O MAR
Miguel Torga
Sociedade de Instrução
Guilherme Cossoul
28/11/2014
Este ano a centenária Sociedade de
Instrução Guilherme Cossoul abriu as portas a duas alunas estagiárias (Tânia
Martins e Cláudia Mendonça) do Curso de Artes do Espectáculo da Escola
Secundária D. Pedro V. Outro ex-aluno da escola (Hugo Dias) já tinha
participado em algumas produções teatrais daquela casa de cultura. Na última
semana de Novembro, o Hugo teve a amabilidade de me convidar a assistir à peça
que seria levada à cena alguns dias mais tarde: O Mar de Miguel Torga, com encenação de José Boavida. Vi-a no dia
28 de Novembro de 2014. Não conhecia aquele espaço; é pequeno mas acolhedor e
permite, apesar das limitações, criar uma atmosfera propícia à arte dramática.
Como acontece tantas vezes, a simplicidade
do cenário foi uma mais-valia. O cenário tinha de ser necessariamente singelo
porque todas as personagens são gente simples ligada, de uma forma ou outra, às
aventuras e desventuras do mar.
O enredo é também simples mas contém nessa
simplicidade muitos dos ingredientes que tornam complexa e misteriosa toda a
vida humana. Os habitantes da aldeia piscatória cruzam-se diariamente na
taberna-mercearia, lugar de convívio, confidências e conflitos, muitas vezes
atenuados pela dona da casa, mulher viúva e sábia, dotada de uma tranquilidade
que só a experiência da vida e a resiliência podem dar.
Aquelas gentes convivem diariamente com a
incerteza de regressar que a vida de pescador traz sempre consigo. Apesar dos
perigos constantes e das perdas frequentes, a capacidade de amar e sonhar
permanece. Rita, filha de um velho pescador ama Domingos, que é secretamente
amado por outras mulheres da aldeia. Valadão, pai de Rita, quer vê-la casada
com Domingos mas hesita. Assustam-no mais os perigos do amor do que os do mar.
Lembra-se de outra jovem mulher que pôs termo à vida por não ser correspondida.
Mas é o mar que acabará por levar Domingos e não outro amor. A menos que…
admitamos que o amor pelo mar é aquele que se sobrepõe a todos os outros.
Num monólogo de um grande lirismo, Domingos
conta a história do seu encontro com uma sereia. A crença em sereias não destoa
da dureza bem real da vida de pescador. É um sinal do mistério e do
desconhecido que o oceano encerra em si. É também o contraponto e um lenitivo
que justifica todos os riscos. Se no mar há sereias, então vale a pena partir,
arriscar e até perder a vida… O mar está sempre lá e a sereia também. Cada um
verá sempre uma sereia diferente, mas o que importa é que há uma sereia, esse
eterno apelo do mar que não morre nunca por muitos que morram nos seus braços
salgados. Alguns morrem com a casa à vista, outras vão perecer para lá das
brumas. Quando Domingos narra o encontro com a sereia, diz que quando a
calmaria voltou o barco parecia um berço num lago de prata. O alfa e o ómega
num barco, um berço para uma viagem sem fim. Náufraga o barco, fecha-se o círculo
da viagem da vida.
Domingos parte para a Terra Nova, destino
habitual dos bacalhoeiros, e não volta mais. Fica Rita, viúva antes de casar,
ficam os outros mergulhados num pesado silêncio que murmura e interroga: Por
que és tão traiçoeira sereia bela? Que te fizemos nós, que te fez Domingos,
para não o deixares voltar? Por que queres sempre ter só para ti aqueles que
ousam olhar-te nos olhos profundos e no teu leito navegar?
Não há resposta. O mar é a sereia e as
sereias não falam, cantam e enfeitiçam. Apenas fica o silêncio, a saudade, e
uma dorida veneração por tal ente magnífico que tanto dá a vida como a morte.
Os jovens actores ombrearam dignamente com
outros mais velhos, todos eles aprendizes e amantes do teatro. A Cláudia
desempenhou mais uma vez um papel masculino na perfeição; um jogador de taberna
que não ouvimos falar mas comunica eficazmente pela expressão do rosto e do
corpo. A Tânia, no papel da alcoviteira Cacilda, conseguiu transmitir aquela
ponta de vaidade de alguém que se julga quase rainha numa “terra de cegos”. O
Hugo (Silvino) foi uma criança convincente, criança por fora com olhos antigos
lá dentro, sempre colados ao mar.
Desta vez, a luz no palco até ajudou;
ajudou sobretudo a desenhar de modo mais profundo as emoções espelhadas nos
rostos. Ajudou a luz e a verdade de cada personagem que brotou lá de dentro na
dose e tonalidades certas. Sem dúvida, um belo momento de teatro.
Aproveito para agradecer publicamente a
Miguel Santos, actual presidente da S.I.G.C., por me ter permitido fotografar
esta peça.
Elenco: José Maria
Serafim, Cláudia Mendonça, Sara Felício, Hugo Dias, Teresa Brito, Cláudia Reis,
Tânia Martins, Eduardo Salgueiro and Paulo Vahia.
Encenação: José Boavida.
Música original: Gustavo
de Matos Sequeira.
SIGC – Santos, Lisboa
Av. D. Carlos I, n.º 61,
1º Andar
1200-647 Lisboa
Tel. 21 397 34 71
NOTA
BIOGRÁFICA
Miguel Torga é o pseudónimo de Adolfo
Correia da Rocha, nascido em S. Martinho da Anta, pequena aldeia de Trás-os-Montes,
no ano de 1907 e falecido em Coimbra, em 1995.
Emigrou para o Brasil com apenas treze
anos para trabalhar numa fazenda de café de um tio. Como recompensa pelos cinco
anos de trabalho na fazenda, e porque se apercebera da sua inteligência invulgar,
o tio decide-se a financiar-lhe a licenciatura em Medicina. Regressa a Portugal
e forma-se em Coimbra. O convívio com o meio académico e literário daquela
cidade, sobretudo o grupo da Presença, leva-o a escrever e publicar sobretudo
poesia. Em 1930 afasta-se do grupo da Presença e funda as revistas Sinal
e Manifesto.
A partir daí, a sua produção literária não
parou, a par da prática da Medicina. Entre 1941 e 1995, foram publicados 16
volumes do Diário, vários volumes de contos e romances e 6 peças de
teatro, entre elas, O Mar, 1941. Foi várias vezes nomeado para o Prémio
Nobel da Literatura, mas como era de prever nunca ganhou… o que só prova que é
tão bom ser Nobel como não-Nobel!
NOTA: Já expliquei anteriormente que estes posts sobre teatro esgotaram há muito o
espaço virtual gratuito a que tinha direito; agora estou a pagar o espaço que
utilizo nos blogs associados à única conta activa que possuía (São Ludovino).
Para poupar aqui algum espaço, a partir de agora os posts sobre teatro aparecerão num novo blog (ARTES DE SER), associado a uma
conta secundária (São Espinha). O primeiro post
feito nesse novo blog é sobre dança e
não teatro; contudo, os dançarinos são também alunos do Curso Profissional de
Artes do Espectáculo da Escola Secundária D. Pedro V. (12.º 13). Em princípio,
o post sobre o Sonho De Uma Noite de Verão, de Shakespeare aparecerá já n’AS ARTES DE SER.
Provavelmente, até porque tenho mesmo de poupar espaço virtual, farei uma pausa
neste blog… ou farei posts com poucas
imagens. São sobretudo as imagens que ocupam espaço… e não gostaria de
comprimir as imagens porque perderiam necessariamente qualidade.
O MAR, Miguel Torga - photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.
O Mar / The Sea, by Miguel Torga, photography by São Ludovino.