CHOVE EM
BARCELONA
O
prometido é devido. Inicialmente, tinha pensado não publicar qualquer álbum
sobre a peça Chove em Barcelona, de
Pau Miró, porque as fotografias não saíram bem, mas uma conversa com um dos
jovens actores há algumas semanas atrás fez-me mudar de ideias. Apesar da baixa
qualidade das fotografias e do vídeo, aqui fica o testemunho do trabalho de
final de curso de três jovens actores do Curso Profissional de Artes do
Espectáculo da Escola Secundária D. Pedro V.
Chove
em Barcelona, do dramaturgo e actor catalão Pau Miró, é uma peça
contemporânea sobre o quotidiano de pessoas bem reais. A acção decorre no
quarto habitado por Lali, uma prostituta, e por Carlos, um proxeneta com alguns
inesperados bons sentimentos. Nesse pequeno espaço, algo degradado, onde a
chuva penetra sem arrefecer os sonhos, Lali coexiste com Carlos e com os
clientes. Destes só um é visível na peça: David, proprietário de uma livraria,
ser bisonho e angustiado pela morte anunciada da mulher que se encontra
hospitalizada. Em Lali, ele encontra o contraponto da doença e da morte. Ela
representa a vida, com todas as suas vicissitudes, ambições, sonhos e
fantasias. Mal toca em Lali, contempla-a e conversa com ela. Age com ela como
com a própria vida, coisa fugaz a que é arriscado prender-se em demasia. A vida
real incomoda-o, a chuva, o canto das gaivotas. É algo que não pode controlar e
que se intromete entre as suas fantasias e a consciência acutilante de que tudo
na vida é frágil e fugidio.
Lali é o antídoto desta hiperconsciência
da vida. Apesar da vida marginal que leva, continua a alimentar sonhos
inconquistáveis e desejos tão banais como os de saborear fast-food ou dar um passeio no parque. A coexistência com David e
outros clientes do meio intelectual e universitário despertaram nela certas
ambições culturais e artísticas e o gosto pela simples fruição da criatividade.
Descobre o prazer da leitura e da reflexão e exercita-os com espontânea
modéstia respondendo aos desafios de Carlos que lhe vai lendo aforismos
escritos em invólucros de chocolates. Carlos só vê o linear e imediato. Lali
voa com as palavras e tenta interpretar a seu modo os aforismos.
Não são de facto comportamentos habituais
em prostitutas e proxenetas. Carlos serve-se deste exercício de exegese como um
modo de se elevar intelectualmente aos olhos de Lali, que admira David pela sua
inteligência e cultura. Carlos não é apenas um proxeneta; a seu modo ama Lali e
sente em relação a David uma espécie de ciúme ou pelo menos um certo complexo
de inferioridade. Como precisa do dinheiro que Lali ganha vendendo o corpo,
acaba por aceitar coexistir com David. Não são nem nunca serão amigos. Ambos
precisam de Lali por motivos diferentes; David precisa dela para afogar as
mágoas e evadir-se de uma vida angustiante; Carlos precisa dela para sobreviver
por dentro e por fora.
O quarto de Lali fica situado no bairro
Raval, antigo bairro Chino de Barcelona, onde se cruzam classes, modos de vida,
culturas e etnias muito diferentes. É um bairro boémio e algo marginal que
atrai também gente da classe média-alta que aí encontra o exotismo necessário
para satisfazer os seus caprichos. Decerto modo, David é um desses homens
abastados que procura preencher o vazio da sua vida. Mais do que a morte
iminente da mulher, a causa da sua angústia e melancolia parece ser o tédio e o
vazio que nem toda a literatura contida na sua livraria pode preencher. Na
verdade, choca até a indiferença com que se refere à morte próxima da mulher,
como se fosse um peso de que quer livrar-se. Não ousa fazê-lo; aguarda que a
morte o faça. Incomoda também o desagrado com que ouve o canto das gaivotas.
Segundo ele, trazem-lhe más memórias (uma agressão inesperada de uma gaivota
quando era criança). Parece antes o queixume de quem está habituado a ordenar
tudo na vida, até a própria Natureza. Consciente e inconscientemente, a doença
fatal da mulher lembra-lhe que não tem o poder de ordenar nada. Pode apenas
pagar os serviços de Lali e alhear-se por alguns momentos da dura realidade.
A distribuição dos papéis (David é
representado por uma jovem actriz) acrescenta à encenação nuances que não se encontravam no texto. É impossível não pensar
que o ciúme de Carlos não se dirige a outro homem mas a uma mulher. Se Carlos
não pode igualar o “David homem”, ainda pode menos suplantar ou substituir o
“David mulher”. Claro que esta distribuição de papéis foi imposta pela
constituição do grupo de jovens actores (um rapaz e duas raparigas), mas acaba
mesmo por alterar a perspectiva inicial do texto. Seja como for, todos os três
jovens actores representaram os seus papéis com grande coerência. A dose de
ambiguidade que permanece não empobrece o texto, confere-lhe apenas mais uma
perspectiva e possibilidade de interpretação.
O fundo absolutamente negro do cenário não
foi propício às fotografias, onde o contraste luz-sombra é muitas vezes
excessivo, mas funcionou muitíssimo bem como elemento criador de uma atmosfera
onde o sonho e a realidade chocam e coexistem. As agruras da vida lá estão
naquele fundo negro; mas os sonhos e a esperança também estão lá nas cores
vivas e quentes das roupas da cama, do cortinado florido e na própria
indumentária de Lali, que muda constantemente de “pele”, como se mudar de
aparência fosse também um modo de mudar a vida.
Os jovens actores e a encenadora (Mariana
Rosário) estão de parabéns. Este será certamente mais um daqueles momentos que
todos irão recordar na galeria de muitos outros momentos dos três anos de
trabalho árduo e dedicado. Qualquer que seja o caminho que sigam, continuem a
fazer o que fazem e farão com dedicação e prazer!
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
It's Raining in Barcelona, photography by São Ludovino.
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