O YouTube impede agora a incorporação dos meus próprios vídeos neste blog. Os links e a imagem do vídeo que deveria ser incorporado ficam abaixo, assim como todos os textos de abertura que escrevi para esta série. Os textos são curtos e não têm parágrafos porque têm de ser encaixados em metade da capa de um folheto de tamanho A5.
NOTA: Cerca de uma hora após a edição desta publicação, a imagem do vídeo apareceu!!! NÃO altero o texto escrito acima por razões óbvias. Não é a AI que bloqueia ou apaga cegamente canais ou vídeos, são seres humanos com critérios autocráticos e nenhuma consciência moral. Esta nota repete-se em todos os vídeos que fui impedida de incorporar.
Excepto no domínio das ciências exactas e no domínio do conhecimento técnico, são poucas as lições que podem ser simplesmente ensinadas. As verdadeiras lições são aprendidas, mesmo que não sejam ensinadas. Resultam de uma busca incessante, do desejo de aprender e da forma como a experiência individual é assimilada e transformada em conhecimento cognitivo e emocional. Olhar para dentro é tão essencial como olhar para fora.
N.º 2
Independentemente das crenças metafísicas, só vivemos uma vez, pelo menos com consciência disso. Isso deveria ser suficiente para demonstrar que a realidade não se desfaz. Cada acto cometido, bom ou mau, é eterno dentro da finitude da vida e tem consequências definitivas, mesmo que os que foram atingidos por esses actos renasçam, dentro da sua finitude, contra todas as expectativas e prossigam o caminho, como almas puras e intactas. Esta simples constatação também deveria ser suficiente para valorizar a consciência moral e a colocar no centro de toda a acção humana, como um guia e um instrumento de aferição. Em algumas filosofias e em alguns documentos fundacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a ética tem de facto esse lugar central, mas em ambos os valores morais permanecem no plano da abstracção. São como faróis que se avistam ao longe num mar revolto, mas se ignoram porque parecem uma ilusão ou inatingíveis. Os valores morais são bem reais, porque emanam da realidade e determinam o rumo e o valor de cada ser humano, de cada instituição, sociedade, ideologia ou religião. A verdadeira evolução individual e civilizacional só pode ter lugar se os valores fundamentais forem tomados como a matriz dos actos reais, que não se desfazem e têm consequências pelos quais cada um é definitivamente responsável.
N.º 3
A árvore “trabalha” toda a vida para ser apenas árvore, não para ser casa, mesa ou papel. A árvore não tem um destino, tem uma natureza constante e perfeita. Quem escolhe o destino das árvores são os homens, escolhem-no com determinação e propósitos práticos, sem se aperceberem de que estão apenas a obedecer às potencialidades da árvore, que se pode tornar casa, mesa ou papel porque isso estava já na sua natureza. Depois, os homens contam no papel feito da árvore o modo como extraíram dela algo inteiramente novo, como se fossem eles os inventores da natureza da árvore e de todas as potencialidades que o seu anonimato encerra.
N.º 4
O ser humano tenta medir as coisas, quase todas as coisas, até as coisas imensuráveis, intangíveis e mutáveis. Medir e quantificar parece dar algum grau de certeza e segurança, um alicerce seguro para uma vida em constante mudança. E leva-se a medida para todo o lado, como uma bengala para suportar o cansaço e os percalços da caminhada. Não basta medir a temperatura do ar ou a velocidade do vento, medir a altura ou o peso do corpo, medir as distâncias e os anos-luz, a longevidade e as variáveis demográficas, as dioptrias ou o quociente de inteligência cognitiva, emocional, social ou sabe-se lá o quê. É preciso medir a exactidão das palavras e o peso da alma. Dizem que a alma pesa apenas 21 gramas, 21 gramas medidos com instrumentos concretos que desconhecem o que seja o peso da alma, que nada tem de concreto ou material. Mede-se a materialidade e a transcendência do mesmo modo, numa tentativa de tudo tornar palpável, dominável, cognoscível, dotado de uma transparência exacta e constante. Só não há medida para a mudança e ela é a mais constante e inevitável de todas as realidades. Os números gemem e pedem para ser libertados de tantas funções e tanta responsabilidade. Imploram às palavras, as mais exactas possível, que venham em seu socorro e digam com suave exactidão que, na verdade, nada pode ser medido apenas pelos números, apenas pela superfície que se deixa mensurar como um gato independente e esquivo deixa que a mão impositiva lhe acaricie o pelo.
N.º 5
Cada um tem a sua janela. Umas dão para uma bela vista desafogada que só dá vontade de ficar ali a olhar, algumas dão para o mundo lá fora, outras para o mundo cá dentro, algumas dão para todos os lugares e outras dão para um beco sem saída. As janelas que dão para um jardim são as que oferecem mais variedade e motivo de observação e reflexão, sobretudo se o jardim é público e frequentado. Janelas que dão para um jardim privado há poucas e normalmente quem habita a casa que lá fica poucas vezes vai à janela e muitas vezes esquece-se do privilégio de ter um jardim. E há quem não tenha jardim mas tenha muitas janelas, como a abelha ou a formiga que, de entre as pétalas de uma flor, se sentem à janela das suas casas e observam o resto do mundo lá fora, sabendo bem que as suas janelas-corolas também são vistas, também são parte da paisagem de alguém, que as vê ou ignora antes de murcharem ou serem colhidas por alguma mão displicente.
N.º 6
Ninguém sabe despedir-se do que ama. Se ama, não quer despedir-se, nunca. Ninguém sabe despedir-se da própria vida, mesmo quando apenas deseja continuar a plantar macieiras ou contemplar mais outro e outro pôr do sol, que anuncia a noite que anuncia um novo amanhecer. Quem ama a vida nunca se despede de nada nem de ninguém. A despedida é apenas mais uma estação no ciclo das estações e o íntimo desejo é o de que a última estação não chegue nunca ou chegue tarde, muito tarde, tão tarde que o sono venha primeiro adormecer o medo ou a dor da partida. Mas há seres que querem partir, partir antes de serem forçados a partir, antes que o mundo escureça mais e não reste uma centelha de luz para alumiar a viagem. E a escuridão não vem necessariamente do âmago da alma. Às vezes vem da crosta estalada e das entranhas carcomidas do mundo. Vem densa e voraz envolver os corações e as mentes dos justos, dos puros, dos felizes. Vem desafiar a última gota de coragem ou cravar na alma a última dúvida. Stefan Zweig foi uma destas almas justas, puras e amantes da vida que decidiu despedir-se antes de conhecer a profundidade abissal da escuridão que foi forçado a conhecer apenas na superfície, apenas adivinhando o capítulo seguinte.
N.º 7
A polissemia das palavras não é apenas um fenómeno linguístico que pode ser estudado e dissecado, às vezes como se a língua fosse apenas um corpo construído num único momento do tempo. É também um fenómeno antropológico, sociológico, filosófico e até puramente idiossincrático. O significante e o significado dos signos linguísticos de cada língua foram sendo construídos ao longo de séculos, acompanhando a evolução social, cultural e tecnológica dos povos. A criação da maior parte dos vocábulos resultou da necessidade de nomear as coisas concretas, mas a esfera espiritual e, sobretudo, o mundo criativo das artes deu o maior contributo para o alargamento da dimensão conceptual e semântica das palavras. Todavia, nem só os escritores e poetas foram grandes criadores de novas palavras e novos sentidos. Cada um se apropria das palavras a seu modo e imprime-lhe a sua própria sensibilidade e percepção do mundo. Por isso, temos de explicar tantas vezes o que de facto queremos dizer. A noite ou o dia de uns não é o dia ou a noite de outros. Enquanto uns sonham apenas quando dormem, outros sonham adormecidos ou acordados e o sonho, que é muito mais do que a palavra que o nomeia, continua a ser tudo o que lhe aprouver, tigre-vegetal-papel-árvore-gente de seda-respiração inteira do mundo…
N.º 8
A coragem de quem se levanta todos os dias antes do nascer do sol para trabalhar quinze ou mais horas, sem claudicar, sem recompensa proporcional ao esforço, sem esperança de que amanhã será diferente, é admirável e trágica, e, ainda assim, nem sequer é considerada coragem por muitos. É apenas um sacrifício vão, é desistência e resignação. Por inglória que seja esta coragem, é de facto coragem e determinação. Ignorá-la é apenas uma forma de culpar o sacrificado pelo seu sacrifício. Nesses heróis anónimos do quotidiano eu vejo antes o sustentáculo do mundo e a manifestação de uma luta contínua contra a adversidade. Por esses, eu protesto e clamo por justiça. A esses, eu vejo-os viver e morrer de pé, como árvores que não nos deixam esquecer que a evolução da humanidade continua a ser trilhado por caminhos desiguais. A evolução de alguns é demasiadas vezes a regressão de muitos. A coragem de continuar, mesmo assim, é também a dignidade possível.
N.º 9
Generalizar é perigoso, sobretudo quando a generalização se aplica a pessoas, mesmo quando pertencem a um mesmo grupo. Na mesma árvore crescem e renascem infinitas folhas; pertencem à mesma espécie, mas não são inteiramente iguais. A espécie determina as características essenciais dos seus membros e pode, de facto, dar a impressão de que todos os elementos são iguais. Os humanos, muito mais do que as plantas, são facilmente influenciáveis e têm dificuldade em rever a sua própria identidade e natureza. Mantêm-se fiéis ao grupo porque sentem falta do grupo para existir e fruir o gratificante sentimento de pertença. Quando o grupo erra, mesmo que de forma grosseira, poucos são os que se atrevem a questionar o rumo e a estrutura do colectivo. E da simples pertença passam para o unanimismo, que é tão perigoso como a generalização, e torna os dissidentes vítimas dos seus próprios pares. Ditaduras e organizações terroristas não admitem a mínima divergência e matam tanto os que pertencem ao grupo como os que se lhe opõem.
N.º 10
Um ermita pode viver feliz e com absoluta paz de espírito isolado do mundo, longe dos seus iguais e desiguais. Os ermitas são uma raridade numa sociedade gregária, mergulhada constantemente em simulações de comunicação e partilha. O isolamente, voluntário ou forçado, pode ser em si mesmo um estado de espírito, mesmo que o ermita espiritual viva entre as multidões. O ermita voluntário raramente se sente só quando está só e inadaptado quando vive e interage com os outros. O solitário à força vive ansioso e contrariado, como se enfrentasse constantemente uma tempestade interior e exterior que não amaina. Há quem procure o isolamento para se aproximar da divindade. Esses vivem quase sempre entre as plantas e os animais. Nunca estão verdadeiramente sós, mas meditam frequentemente sobre a solidão dos que não têm alternativa, os que já percorreram a maior parte da estrada, os que se encontram sempre numa encruzilhada e os que perderam as forças para caminhar.
N.º 11
Um dia, vais saber, um dia conhecerás o que é ser deveras humano. Um dia, tu e os outros saberão se és deveras humano. Um dia, saberás se és um humano entre os humanos. Um dia, aprenderás da melhor ou pior maneira, se é possível permaneceres humano entre os desumanos. No teu pequeno ninho, sentes-te humano, és humano da maneira mais simples: sendo livre, sendo tu, amando quem te ama, recebendo e dando as dádivas comuns dos dias comuns. No teu sereno recanto mundo, as notícias do horror distante parecem ficção. Estás a salvo da realidade, da tragédia que continua latente a decorrer ao longe sem que se vislumbre o desenlace ou se adivinhe como será feita justiça. Ainda bem que ainda não sabes qual é exactamente a diferença entre ser humano e desumano. Toma o teu tempo, respira a tua inocência. Terás tempo de aprender vezes sem conta, não porque queiras, mas porque conhecerás as outras faces do mundo. Espero que tenhas sempre tempo para a recuperar e defender até à morte.
N.º 12
Mesmo os mais desprendidos e mesmo os mais egocêntricos fazem colecções de qualquer coisa. Normalmente coleccionam o que é valioso e confere algumas espécie de estatuto. Coleccionar o inútil, o que não tem grande valor material ou que é efémero é a forma mais generosa e gratificante de coleccionar. Essas colecções poucos as fazem. Folhas secas desfazem-se com o tempo, excepto se forem secas com a técnica mais adequada. Quem folheia e lê livros antigos pode encontrar muita coisa dentro deles, para além das narrativas, poemas ou ilustrações. Folhas secas e pétalas são provavelmente o achado mais frequente. Podem pertencer a plantas de outros lugares e são o resquício de um tempo pessoal que só o “coleccionador” pôde fruir. Cada genuína colecção é um arquivo de pensamentos, vivências e emoções.
N.º 13
Os agredidos não deveriam ter necessidade de invocar o óbvio: o DIREITO a defender-se. Não é só um direito, é uma obrigação ética dos líderes perante os seus povos e dos indivíduos perante os seus pares. Se os agressores não são identificados como agressores, punidos como agressores, nem sofrem qualquer retaliação pelos actos cometidos, a agressão vai certamente repetir-se e a ética e a Humanidade são abolidas. Estabelecer uma falsa equivalência entre agressores e agredidos tornou-se banal e abriu caminho para mais agressões gratuitas. No caso dos Judeus, esta perda de “clareza moral” tornou-se um crime colectivo no qual são conscientemente coniventes os que os condenam sistematicamente por serem vítimas, por sobreviverem e ousarem, hoje, defender-se. Mais perigoso ainda do que a negação do direito dos agredidos a DEFENDER-SE, é não reconhecer aos agredidos sequer o direito a EXISTIR. Provavelmente, o último verso da Prece pela Minha Terra, de Herbert Pagani – «I defend myself, therefore I am» – não é suficiente, sobretudo quando um povo se tenta defender de crimes horrendos e recorrentes. Em vez de defenderem as vítimas, os “cegos morais” e os “profissionais do ódio” negam os crimes e defendem os assassinos…
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