quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

MAIS TEATRO

O MAR
Miguel Torga
Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul
28/11/2014

     Este ano a centenária Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul abriu as portas a duas alunas estagiárias (Tânia Martins e Cláudia Mendonça) do Curso de Artes do Espectáculo da Escola Secundária D. Pedro V. Outro ex-aluno da escola (Hugo Dias) já tinha participado em algumas produções teatrais daquela casa de cultura. Na última semana de Novembro, o Hugo teve a amabilidade de me convidar a assistir à peça que seria levada à cena alguns dias mais tarde: O Mar de Miguel Torga, com encenação de José Boavida. Vi-a no dia 28 de Novembro de 2014. Não conhecia aquele espaço; é pequeno mas acolhedor e permite, apesar das limitações, criar uma atmosfera propícia à arte dramática.
     Como acontece tantas vezes, a simplicidade do cenário foi uma mais-valia. O cenário tinha de ser necessariamente singelo porque todas as personagens são gente simples ligada, de uma forma ou outra, às aventuras e desventuras do mar.
    O enredo é também simples mas contém nessa simplicidade muitos dos ingredientes que tornam complexa e misteriosa toda a vida humana. Os habitantes da aldeia piscatória cruzam-se diariamente na taberna-mercearia, lugar de convívio, confidências e conflitos, muitas vezes atenuados pela dona da casa, mulher viúva e sábia, dotada de uma tranquilidade que só a experiência da vida e a resiliência podem dar.
    Aquelas gentes convivem diariamente com a incerteza de regressar que a vida de pescador traz sempre consigo. Apesar dos perigos constantes e das perdas frequentes, a capacidade de amar e sonhar permanece. Rita, filha de um velho pescador ama Domingos, que é secretamente amado por outras mulheres da aldeia. Valadão, pai de Rita, quer vê-la casada com Domingos mas hesita. Assustam-no mais os perigos do amor do que os do mar. Lembra-se de outra jovem mulher que pôs termo à vida por não ser correspondida. Mas é o mar que acabará por levar Domingos e não outro amor. A menos que… admitamos que o amor pelo mar é aquele que se sobrepõe a todos os outros.
     Num monólogo de um grande lirismo, Domingos conta a história do seu encontro com uma sereia. A crença em sereias não destoa da dureza bem real da vida de pescador. É um sinal do mistério e do desconhecido que o oceano encerra em si. É também o contraponto e um lenitivo que justifica todos os riscos. Se no mar há sereias, então vale a pena partir, arriscar e até perder a vida… O mar está sempre lá e a sereia também. Cada um verá sempre uma sereia diferente, mas o que importa é que há uma sereia, esse eterno apelo do mar que não morre nunca por muitos que morram nos seus braços salgados. Alguns morrem com a casa à vista, outras vão perecer para lá das brumas. Quando Domingos narra o encontro com a sereia, diz que quando a calmaria voltou o barco parecia um berço num lago de prata. O alfa e o ómega num barco, um berço para uma viagem sem fim. Náufraga o barco, fecha-se o círculo da viagem da vida.
     Domingos parte para a Terra Nova, destino habitual dos bacalhoeiros, e não volta mais. Fica Rita, viúva antes de casar, ficam os outros mergulhados num pesado silêncio que murmura e interroga: Por que és tão traiçoeira sereia bela? Que te fizemos nós, que te fez Domingos, para não o deixares voltar? Por que queres sempre ter só para ti aqueles que ousam olhar-te nos olhos profundos e no teu leito navegar?
     Não há resposta. O mar é a sereia e as sereias não falam, cantam e enfeitiçam. Apenas fica o silêncio, a saudade, e uma dorida veneração por tal ente magnífico que tanto dá a vida como a morte.
     Os jovens actores ombrearam dignamente com outros mais velhos, todos eles aprendizes e amantes do teatro. A Cláudia desempenhou mais uma vez um papel masculino na perfeição; um jogador de taberna que não ouvimos falar mas comunica eficazmente pela expressão do rosto e do corpo. A Tânia, no papel da alcoviteira Cacilda, conseguiu transmitir aquela ponta de vaidade de alguém que se julga quase rainha numa “terra de cegos”. O Hugo (Silvino) foi uma criança convincente, criança por fora com olhos antigos lá dentro, sempre colados ao mar.   
      Desta vez, a luz no palco até ajudou; ajudou sobretudo a desenhar de modo mais profundo as emoções espelhadas nos rostos. Ajudou a luz e a verdade de cada personagem que brotou lá de dentro na dose e tonalidades certas. Sem dúvida, um belo momento de teatro.
      Aproveito para agradecer publicamente a Miguel Santos, actual presidente da S.I.G.C., por me ter permitido fotografar esta peça.

Elenco: José Maria Serafim, Cláudia Mendonça, Sara Felício, Hugo Dias, Teresa Brito, Cláudia Reis, Tânia Martins, Eduardo Salgueiro and Paulo Vahia.
Encenação: José Boavida.
Música original: Gustavo de Matos Sequeira.

SIGC – Santos, Lisboa
Av. D. Carlos I, n.º 61, 1º Andar
1200-647 Lisboa
Tel. 21 397 34 71

NOTA BIOGRÁFICA
     Miguel Torga é o pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha, nascido em S. Martinho da Anta, pequena aldeia de Trás-os-Montes, no ano de 1907 e falecido em Coimbra, em 1995. 
     Emigrou para o Brasil com apenas treze anos para trabalhar numa fazenda de café de um tio. Como recompensa pelos cinco anos de trabalho na fazenda, e porque se apercebera da sua inteligência invulgar, o tio decide-se a financiar-lhe a licenciatura em Medicina. Regressa a Portugal e forma-se em Coimbra. O convívio com o meio académico e literário daquela cidade, sobretudo o grupo da Presença, leva-o a escrever e publicar sobretudo poesia. Em 1930 afasta-se do grupo da Presença e funda as revistas Sinal e Manifesto.
     A partir daí, a sua produção literária não parou, a par da prática da Medicina. Entre 1941 e 1995, foram publicados 16 volumes do Diário, vários volumes de contos e romances e 6 peças de teatro, entre elas, O Mar, 1941. Foi várias vezes nomeado para o Prémio Nobel da Literatura, mas como era de prever nunca ganhou… o que só prova que é tão bom ser Nobel como não-Nobel!


NOTA: Já expliquei anteriormente que estes posts sobre teatro esgotaram há muito o espaço virtual gratuito a que tinha direito; agora estou a pagar o espaço que utilizo nos blogs associados à única conta activa que possuía (São Ludovino). Para poupar aqui algum espaço, a partir de agora os posts sobre teatro aparecerão num novo blog (ARTES DE SER), associado a uma conta secundária (São Espinha). O primeiro post feito nesse novo blog é sobre dança e não teatro; contudo, os dançarinos são também alunos do Curso Profissional de Artes do Espectáculo da Escola Secundária D. Pedro V. (12.º 13). Em princípio, o post sobre o Sonho De Uma Noite de Verão, de Shakespeare aparecerá já n’AS ARTES DE SER. Provavelmente, até porque tenho mesmo de poupar espaço virtual, farei uma pausa neste blog… ou farei posts com poucas imagens. São sobretudo as imagens que ocupam espaço… e não gostaria de comprimir as imagens porque perderiam necessariamente qualidade.  



O MAR, Miguel Torga - photography by São Ludovino.


O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino. 

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

 O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.

O Mar The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.



quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

TEATRO NA ESCOLA IX

CHOVE EM BARCELONA

     O prometido é devido. Inicialmente, tinha pensado não publicar qualquer álbum sobre a peça Chove em Barcelona, de Pau Miró, porque as fotografias não saíram bem, mas uma conversa com um dos jovens actores há algumas semanas atrás fez-me mudar de ideias. Apesar da baixa qualidade das fotografias e do vídeo, aqui fica o testemunho do trabalho de final de curso de três jovens actores do Curso Profissional de Artes do Espectáculo da Escola Secundária D. Pedro V.
     Chove em Barcelona, do dramaturgo e actor catalão Pau Miró, é uma peça contemporânea sobre o quotidiano de pessoas bem reais. A acção decorre no quarto habitado por Lali, uma prostituta, e por Carlos, um proxeneta com alguns inesperados bons sentimentos. Nesse pequeno espaço, algo degradado, onde a chuva penetra sem arrefecer os sonhos, Lali coexiste com Carlos e com os clientes. Destes só um é visível na peça: David, proprietário de uma livraria, ser bisonho e angustiado pela morte anunciada da mulher que se encontra hospitalizada. Em Lali, ele encontra o contraponto da doença e da morte. Ela representa a vida, com todas as suas vicissitudes, ambições, sonhos e fantasias. Mal toca em Lali, contempla-a e conversa com ela. Age com ela como com a própria vida, coisa fugaz a que é arriscado prender-se em demasia. A vida real incomoda-o, a chuva, o canto das gaivotas. É algo que não pode controlar e que se intromete entre as suas fantasias e a consciência acutilante de que tudo na vida é frágil e fugidio.
     Lali é o antídoto desta hiperconsciência da vida. Apesar da vida marginal que leva, continua a alimentar sonhos inconquistáveis e desejos tão banais como os de saborear fast-food ou dar um passeio no parque. A coexistência com David e outros clientes do meio intelectual e universitário despertaram nela certas ambições culturais e artísticas e o gosto pela simples fruição da criatividade. Descobre o prazer da leitura e da reflexão e exercita-os com espontânea modéstia respondendo aos desafios de Carlos que lhe vai lendo aforismos escritos em invólucros de chocolates. Carlos só vê o linear e imediato. Lali voa com as palavras e tenta interpretar a seu modo os aforismos.
     Não são de facto comportamentos habituais em prostitutas e proxenetas. Carlos serve-se deste exercício de exegese como um modo de se elevar intelectualmente aos olhos de Lali, que admira David pela sua inteligência e cultura. Carlos não é apenas um proxeneta; a seu modo ama Lali e sente em relação a David uma espécie de ciúme ou pelo menos um certo complexo de inferioridade. Como precisa do dinheiro que Lali ganha vendendo o corpo, acaba por aceitar coexistir com David. Não são nem nunca serão amigos. Ambos precisam de Lali por motivos diferentes; David precisa dela para afogar as mágoas e evadir-se de uma vida angustiante; Carlos precisa dela para sobreviver por dentro e por fora.
     O quarto de Lali fica situado no bairro Raval, antigo bairro Chino de Barcelona, onde se cruzam classes, modos de vida, culturas e etnias muito diferentes. É um bairro boémio e algo marginal que atrai também gente da classe média-alta que aí encontra o exotismo necessário para satisfazer os seus caprichos. Decerto modo, David é um desses homens abastados que procura preencher o vazio da sua vida. Mais do que a morte iminente da mulher, a causa da sua angústia e melancolia parece ser o tédio e o vazio que nem toda a literatura contida na sua livraria pode preencher. Na verdade, choca até a indiferença com que se refere à morte próxima da mulher, como se fosse um peso de que quer livrar-se. Não ousa fazê-lo; aguarda que a morte o faça. Incomoda também o desagrado com que ouve o canto das gaivotas. Segundo ele, trazem-lhe más memórias (uma agressão inesperada de uma gaivota quando era criança). Parece antes o queixume de quem está habituado a ordenar tudo na vida, até a própria Natureza. Consciente e inconscientemente, a doença fatal da mulher lembra-lhe que não tem o poder de ordenar nada. Pode apenas pagar os serviços de Lali e alhear-se por alguns momentos da dura realidade.
     A distribuição dos papéis (David é representado por uma jovem actriz) acrescenta à encenação nuances que não se encontravam no texto. É impossível não pensar que o ciúme de Carlos não se dirige a outro homem mas a uma mulher. Se Carlos não pode igualar o “David homem”, ainda pode menos suplantar ou substituir o “David mulher”. Claro que esta distribuição de papéis foi imposta pela constituição do grupo de jovens actores (um rapaz e duas raparigas), mas acaba mesmo por alterar a perspectiva inicial do texto. Seja como for, todos os três jovens actores representaram os seus papéis com grande coerência. A dose de ambiguidade que permanece não empobrece o texto, confere-lhe apenas mais uma perspectiva e possibilidade de interpretação.
     O fundo absolutamente negro do cenário não foi propício às fotografias, onde o contraste luz-sombra é muitas vezes excessivo, mas funcionou muitíssimo bem como elemento criador de uma atmosfera onde o sonho e a realidade chocam e coexistem. As agruras da vida lá estão naquele fundo negro; mas os sonhos e a esperança também estão lá nas cores vivas e quentes das roupas da cama, do cortinado florido e na própria indumentária de Lali, que muda constantemente de “pele”, como se mudar de aparência fosse também um modo de mudar a vida.

     Os jovens actores e a encenadora (Mariana Rosário) estão de parabéns. Este será certamente mais um daqueles momentos que todos irão recordar na galeria de muitos outros momentos dos três anos de trabalho árduo e dedicado. Qualquer que seja o caminho que sigam, continuem a fazer o que fazem e farão com dedicação e prazer! 






It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.

 It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.

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It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.

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It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.

It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.

It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.

It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.

 It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.

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 It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.

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It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.

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