subordinados, dando-lhes conhecimento destas Resoluções do Mesmo Augusto Senhor.
     Deos guarde a V. S. Palacio de Queluz, em 30 de Abril de 1829. = João de Mattos e Vasconcellos Barboza de Magalhães. = Senhor José Barata Freire de Lima.»

Gazeta de Lisboa N.º 103, 2 de Maio de 1829, p.419

Memoria do feliz juramento da Constituição Portugueza nos faustosos 
dias 24 de Agosto e 15 de Setembro de 1820.




NAS ENTRELINHAS DA HISTÓRIA IV


HERÓIS, ANTI-HERÓIS E QUIMERAS - VI
(Continuação do post anterior. Manteve-se quase sempre a grafia dos documentos originais.)

MESMO NA GUERRA… CATÓLICOS E PROTESTANTES SEPARADOS

Nota 19: Por todo o país morreram e foram sepultados militares ingleses. Em honra de alguns foram erguidas lápides que os lembram. Embora combatendo lado a lado contra um inimigo comum, separaram-se na morte… não sendo sepultados nos cemitérios.
     «Em 1811, logo cm seguida á passagem do exercito francez por Gouveia, foi o collegio dos jesuitas estabelecido n'aquella villa, transformado em hospital de sangue.
     N'esse hospital falleceu mais tarde um official inglez, que por ser protestante foi sepultado na cerca, sendo-lhe erguido n'esse local, pelos seus camaradas, um singelo monumento á sua memoria, que ainda hoje alli se conserva, estando porém já pouco legível a respectiva inscripção, devido á acção da neve e do gelo, que na estação invernosa são triviaes n'aquella villa.»
     Alguns eram sim sepultados nas fortalezas militares, como aconteceu com John Beresford, parente de William Carr Beresford, que morreu e foi sepultado em Almeida, no baluarte de Sante Bárbara. Talvez esta honra se tivesse devido unicamente à intercedência de W. C. Beresford, marquês de Campo Maior:
     «No anno de 1812, durante a guerra peninsular, foi gravemente ferido por effeito de uma mina que explodiu na brecha de Ciudad Rodrigo, em Hespanha, um parente do general Beresford, que foi transportado para o hospital de sangue da praça de Almeida, onde falleceu, sendo sepultado no baluarte de Santa Barbara, no local onde se encontra uma lapide de lm,50 de altura e 0m,38 de largura, tendo gravada a seguinte inscripção em inglez e portuguez:
     John Beresford, lieutenant in the 88th Reg.° received a mortal Wound by the explosion of a mine in the breach of Ciudad Rodrigo, the 19th January 1812.
     O tenente João Beresford do Regim.to B.co n.° 88, pelo effeito d'uma mina que voou na brecha de Ciudad Rodrigo e que elle, entre os primeiros, montou, e na noite de 19 de Janeiro de 1812, morreu na edade de 21 annos.
     S. Ex.a o sr. marquez de Campo Maior, d’este modo mandou conmemorar a morte d'um parente estimado.»
Vide Guerra peninsular - notas, espisodios e extractos curiosos, Francisco Augusto Martins de Carvalho, Coimbra, 1910, págs. 64-65.

Battle of Fuentes de Oñoro 3rd to 5th May 1811 in the Peninsular War.

UM PEQUENO ROL

Nota 20: Assim à distância, são divertidas aquelas proclamações de Junot em que apregoa que nem um cêntimo seria tirado aos Portugueses e se algum dos seus soldados (não menciona sequer os oficiais) roubasse o que quer que fosse seria severamente castigado ou até executado. Pois bem, do mais modesto soldado ao mais eminente general, foram quase todos os que destruíram e saquearam. Loison, o Maneta, numa das suas retiradas apressadas, deixou para trás uma pequena amostra do seu saque pessoal:

     «Loison chegou a Lamego na tarde do dia 21 do referido mez de Junho de 1808, aquartellando-se com o seu estado maior no Paço Episcopal. Foi porém forçado a marchar para Vizeu logo na manhã do dia immediato, e com tal precipitação o fez que deixou no quarto onde dormia dois pesados caixões todos chapeados de ferro.
     Depois da Convenção de Cintra e da expulsão dos francezes, foram abertos os referidos caixões, por ordem dos governadores do reino, em Fevereiro de 1809, encontrando-se as seguintes peças de prata, segundo constava do inventario que então se lavrou, e que ainda ha poucos annos conservava no seu precioso muzeu, o fallecido cónego da Sé de Lamego, rev.do Teixeira Fafe, muito illustrado amador de antiguidades.

     «13 castiçaes,— 2 serpentinas grandes,—2 escrivaninhas, — 3 bacias de mãos e 2 jarros,— 6 dúzias de garfos, facas e colheres,— 4 clarins,—2 grandes cruzes procissionaes,— 1 imagem de Christo,— 1 rica banqueta de altar com 51 peças, — 6 grandes salvas, —7 púcaros e 13 bacias, sendo 6 de cadeira grandes, e 7 de cabeceira mais pequenas, tudo de prata com o peso 1 total de 462 marcos e 6 onças,—além de uma caixa forrada de marroquim, contendo um bello apparelho de chá com 13 peças de louça da índia.»

     O próprio Junot não ficou atrás de Loison e outros:
     «Junot, também commetteu grandes roubos no nosso paiz. Na igreja de Miragaia da cidade do Porto, roubou diversas alfaias, pelo que no respectivo inventario da prata roubada, existente no archivo do governo civil do Porto, se encontra a seguinte curiosa nota: ─ Roubada pelo Chino?!
     Como é sabido, o povo designava o general Junot pelos nomes de Jinó ou Chino, como se vê das seguintes trovas populares:

O Jinó foi ao inferno
Buscar duas testemunhas:
Achou as portas fechadas,
Poz-se a esgravatar co'as unhas.

O Jinó mail-o Maneta
Diz que Portugal que é seu;
E' um demo para elles,
E mais para quem lh'o deu.

Vide Guerra peninsular - notas, espisodios e extractos curiosos, Francisco Augusto Martins de Carvalho, Coimbra, 1910, págs. 72-73.

ANTT - desenhos feitos pelo capitão Manuel Isidro da Paz, 1812.


AS ESTRATÉGIAS NÃO MILITARES QUE AJUDARAM BERESFORD A GANHAR

Nota 21: Em 1811, durante a 3.ª invasão, comandada por Massena.

Perto de Manteigas, nas faldas da Serra da Estrela:
     «Quando os habitantes da villa souberam que os francezes se aproximavam para a saquear, resolveram defendel-a a todo o transe.
     Como valentes Erminios de sangue puro e homens resolutos, armaram-se o melhor que' poderam com todas as espingardas que existiam na villa, machados e alavancas de ferro, e foram esperar os francezes a 3 kilometros de Manteigas, no sitio denominado Figueira Brava, ponto bem escolhido, por ser muito defensável.
     E' um morro dos maiores, mais Íngremes e mais alcantilados da grande serra, passando a custo no sopé d'elle a estrada, e seguindo-se a juzante o rio Zêzere com margens abruptas. Para melhor estorvarem a passagem dos francezes, pozeram na estrada uma grande turbina d'um pisão próximo, juntaram-lhe grandes troncos d'arvore, e com alavancas deslocaram do grande morro penedos enormes com que entulharam a estrada, completando assim a barricada.
     Subiram depois todos para o grande morro sobranceiro á estrada, dispostos a defender a barricada, para o que foram escavando por meio de alavancas, e pondo a geito grande numero de penedos, para os despenharem sobre a estrada, logo que se aproximassem os francezes.
     Chegados estes e vendo a forte barricada, o morro sobranceiro cheio de gente armada, clamando gritando e fazendo fogo, e os enormes penedos rolando sobre a estrada, desanimaram por não poderem contornar o morro, nem terem outro caminho para Manteigas, além do que seguiam.
     Tiveram portanto de bater em retirada, e nem chegaram a ver Manteigas, por estar a villa á distancia de 3 kilometros, occulta pelo grande morro, e escondida n'uma cova, junto do Zêzere.»

Em Coimbra:
     «Em Coimbra achava-se o general inglez Trant, com uma divisão de perto de 6:000 homens, a maior parte de milícias, e em conformidade das instrucções que havia recebido do marechal Wellington, á aproximação dos francezes, retira-se de Coimbra sobre o Vouga em a noite de 12 para 13.
     Em Coimbra não fica senão uma pequena força de 50 a 60 milicianos do regimento d'esta cidade; e achava-se cortado o segundo arco da ponte, da lado da cidade, e ahi assestada n'uma trincheira uma peça de artilharia. O rio ia então caudaloso, e era invadiavel.
     No dia 13 vem um parlamentado á ponte, e exige a passagem franca ao exercito francez.
     Apresenta-se a responder-lhe o aspirante de artilharia 4, José Augusto Correia Leal, (que mais tarde foi deputado em varias legislaturas). Recebe o officio que lhe passa o parlamentario atravez da cortadura da ponte; e entretanto para enganar os inimigos e fazer-lhes acreditar que em Coimbra estava grande força militar, ordenou aos poucos milicianos que aqui haviam ficado, que passassem constantemente pelo Cães e Couraça de Lisboa; e mandou collocar, espetadas em estacas, em sitio onde podessem ser vistas pelos francezes, grande numero de barretinas, trazidas do hospital.
     Decorridas duas horas, volta o parlamentario francez pela resposta do officio; e outra vez lhe vae fallar o aspirante Correia Leal, dizendo-lhe que o officio havia sido mandado ao governador, que se achava fora de Coimbra; e ao mesmo tempo lhe diz que esta cidade está preparada para uma rigorosa defeza.
     Estas difficuldades na passagem por Coimbra, quando o exercito anglo-luso vinha atacando a retaguarda dos inimigos, decerto foram pelo general Montebrun participadas a Massena; deixou por isso o exercito francez de vir a Coimbra, e tendo no mesmo dia 13 chegado a Condeixa, seguiu em a noite immediata a marcha indo ficar no Casal Novo.
     As tropas que tinham vindo a Santa Clara e ao Rocio, desenganadas da impossibilidade de entrarem em Coimbra, retiraram também na tarde do mesmo dia 13, seguindo do Rocio pela estrada da Copeira, em direcção a Miranda do Corvo.»
Vide Guerra peninsular - notas, espisodios e extractos curiosos, Francisco Augusto Martins de Carvalho, Coimbra, 1910, págs. 78-80.

ANTT - desenhos feitos pelo capitão Manuel Isidro da Paz, 1812.


DISCURSOS ENSAIADOS E FALSEADOS AO GOSTO DE NAPOLEÃO

Nota 22: Um oficial francês que devia levar correspondência para Napoleão foi preso na Bobadela. Consigo levava muitas missivas e documentos interessantes. Segue-se uma carta de Massena e a reprodução das perguntas e respostas entre este oficial e Napoleão, que ele deveria decorar para o caso de “perder” a correspondência mas conseguir chegar à presença do Imperador.

Carta de Massena referindo-se ao tal mensageiro:
     «Carta de Massena ao governador de Salamanca, apprehendida ao official preso em Bobadella, encarregado de levar correspondência official e particular a Paris.

     Coimbra, 4 de Outubro de 1810. — Senhor governador. — O official que vos ha de entregar a presente, é por mim enviado a sua magestade imperial, levando um officio importante. Tereis a bondade de fornecer-lhe o dinheiro necessário para a sua jornada e para vestir-se. A sua missão é da maior importância, o que vos impõe o dever de fornecer-lhe tudo o que elle possa precisar para preenchel-a.
     O marechal príncipe de Essling, commandante em chefe do exercito de Portugal. — Massena.
     Ao senhor general Royer, governador de Salamanca.»

Perguntas e respostas que o mensageiro deveria decorar:
     «Serie de perguntas e respostas para serem decoradas pelo oficial que foi preso em Bobadella, afim de serem exactamente repetidas ao imperador, no caso de, por qualquer motivo, se ver obrigado a inutilizar a correspondência official.
 l.ª Pergunta.— Onde deixastes o exercito?
Resposta. ─ Marchando para Lisboa. A vanguarda estava na Redinha. O general em chefe partiu no mesmo dia que eu.
2.ª Pergunta. — Onde se deixaram os feridos e os doentes?
Resposta. — Em Coimbra com uma guarda de policia e com os viveres necessários, tendo feito aos poucos moradores que alli se achavam e aos que tornaram a entrar, responsáveis da sorte dos francezes que alli se deixavam.
3.ª Pergunta. — Qual é o espirito do exercito?
Resposta.— Bom, sobretudo depois da manobra do general em chefe, que rodeou a posição do inimigo.
4.ª Pergunta. — Qual é o espirito dos portuguezes?
Resposta. — Cheio de fanatismo; os principaes são todos inglezes; o povo meudo está aterrado pelo inimigo.
5.ª Pergunta. — Credes que se chegará a Lisboa?
Resposta.— Tudo o faz esperar, estando os inglezes em plena retirada e os francezes cheios de confiança no general em chefe.
6.ª Pergunta. ─ Acham-se recursos no paiz?
Resposta. ─ Nenhuns a não ser os legumes que ainda estão nos campos. Os soldados não têm padecido até ao presente.
7.ª Pergunta. ─ Os commandantes dos corpos estão de accordo com o general em chefe?
Resposta. — Não sei, mas o caracter do general em chefe impõe respeito aos commandantes dos corpos do exercito.
8.ª Pergunta. — O exercito tem muitas munições?
Resposta.— Sei que tem dois milhões de cartuchos nas suas reservas, sem contar os que têm nas patronas.
9.ª Pergunta.— Tivestes muitos feridos na batalha do Bussaco?
Resposta. — Ouço dizer que tinha havido de 2:500 a 3:000; mas que por sua própria confissão perderam os inglezes 4:000. O exercito teria precisão de reforço para manter-se em Lisboa, e não tem um real em caixa.
10.ª Pergunta. — A quanto julgaes que montam os exércitos inglez e portuguez?
Resposta. — De 60 a 70 mil homens, 25 a 30 mil dos quaes são inglezes, sem contar milícias e ordenanças.
ll.ª Pergunta. — Quaes são os projectos dos inglezes?
Resposta. ─ Defender Lisboa e suas visinhanças, e ahi fazer ir pelos ares os edifícios públicos. Os inglezes inspiram grande terror no paiz, forçando todos os habitantes a abandonar as suas casas e a queimar, sob pena de morte todos os seus recursos. Portugal está um deserto.
12.ª e ultima pergunta.— Temos muitos doentes no exercito?
Resposta. — Não muitos. Os soldados passam muito bem, e não desejam vivamente senão arrostar-se com os inglezes.»

Vide Guerra peninsular - notas, espisodios e extractos curiosos, Francisco Augusto Martins de Carvalho, Coimbra, 1910, págs. 94-96.

Grand kitchen of Europe - british cookery or 'Out of the frying into the fire' - London, N. Jones, 1811.